Em qualquer cidade grande e
problemática como São Paulo, fatos distintos acontecem quase ao mesmo tempo.
Enquanto um jovem entra na loja para adquirir uma camisa de uma marca famosa,
outro se mete em um assalto de carro. Quando uma criança aprende sobre
matemática em um colégio respeitável, outra enche o corpo de crack pelas vielas
do centro. Se alguém compra o DVD da última banda do momento, outro alguém
vende esse DVD pirata pelas ruas.
Marcelo D’Salete, como morador da
capital paulista, sabe bem disso e faz uso para povoar as histórias de “Encruzilhada”,
álbum em quadrinhos com lançamento esse ano pela editora Barba Negra. Em 122
páginas ele narra cinco pequenos contos com personagens que navegam naquela área
entre a sobrevivência e o esquecimento. Como coadjuvantes temos pobreza,
corrupção, necessidade e pequenos sonhos, que acabam destruídos e arremessados
em uma esquina qualquer.
A arte de “Encruzilhada” se
inspira no grafite de rua e é propositadamente suja, rabiscada e sombria. Serve
bem ao intuito de dar o visual necessário para que os pequenos dramas se
apresentem. No meio desses dramas o autor
coloca marcas consagradas em destaque nos quadros como Adidas e Motorola, forjando
um contraponto bem sacado (e sem soar banal) sobre a vida dos personagens com o
poder do mercado de consumo, que pouco se importa com tudo e segue avançando.
Os contos retratam primeiro um
garoto que é acossado pela polícia, na qual o chefe esconde suas próprias desilusões.
Depois o valor de uma vida é arremessado contra o vício das drogas. Em sequência
(baseado em texto de Kiko Dinucci) a prostituição se correlaciona com medo e
religião. Para finalizar duas jovens mulheres precisam lidar com a dura batalha
de resistência nas ruas e fecha com uma história onde a estupidez humana é
alçada para patamares elevadíssimos.
“Encruzilhada” é uma obra de
cunho extremamente social e mesmo tratando de um tema geral que ganha discursos
vazios a cada momento, escapa com habilidade desse cenário opaco. Os traços e a
narrativa de Marcelo D’Salete alcançam o objetivo essencial de um trabalho
desse tipo, que é incomodar o leitor. Se esse leitor depois de incomodado vai
mudar alguma coisa ou tomar alguma atitude, isso já não pode se prever, apenas
afirmar que o pontapé inicial para tanto foi dado.
Site do autor: http://dsalete.art.br
Leia uma parte da HQ aqui: http://issuu.com/editorabarbanegra/docs/encruzilhada
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