terça-feira, 18 de julho de 2017

Quadrinhos: "O Divino" e "Paciência"


“O Divino” (The Divine, no original) é uma graphic novel com roteiro do escritor e cineasta Boaz Lavie e arte dos irmãos Asaf e Tomer Hanuka (de “Bipolar”, série vencedora do prêmio Eisner). A ideia dos israelenses nasceu de uma famosa foto de Apichart Weerawong tirada dos gêmeos Johnny e Luther Htoo ainda crianças (mais sobre isso, aqui). Com capa dura, 160 páginas e lançamento nacional no final do ano passado pelo selo Geektopia da editora Novo Século, a obra acontece na maior parte em um imaginário e obscuro país asiático chamado Quanlom. Mark, um ex-militar especialista em explosivos decide ir para essa nação em guerra convencido pelo amigo Jason que já foi e presenciou algumas situações bem incomuns. Na verdade, Mark vai exclusivamente pelo dinheiro já que sabe que vai ser pai e está um pouco pressionado em casa por conta de uma promoção que não vingou. Os dois viajam e com ajuda de militares locais fazem o serviço que consiste em preparar uma montanha para explodir. Depois disso é que as coisas saem do controle e crianças envolvidas na guerra - sendo que um deles possui dons e poderes - transformam totalmente o caminho inicial. “O Divino” é um trabalho que fusiona realidade com atos de natureza fantástica e conta como apoio para o roteiro apenas correto uma arte elaborada com extrema dedicação, que produz efeitos sensacionais durante o decorrer da trama. Indo mais além, resultado direto da foto que foi baseada, traz ponderações em segundo plano sobre a utilização de crianças nas guerras espalhadas pelo mundo, crianças que deixam de ser crianças ainda muito cedo e logo são inseridas em um universo cruel e sanguinário do qual nunca mais vão conseguir retornar. Essa nuance, além da arte dos irmãos Hanuka, fazem de “O Divino” uma leitura bem recomendável.

Nota: 7,0 


Quem pelo menos uma vez não pensou em voltar no tempo para ter uma atitude diferente ou impedir algum fato? É difícil que esse desejo não tenha permeado pelo menos uma vez a mente e é esse mote que o quadrinista Daniel Clowes usa em “Paciência” (Patience, no original). O autor é um dos nomes mais respeitados do mercado alternativo dos EUA e com esse trabalho quebra anos de jejum sem lançar nada. Nessa “viagem cósmica através do espaço-tempo rumo ao infinito primordial do amor eterno” (como diz a espécie de subtítulo), somos apresentados a Jack e sua esposa, que empresta o nome a graphic novel. Os dois são apaixonados, duas almas incomuns que acharam um no outro o suporte para tocar a vida. Aqui o autor traz de “Wilson” (publicada aqui pelo selo Quadrinhos na Cia.), a completa falta de vontade de socialização com a humanidade transportada agora para o casal. Enquanto Jack busca emprego e grana, pois a esposa está grávida, ela tenta fazer as pazes com o passado. Tudo muda quando ela é assassinada junto com a bebê que carregava na barriga. Jack é tomado pela obsessão de achar o assassino e isso guia sua vida para frente. Muitos anos passam e ele já se encontra sem esperanças quando acha uma maneira de voltar ao passado, o que dá novo gás a caça e faz com que ele descubra diversos segredos da falecida mulher. “Paciência” foi lançado nos EUA no ano passado e chegou agora no Brasil pela editora Nemo, com 184 páginas. É um trabalho completo onde o texto, a imagem e a formatação dos quadros servem diretamente um ao outro para formar um estupendo conjunto. É uma obra viva, com cores e mais cores se alternando para provocar as sensações do leitor, uma excelente ficção científica que trata com brilho do tema mais antigo de todos: o amor.
Nota: 9,0

Site do autor: http://danielclowes.com 


domingo, 16 de julho de 2017

"Quadrinhos": “Hinterkind – Os Desterrados: O Despertar do Mundo” e "Tabloide"


Durante séculos a humanidade foi a espécie dominante do planeta. Usou e abusou da natureza esgotando os recursos naturais de acordo com interesses próprios. No entanto, todo esse poder foi embora em apenas sete meses. A raça humana foi praticamente dizimada por uma peste sem nome que se alastrou pelo mundo devastando tudo que via na frente. Nesse cenário pós-apocalíptico animais selvagens passaram a ser donos das ruas e cidades e lendas reapareceram para brigar pela posse do planeta. Personagens comuns em livros e histórias antigas como elfos, fadas, centauros e trolls saem do esconderijo que habitaram e reclamam a terra novamente para si. “Hinterkind – Os Desterrados: O Despertar do Mundo” mistura esses dois lados citados: a sobrevivência da espécie humana depois da praga e o enxerto da fantasia que transforma a história em algo mais. Lançada nos EUA dentro do selo Vertigo, ganhou edição nacional esse ano pela Panini Comics em um volume de capa cartonada com 148 páginas que traz as edições originais de 1 a 6 publicadas entre dezembro de 2013 e maio de 2014. A história é criação do britânico Ian Edginton (Planeta dos Macacos) e tem como grande destaque a belíssima arte do italiano Francesco Trifogli com as cores da brasileira Cris Peter. O selo Vertigo é – já faz algum tempo – o único resquício de boas histórias da DC Comics dentro dos quadrinhos e isso não é diferente com “Hinterkind”. Uma trama bem contada, com algumas ornamentações de segundo plano, com arte de encher os olhos, que habita dentro do digamos “universo geral” da fantasia do selo composto por coisas como “O Inescrito” e “Fábulas”. Usando de conceitos já explorados anteriormente e fazendo estes fluir em nova aventura, Ian Edginton foge o máximo que pode do lugar comum desse tipo de enredo e proporciona ao leitor uma atrativa pedida.

Nota: 7,0


O quadrinista paulista L.M. Melite é responsável por um trabalho dos mais intrigantes no cenário nacional dos últimos anos. É obra dele “Desistência Azul” e “Dupin” (ambos lançados pela Zarabatana Books) e “Leviatã” (que saiu na revista Café Espacial 13). Suas histórias sempre apresentam um ponto mais fora da curva, seja no experimentalismo da arte ou no traço em alguns momentos, seja na concepção do roteiro e narrativa em outras, gerando um resultado digno de nota. Esse ano chega nas livrarias mais uma obra sua intitulada “Tabloide” que foi contemplada pelo PROAC (programa de incentivo à cultura de São Paulo) e tem publicação caprichada em capa dura pela editora Veneta. Com 136 páginas e em cores, Melite narra as desventuras de Samantha Castelo, uma jornalista que tem atração por histórias estranhas e sobrenaturais, dona que um pequeno jornal que narra esses fatos enquanto os demais não estão nem aí. Samantha é cínica ao extremo, desbocada, bagunceira, fora do peso, pouco higiênica, cheia de artimanhas para conseguir o que quer e enxerida como uma jornalista criminal deve ser. Quando se depara com um homicídio que tem um cadáver vestido de noiva trancado dentro do porta-malas de um carro afundado, ela não se contenta com o descaso geral da polícia e resolve atropelar para conseguir a matéria. Nesse percurso é auxiliada pelos poucos que lhe cercam como o fotógrafo Horácio e o ex-patrão e atual “conselheiro” Bogus para entrar no submundo de São Paulo se deparando com bizarrices e segredos guardados a sete chaves. Enquanto o thriller policial avança com as descobertas, o autor aproveita para contar um pouco mais sobre a protagonista e os cadáveres pessoais que ela tranca no armário. “Tabloide” é um dos grandes lançamentos nacionais do ano, que ratifica de vez o trabalho do seu criador e deixa o leitor torcendo para que no futuro venham mais histórias de Samantha Castelo.

Nota: 9,0


sexta-feira, 14 de julho de 2017

Quadrinhos: “Agentes da S.H.I.E.L.D: Tiro Perfeito” e “O Xerife da Babilônia: Bang. Bang. Bang”


A série de televisão “Agents of S.H.I.E.L.D.” começou como uma boa promessa, porém patinou bastante na primeira temporada sem saber muito bem qual sua função e só se consolidou a partir da metade do segundo ano em ótima pedida para os fãs dos quadrinhos, como também neófitos desse universo conquistados pelo sucesso dos filmes da Marvel. Já com a quarta temporada finalizada (e uma quinta virá), a empresa resolveu transportar para os quadrinhos o clima de aventura e descontração da tevê, assim como vincular ainda mais os personagens com seu mundo. “Agentes da S.H.I.E.L.D: Tiro Perfeito” compila as seis primeiras edições desse projeto publicadas nos EUA de fevereiro a julho de 2015. Com 148 páginas e capa dura, a Panini Comics disponibiliza esse material agora em 2017. Todas têm o roteiro do experiente Mark Waid (Demolidor, Capitão América) e a cada trama um novo artista conceituado assume os desenhos. Estão presentes nesse volume nomes como Carlos Pacheco, Humberto Ramos, Mike Choi, Paul Renaud e os grandes Alan Davis e Chris Sprouse. Cada número é uma aventura fechada, mas que servem ali na surdina para um arco maior que praticamente se completa no próprio encadernado. Nos deparamos novamente (para quem viu a série e funciona melhor para estes) com Phil Coulson e a equipe composta por Melinda May e o casal Fitz-Simmons (nomes como Ward e Skye ficam fora). Para melhorar o elenco de apoio é vigoroso e traz Homem-Aranha, Miss Marvel, Sue Richards, Heimdall, Feiticeira Escarlate, Cavaleiro Negro e Valquíria. Nessas novas aventuras da Superintendência Humana de Intervenções Estratégicas, Logística e Defesa sai o tom soturno e cheio de conspirações da era Nick Fury e aparece o entretenimento puro e simples como guia, com inspiradas cenas de ação mescladas com boas piadas resultando em entretenimento leve e descompromissado.

Nota: 6,0 


Após tirar Saddam Hussein do poder em 2003, os EUA assumiram o controle do Iraque – principalmente Bagdá – e começaram uma espécie de transposição de poder para um novo governo. A guerra forjada pelo presidente George H. Bush e seus aliados foi montada em cima de falsas alegações, mentiras e pretextos escusos, contudo serviu para tirar do poder um ditador tirânico e sanguinário, com muito sangue nas mãos. Nesse cenário pós-derrubada, repleto de caos é que se ambienta “O Xerife da Babilônia: Bang. Bang. Bang” que a Panini Comics publica esse ano aqui em um encadernado de 162 páginas com capa cartonada. Esse primeiro volume reúne as edições originais de 1 a 6 oriundas de fevereiro a julho de 2016, contando com extras como o processo de criação da arte de uma página. O personagem principal é o ex-policial Christopher Henry que para treinar a nova força de segurança iraquiana está no país recebendo valores consideráveis. Quando um de seus recrutas aparece morto na rua, ele tenta solucionar o caso movido não se sabe por qual senso de justiça. Nesse processo entram em cena Sofia, uma integrante do novo governo, e o ex-detetive Nassir, um agente fiel a Saddam anteriormente. É essa busca que movimenta a trama criada por Tom King (Batman) e com arte e cores de Mitch Gerads (Justiceiro). O roteirista conhece bem o que descreve pois trabalhou no país como agente da CIA e isso enxerta nuances mais reais, assim como os cenários feitos de maneira cuidadosa que visam aproximar o máximo possível a ficção da realidade, tendo no uso das cores um grande mérito. “O Xerife da Babilônia” exibe como atrativo, além da autenticidade já comentada, um roteiro que deixa os personagens principais cheios de desejos ocultos, o que adiciona a cada página lida uma boa gama de suspense e expectativa para o que virá na sequência. Vale a pena ir atrás.

Nota: 7,0