segunda-feira, 30 de abril de 2012

"Sete Dias Com Marilyn" - 2012


Imagine ser um jovem de vinte e poucos anos iniciando uma carreira no cinema. Imagine que esse trabalho é vinculado a paixão por uma arte que lhe trará até a desconfiança da família. Imagine que logo na primeira inclusão de verdade nesse mundo, você seja assessor de um ator e diretor de inegável talento e acabe tendo como um dos serviços ciceronear uma estrela de primeira grandeza de Hollywood. Ah, e imagine isso nos anos 50 e colocando nos devidos papeis Laurence Olivier e Marilyn Monroe.

Se você conseguiu imaginar o cenário descrito acima, seja bem-vindo a vida do inglês Colin Clark.

Colin Clark passou por essa experiência nos primeiros passos da sua carreira cinematográfica (que o conduziria posteriormente ao segmento dos documentários) e depois registrou suas lembranças em livro, onde o filme “Sete Dias Com Marilyn” (“My Week with Marilyn”, no original) que estreia somente agora no Brasil, se baseou. No papel do jovem ingênuo e sonhador está Eddie Redmayne (de “O Bom Pastor”) em uma atuação que transpõe insegurança e empolgação na medida necessária.

O roteiro desenvolvido pelo experiente, mas não tão conhecido assim, Adrian Hodges, trata da ida do furacão Marilyn Monroe (Michelle Williams de “Namorados Para Sempre”) para a Inglaterra com o objetivo de gravar com Sir Laurence Olivier (vivido pelo diretor e ator Kenneth Branagh) um filme que receberia por aqui o título de “O Príncipe Encantado”. O trabalho em questão era do interesse de ambos e visava para ela mostrar um algo mais e para ele um retorno a bilheterias comparáveis ao seu talento.

O diretor de televisão Simon Curtis debuta no cinema mostrando habilidade ao conduzir a trama e guiar um núcleo de atores com Julia Ormond (“O Curioso Caso de Benjamin Button”), Toby Jones (“O Espião Que Sabia Demais”), Emma Watson (“Harry Potter”), Dougray Scott (“Missão Impossível 2”) e a sempre extraordinária Judi Dench. Aliando comédia e drama consegue estabelecer um bom ritmo, apesar de perder um pouco disso quando entra nos devaneios e dúvidas que permeiam os personagens.

“Sete Dias Com Marilyn” além de conversar sobre o início de um sonho e do confronto de percepções entre os lados envolvidos, trata de uma paixão impossível e avassaladora na mesma proporção. Isso dá a oportunidade de Michelle Williams incorporar em um trabalho vigoroso a mulher que foi sinônimo de glamour, sensualidade e beleza e que mesmo após anos da sua morte tem a fama atravessando as décadas. Depois de ver o longa, só dá para crer que realmente nunca houve mulher como Marilyn.

Nota: 7,0

Assista ao trailer:

sábado, 28 de abril de 2012

"Os Vingadores" - 2012


Existiam pelo menos algumas maneiras de adentrar a sala para assistir “Os Vingadores”. A primeira era como um consumidor dos quadrinhos da Marvel e principalmente, nesse caso, do seu maior time de super-heróis. A outra era uma como um membro da nova legião de admiradores que os filmes recentes da empresa foram competentes em criar, ou ainda como alguém simplesmente atrás de um bom filme de ação, com cenas bacanas de lutas e farta distribuição de explosões e destruição para todos os lados.

Sou integrante da primeira turma. Comecei a ler quadrinhos nos anos 80 e até hoje sou consumidor do segmento e acompanho as aventuras dos Vingadores mensalmente. Com os filmes já apresentados de maneira individual sobre o Homem de Ferro, Capitão América, Thor e Hulk, percebeu-se que a história tomaria outros caminhos, com personagens como Gavião Arqueiro e Viúva Negra bem presentes e uma mescla do tradicional com a série “Ultimate” que visa recontar esse tradicional para as novas gerações.

Joss Whedon (“Buffy: A Caça-Vampiros”) ficou com a missão de levar a história para a grande tela, assim como amarrar e dar sentido as pontas que foram deixadas nos trabalhos solo. Com exceção de Edward Norton como o verdão esmeralda (que foi substituído pelo Mark Ruffalo), os demais atores voltaram aos seus personagens, dando seguimento ao projeto. O nível de expectativa gerado pelas informações liberadas em textos e notícias nos meios de comunicação, também foram úteis em deixar esse projeto vivo.

No filme, a iniciativa Vingadores é promulgada pelo líder da S.H.I.E.L.D Nick Fury, com o intuito primordial de achar um cubo cósmico de imenso poder que está nas mãos de Loki, o irmão de Thor, que o utiliza para jogar uma força alienígena sobre a Terra para causar sua queda e conquistá-la. Aos poucos os heróis vão se envolvendo nesse objetivo, com cada um com seu próprio motivo e tentando trabalhar juntos sem se matar. E em tese isso basta para descrever a trama que se espalha por mais de duas horas.

“Os Vingadores” não tem um roteiro excepcional, mas isso aqui especificamente não faz tanta diferença, pois basta apenas ser competente. O ponto mais alto do trabalho não é a história contada e sim como ela é contada. Não era fácil obter conjunto com tantos protagonistas se esgueirando pelas cenas e isso Joss Whedon conseguiu fazer. Por mais que algumas situações sejam meio forçadas, como lutas mais comuns para enquadrar os mais fracos como a Viúva Negra, isso não representou um desgaste ou incômodo.

Para quem não faz parte da primeira turma citada acima, o filme pode funcionar menos e até será compreensível que alguns considerem como apenas mais uma aventura de ação. “Os Vingadores” é um filme talhado e esculpido diretamente para fãs, com uma provável abertura para um público maior, mas que funciona melhor para quem teve uma parte da infância e adolescência estendida para a vida adulta através dos quadrinhos. É nerd, pueril e raso, talvez. Porém, ainda assim consegue ser um ótimo filme.

Nota: 9,0

Textos relacionados no blog:

Cinema: “Thor”

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quarta-feira, 25 de abril de 2012

"Sonik Kicks" - Paul Weller - 2012


53 anos de idade com 40 deles dedicados à música. Durante 10 primaveras comandou o The Jam e passou mais 6 na frente do Style Council. Desde o começo dos anos 90 partiu para uma carreira-solo bem construída e que durante a última década rendeu 6 álbuns, sendo os dois últimos ótimos trabalhos (“22 Dreams” de 2008 e “Wake Up Nation” de 2010). Frenético e experimentalista para com a sua música, mantêm o novo como um recurso sem soar deslocado ou aproveitador. Assim é o inglês Paul Weller.

“Sonik Kicks” é o fruto recente dessa extensa carreira e nas 14 faixas em que se apresenta alcança o mérito de deixar o nível elevado, ainda que com algumas ressalvas aqui e ali. Na sucessão de bons registros gerados nas últimas temporadas, Paul Weller provoca uma nova incursão pela miscelânea de influências e ritmos que aprecia utilizar, partindo do rock inglês mais puro para depois percorrer eletrônica, jazz, instrumental, reggae e pop. Uma mistura que não azeda, mesmo que se produzam condições favoráveis para tanto.

Abre com a dançante e barulhenta “Green” com palavras soltas e frases curtas e desse ponto pode se dividir tudo em pequenos blocos. “Sleep Of The Serene” e “Twilight” habitam no campo daqueles breves interlúdios instrumentais. “The Attic” e “Around The Lake” são curtas, com teor pop camuflado, mas ao mesmo tempo urgentes e caóticas. No lado mais experimental temos a fusão de jazz com reggae na climática “Study In Blue” e o psicodelismo que pede passagem em meio as percussões de “Drifters”.

A categoria das baladas comparece com “By The Waters” e a bonita (porém, piegas) “Be Happy Children”. Já a devoção (que ele ajudou a criar, diga-se de passagem) pelo rock inglês vem com “The Dangerous Age”, “When Your Garden’s Overgrown” e “Paperchase”, que mostram um pouco da base usada pelo britpop. Não é a toa que Graham Coxon do Blur e Noel Gallagher colaborem em algumas faixas, além da já citada “Drifters” ter Steve Craddock do Ocean Colour Scene como parceiro de composição.

No contexto mais geral, pode-se afirmar que o ponto mais significativo de “Sonik Kicks” se situa na decisão de Paul Weller em continuar produzindo discos frescos e contemporâneos, sem remoer glórias passadas. As boas canções são filhas diretas desse posicionamento e isso vindo de um artista que tem pérolas na carreira como “All Mod Cons” de 1978 (com o Jam) e “Wild Wood” de 1993 (solo). Mesmo em uma idade perigosa, como cita em uma das faixas, ele prefere não se acomodar. A música agradece.

P.S: Existe uma versão deluxe do disco que traz outras boas faixas como “Starlite” e “Devotion”. Vale dar uma conferida.

Nota: 8,0


Assista a uma versão ao vivo de “The Attic”:

domingo, 22 de abril de 2012

"Diário de Um Jornalista Bêbado" - 2012


Antes do escritor Hunter S. Thompson virar um personagem da (contra) cultura e ganhar uma considerável horda de fãs e seguidores, assim como uma pequena legião de detratores, existia um jovem tentando se encontrar depois de algumas escolhas erradas e decisões pouco sábias. Esse retrato de uma espécie de busca por uma voz própria foi cunhado ainda nos anos 60 em um pequeno e brilhante livro que só foi chegar a ser publicado anos e anos depois.

Esse livro intitulado “Diário de Um Jornalista Bêbado” (“The Rum Diary”, no original), ganha uma adaptação cinematográfica pelas mãos do diretor Bruce Robinson de “Os Desajustados”, que não satisfeito com isso, também é responsável por elaborar o roteiro. A mini odisséia de um jovem jornalista que se manda para Porto Rico à procura de trabalho e novos horizontes durante os anos 50, enfim chega a grande tela depois de um bom período de promessas.

O livro do qual o filme se utiliza é um primor. Mostra o autor antes do “mito”, antes que o cinismo e desesperança preenchessem boa parte de si, antes do tal do jornalismo gonzo ser batizado (tem mais aqui) e ganhar relevância. Ao mesmo tempo em que é cômico e aventureiro, insere transgressões, incorreções e questionamentos que mais tarde seriam ampliadas e desenvolvidas, porém, acima de tudo versa sobre alguém tentando achar seu lugar no mundo.

O filme, no entanto, não demonstra intensidade em quase nenhum desses lados. Bruce Robinson utiliza o salvo conduto que a palavra “baseado” propõe para fazer um filme superficial e estragar o ótimo time de atores que tem nas mãos. Johnny Deep, fã de carteirinha de Thompson, que já havia protagonizado outra adaptação do autor anteriormente (“Medo e Delírio” em 1998), divide as cenas com bons nomes como Aaron Eckhart e Giovanni Ribisi.

Deep interpreta Paul Kemp, o jornalista que desembarca em um caótico e completamente tendencioso jornal porto-riquenho. Ao lado de desajustados e com fartas doses de álcool inseridas pelo meio, acaba se envolvendo em enrascadas enquanto tenta ganhar algum, e mais importante, tenta sobreviver ao caos em que se meteu (e que parece bem com isso). Nesse caminho precisa lidar com belas mulheres, o descaso pela pobreza e inescrupulosos empresários.

E é utilizando esses dois fatores descritos no final do parágrafo acima, que “Diário de Um Jornalista Bêbado” se encaminha. Se veste mais como um texto de indignação e da briga entre certo e errado, ético e antiético, do que propriamente as roupas de aprendizado que lhe são justas. E no meio da estrada em que percorre sem muita direção aproveita para plastificar risadas, contemporizar o que deveria ser corrosivo e aliviar aquilo que deveria incomodar.

P.S: Das coisas boas do filme está a bonita homenagem a Hunter S. Thompson no final, que quase faz tudo valer a pena.

Nota: 5,5

Textos relacionados:

- Cinema: Documentário “Gonzo:Um Delírio Americano".

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sexta-feira, 20 de abril de 2012

Séries - "Homeland"


Um fuzileiro naval dado como morto em uma missão no Iraque é encontrado oito anos depois enclausurado em um quarto sujo. A euforia dos envolvidos na missão é extrema e representa não somente o resgate de um soldado, como também uma vitória na guerra particular contra o terrorismo que o governo dos Estados Unidos promove tendo a CIA como um dos condutores. Tudo lindo, maravilhoso e perfeito. Menos para a agente Carrie Mathison.

“Homeland” foi exibida nos USA pelo canal Showtime e começou a passar aqui no canal FX aos domingos às 22hs (onde trava batalha com séries como “Guerra dos Tronos” da HBO), chegando referendada por boas críticas e prêmios. Com Claire Daines (“Romeu + Julieta”) no papel da desconfiada agente que protagoniza a trama, apresenta-se mais uma vez o tema da paranóia e cuidados extremos que o governo impôs a população depois do fatídico 11 de setembro de 2001.

Damian Lewis (“Sua Alteza?”) interpreta Nicholas Brody, o militar desaparecido que precisa lidar com o retorno a um mundo bem diferente daquele que deixou. O primeiro desafio encontra-se logo na família. A esposa Jessica (Morena Baccarin da série “V”) e os filhos Dana (Morgan Saylor) e Chris (Jackson Pace) já estão levando a vida sozinhos há um tempo e a inesperada volta faz com que arranjos sejam refeitos e complicadas readequações se iniciem.

Enquanto o Sargento Brody é recebido pelo país (e políticos como o vice-presidente) de braços abertos, a agente Mathison acentua cada vez mais a pulga atrás da orelha. Com a ajuda do chefe e mentor Saul Berenson (Mandy Patikin) tenta ligar os pontos que levam essa volta com uma informação que ouviu quando trabalhava em Bagdá, antes de ultrapassar as barreiras da lei e ser deportada. Aliás, ultrapassar essas barreiras é quase uma constante na sua linha de operação.

“Homeland” é na sua essência um thriller de suspense é investigativo, que tenta livrar os USA de um novo ataque terrorista efetuado pela Al-Qaeda e em alguns momentos segue a conhecida linha de evolução instituída por “24 Horas”. Fora isso (e mais interessante, talvez) é um drama que trata de suportar o peso da vida e das suas ações, enquanto as coisas parecem ruir cada vez mais e um jogo sujo de bastidores e político começa a desempenhar importante papel.

Quase todos os personagens tem um outro lado escondido que precisam lidar se não quiserem sucumbir. Desde a filha adolescente que se droga com os amigos em busca de alivio até os segredos enterrados na alta cúpula do país, passando por traições familiares e doenças perigosas ocultas, fazendo de “Homeland” um prato cheio de hesitação, dúvidas e dubiedade e que na primeira temporada consegue casar bem a ação com os (vários) dramas pessoais embutidos.

P.S: “Homeland” é uma adaptação de uma séria israelense chamada “Hatufim/Prisoners Of War”.

Nota: 7,5


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terça-feira, 17 de abril de 2012

"O Dublê do Diabo" - 2011


Em tese, qualquer cidadão pode optar em convencionar a vida para alguma causa, pensamento ou ideal. Esse direcionamento pode ser religioso, político, esportivo, cultural, social ou qualquer outro caminho que ele assim ache válido. Não é incomum que esse direcionamento sofra forte influência externa, seja da família, do trabalho ou mesmo dos governantes e do momento histórico que se vive. É mais ou menos aqui que podemos enquadrar o iraquiano Latif Yahia.

Em “O Dublê do Diabo”, filme do ano passado que ganhou lançamento nacional direto em DVD recentemente, o tema principal circula sobre a vida deste soldado que jovem foi “convencido” pelo filho mais velho de Saddam Hussein em servir como cópia para situações diversas, diminuindo assim o risco de assassinato nos atentados tão comuns que a família estava sujeita nos vários anos de ditadura e corrupção do poder a que submeteram o povo a quem deviam representar.

Com direção de Lee Tamahori (“007 - Um Novo Dia Para Morrer”) e roteiro de Michael Thomas (“Backbeat - Os 5 Rapazes de Liverpool”), o longa é baseado no livro de Latif Yahia que narra essa triste e sádica jornada. Uday Suddam Hussein o recrutou para servir como sósia e então ele teve que conviver com os desmandos e desvarios pelos quais o primogênito era conhecido. De abuso sexual com adolescentes até tortura de atletas que não tinham bom desempenho. Insanidade total.

No papel do recruta dos jardins do inferno está o bom Dominic Cooper (“Capitão América - O Primeiro Vingador”) e no elenco temos também o resgate de Ludivine Sagnier, que um dia já foi extremamente deslumbrante em “Swimming Pool - À Beira da Piscina” em 2003, mas que agora já não ostenta o brilho de outrora. No meio da transformação de Latif Yahia em Uday Hussein existe toda uma evolução entre medo, aceitação, indignação, desespero e revolta.

Com as prerrogativas descritas acima, “O Dublê do Diabo” tinha potencial para ser um tremendo trabalho, porém esbarra em dois fatores que não ultrapassa. Primeiro, o tom de fantasia em certos casos atribuídos a história de Latif Yahia e segundo a preocupação constante em mostrar os exageros de Uday Hussein. Esses elementos, cortam a capacidade de se alcançar alguma grandeza e mesmo sendo um bom trabalho, não faz jus a história de cassação e extinção de liberdade a que se propõe.

P.S: O filme se passa entre o final dos anos 80 e metade dos 90 e tem a guerra do Golfo como pano de fundo.

Nota: 7,0

Assista ao trailer:

domingo, 15 de abril de 2012

“Ho-ba-la-lá - À procura de João Gilberto” - Marc Fischer


“É amor, o ho-ba-la-lá, ho-ba-la-lá uma canção. Quem ouvir o ho-ba-la-lá, terá feliz o coração...”. Foram esses versos simples e pueris que conquistaram o escritor alemão Marc Fischer ainda em meados dos anos 90. A música a que estes versos pertencem, porém, é muito mais antiga. Ela faz parte do álbum de estreia de João Gilberto em 1959 chamado “Chega de Saudade”, um disco clássico que para muitos marca, como que por decreto, o início da bossa nova.

Marc Fischer se apaixonou por completo pela música de João Gilberto. Uma devoção que hoje parece até não caber mais nos nossos conturbados e corridos dias. “Ho-ba-la-lá”, a canção que introduziu essa espécie de culto, é um caso raro de composição própria do músico, que mesmo transformando toda canção que tocasse em sua, compôs muito pouco. O resultado desse imenso afeto foi um livro que a Companhia das Letras publicou aqui no ano passado com 184 páginas.

“Ho-ba-la-lá - À procura de João Gilberto” é uma mistura de relato pessoal com biografia e ficção. De romance com tentativas rasas de ensaios e literatura policial. E pairando acima de tudo é uma homenagem bonita e idílica para essa personalidade tão genial e tão estranha da música nacional, basta lembrar todo o rebuliço provocado pelo cancelamento dos shows que iriam celebrar os seus 80 anos no final do ano passado, entre tantas outras  situações do tipo.

Em cima dessa aura misteriosa de João Gilberto, repleta de enigmas, fatos extraordinários e um grau de aversão a vida inversamente proporcional ao seu talento, Marc Fischer se veste de detetive nas ruas do Rio de Janeiro com o intuito primordial de encontrar o coração da bossa nova. No meio dessa hercúlea tarefa bate papos e mais papos com figuras como Roberto Menescal, Miúcha, João Donato, Marcos Valle e Miéle, a fim de encorpar sua missão.

O tom às vezes traz o estereótipo da visão estrangeira sobre o Brasil, assim como no meio da obsessão do autor, transforma João Gilberto em algo quase inalcançável artisticamente. Fora isso, é uma obra que transpõe deleite ao leitor não somente pelo assunto abordado e as paisagens da cidade maravilhosa como cenário, mas pela forma bem humorada e simples que Marc Fischer conduz a narrativa, tal qual uma versão bossa nova de Bill Moody nos seus livros policiais de jazz. 

Plenamente indicado.

P.S: Marc Fischer morreu em abril de 2011 e não viu seu livro ser publicado.

Nota: 8,0

Assista um vídeo com a canção Ho-ba-la-lá”:

sexta-feira, 13 de abril de 2012

“God Bless Ozzy Osbourne” - 2011

Foram dois anos na cola de Ozzy Osbourne. Passando pelas residências nos Estados Unidos e Inglaterra e viajando por shows em vários países como Chile, Argentina e Nova Zelândia. O resultado dessa excursão foi “God Bless Ozzy Osbourne”, lançado ano passado lá fora e disponível em DVD e Blu-Ray aqui desde o começo do ano. Dirigido por Mike Fleiss e Mike Piscitelli, com o filho e a esposa do cantor envolvidos na produção, o documentário vai além de uma pedida só para fãs.

Com uma vida amplamente divulgada em diversos meios de comunicação durante a carreira (e utilizando isso como uma inteligente estratégia de marketing), à primeira vista não tem muito o que se esperar sobre um filme desse tipo, além de um tremendo mais do mesmo. E tem disso. Muito. Lá estão histórias conhecidas dentro do universo do rock em geral (e da música como um todo), além de todos aqueles clichês que circulam o tema para o bem e para o mal. No entanto, tem um pouco mais.

“God Bless Ozzy Osbourne” tem pouca música e opta em caminhar mais pela estrada da vida pessoal e suas consequências. É em cima disso que rende os melhores momentos. Abre com um aquecimento antes de um show em Buenos Aires e vai galgando as etapas da vida de Ozzy desde o início da paixão pela música com “She Loves You” dos Beatles, indo pelos tempos de Black Sabbath (onde para fazer parte ter uma PA de som contou mais que habilidade vocal) e disseca os anos da carreira-solo.

Como é comum em projetos desse tipo, os depoimentos servem para atestar a importância do músico dentro de um contexto amplo, como também auxiliam na linha de narrativa traçada. Aqui não é diferente. Além dos companheiros de Sabbath, Tony Iommi, Bill Ward e Terry Geezer Butler, aparecem Henry Rollins, Paul McCartney e John Frusciante, entre outros. Porém, essas incursões não se comparam em nada aquelas feitas pela família, mais particularmente a dos filhos.

Com anos a fio se deteriorando entre drogas e álcool, responsáveis diretos pelas sequelas de raciocíonio e coerência que apresenta hoje, mesmo que em escala bem menor do que em outras épocas como no tempo do seriado na MTV, esses vícios não respingaram na família, e sim deram um banho de ausência e comprometimento, se estendendo aos filhos. Aquilo que sempre pareceu cômico aos olhos externos (e foi avalista na venda de vários produtos) era na verdade, pura degradação.

De momentos raros “God Bless Ozzy Osbourne” traz pouco como uma apresentação parcial no programa Top Of The Pops em 1979, e diverte como na cena em que ele esculacha seus videoclips dos anos 80 ou Tommy Lee do Mötley Crüe narra uma odisséia em um quarto de hotel. Mas, se situa acima disso. É um retrato de um sobrevivente de uma vida extrema que hoje se dá ao despeito de escrever sobre saúde em um jornal inglês ou soltar frases piegas em entrevistas. Só os deuses sabem responder como.

Nota: 7,5

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terça-feira, 10 de abril de 2012

Séries - "Touch"


Tim Kring é um norte-americano nascido em El Dorado County na Califórnia, Estados Unidos. Atualmente com 55 anos fez carreira na televisão e criou séries como “Crossing Jordan” e principalmente como “Heroes”. Nessa segunda, demonstrou habilidade para dirigir uma trama dramática envolvendo pessoas com super poderes. Isso no começo, diga-se. Depois da primeira temporada, a série começou a se perder e praticamente se arrastou até a 4ª e última temporada.

“Touch” é a nova aposta de Tim Kring no segmento. Produzida pela Fox, estreou aqui no Brasil mês passado e passa toda segunda-feira às 22 horas. No comando dessa nova missão está Kiefer Sutherland, que aparece novamente na frente de um projeto depois que “24 Horas” chegou ao fim. O ator interpreta Martin Bohm, um ex-jornalista que perdeu a esposa no atentado de 11 de setembro de 2001 e precisa se virar para cuidar do filho autista, que é arredio e de difícil envolvimento.

O garoto Jake (David Mazouz) carrega consigo uma espécie de dom que lhe transmite muita dor. Consegue através de números visualizar eventos se desenrolarem antes de acontecerem e usa o pai para tentar ser útil e salvaguardar coisas boas antes das ruins. Fazem parte da trama também a bela Gugu Mbatha-Raw de “Larry Crowne - O Amor Está de Volta” como uma assistente social e o velho Danny Glover de guerra, como um sábio guru que entende o que Jake sente.

De acordo como a apresentação da série, “Touch” é um “drama no qual ciência e espiritualidade se juntam” e que são unidas por laços de vidas que “estamos destinados a afetar e alterar”. E basta um ou dois episódios para se perceber a tremenda bobagem e desperdício de grana que isso significa. Com enredo frouxo, sem sentido e nem um pouco cativante, tenta sem sucesso olhar para a conectividade dos dias atuais e passar uma mensagem positiva, mas que é totalmente tola.

São raros os momentos que a série realmente funciona, por mais que chances lhe sejam dadas nos episódios que vão se sobrepondo. Pelo contrário, parece que as coisas só pioram. Usando o pano de fundo dramático da falta de comunicação entre pai e filho, passa por neurociência, numerologia e até mesmo poderes do estado em relação ao cidadão comum, mas se perde completamente na falta de profundidade que visa alcançar, como também na aura “boazinha” que opta em espalhar.

Com tramas fracas e desfechos óbvios, o elenco não deslancha e se prende a meras caricaturas. Kiefer Sutherland usa as mesmas expressões angustiantes e de quem carrega o mundo nas costas que Jack Bauer consagrou. Danny Glover, coitado, está patético. E o protagonista, o garoto que prevê o futuro e cria amarras, não agrada e só aborrece. Com “Touch”, parece que Tim Kring não vai ter tempo de piorar nada, pois isso parece impossível de ser alcançado. Que seja um mérito.

Nota: 2,5


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sábado, 7 de abril de 2012

"Jovens Adultos" - 2012


Mavis Gary (Charlize Theron de “Monster”) conseguiu uma vida confortável aos 37 anos, bem superior a que a maioria dos habitantes da sua cidade natal em Mercury no estado de Minnesota poderia almejar. Tem um bom apartamento em uma metrópole, é escritora e trabalha com uma famosa série de livros. Tudo parece mais ou menos como sucesso, que se não pode ser considerado algo espetacular, é no mínimo uma baita realização. Porém, a sua casa tem alicerces bem frágeis e quebradiços.

Em cima da personagem que a bela Charlize Theron interpreta com muita habilidade é que o diretor canadense Jason Reitman edifica o seu novo trabalho. Nele retoma a parceria com a roteirista Diablo Cody apresentada em “Juno” de 2007 e dá mais um passo em direção a uma carreira cinematográfica permeada com relevância e excelência. “Jovens Adultos”, que estreia agora nacionalmente é mais um ótimo exemplo desse potencial do diretor e carrega o espectador em um interessante jogo.

A protagonista de “Jovens Adultos” não tem realmente a vida perfeita que imagina. Enquanto o filme passa na tela, percebe-se que apesar de ainda manter a beleza intacta (porém, ajudada por truques diversos), não tem muito mais com o que se orgulhar essencialmente. Está divorciada, suas relações são instantâneas e superficiais e na série de livros que escreve é como se fosse uma ghost writer, apesar de citada como colaboradora internamente. E até essa série já está em declínio.

Quando chega um e-mail a convidando para ir ao batizado da filha do ex-namorado na cidade natal, aquilo acaba mexendo muito com ela e rende uma cena memorável em uma conversa ridícula e falsa com uma amiga. Ela se manda novamente para Mercury depois de tantos anos em busca de reatar o namoro (com um cara casado e com uma filha) e dessa maneira, na sua infeliz concepção, recolocar a felicidade de novo no caminho. Mais que uma busca, esse desejo tem um esboço de afirmação.

O diretor Jason Reitman já havia explorado a solidão disfarçada com empregos e relações ligeiras no ótimo “Amor Sem Escalas” de 2010, como também a questão da maturidade no já citado “Juno”. Aqui, ele retorna a esses temas mais inverte o prisma do crescimento, pois já não é uma jovem que precisa amadurecer e lidar com um mundo de responsabilidades e sim o contrário, uma adulta que não consegue estabelecer relações e se mistura cada vez mais com os livros que escreve para adolescentes.

Na procura em reatar o antigo romance com Buddy Slade (Patrick Wilson de “Watchmen”), Mavis Gary esbarra em Matt Freehauf (o competente Patton Oswald), um gordinho que tem problemas de locomoção por conta de uma agressão sofrida de modo irracional ainda no colégio e detentor de uma antiga devoção por ela. Não obstante é com esse cara que remonta bonecos de brinquedo e faz bebida no porão, que ela consegue ter alguns momentos de alívio na sua fantasiosa cruzada.

“Jovens Adultos” é acompanhado por uma trilha sonora para lá de eficiente (que ostenta Lemonheads e Replacementes pelo meio) e transforma “The Concept” do Teenage Fanclub em coadjuvante, o que rende ótimos momentos. Jason Reitman entra de cabeça no universo da sua própria geração para questionar ambição e crescimento, fazendo isso de maneira criativa e cômica dentro da carga de drama que está automaticamente inerente. E assim sem contos de fadas ou redenções, faz mais um belo filme.

Nota: 8,5

Textos relacionados:


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quinta-feira, 5 de abril de 2012

"O Paraíso de Zahra" - Amir & Khalil


Em 12 de junho de 2009 a República Islâmica do Irã saia às ruas com o intuito de decidir o novo presidente do país. Quatro candidatos participaram do pleito e no dia seguinte foi decretado a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, ex-prefeito de Teerã que ocupa a presidência desde 2005. O resultado foi amplamente contestado por fraude, o que levou a uma recontagem que ratificou o veredicto inicial. O povo insatisfeito saiu novamente às ruas, agora não mais para votar, e sim para protestar.

O resultado de tal demonstração democrática foi a repressão sangrenta feita pelo governo, que através dos Basiji (uma truculenta milícia paramilitar de uso do poder) realizou espancamentos, prisões e mortes. Uma dessas mortes foi a de Neda Agha Soltan alvejada por tiros e que através de uma exposição inicial no site do escritor brasileiro Paulo Coelho (que viu seu agente no país no vídeo), ganhou o mundo todo e promoveu um clamor (ainda que sem sucesso) pela justiça a ser feita.

“O Paraíso de Zahra” é uma graphic novel que ficcionalmente se desenvolve após essa conturbada eleição. Com 272 páginas foi publicada aqui no final de 2011 pela Editora Leya em conjunto com a Barba Negra. Escrita por Amir, um ativista dos direitos humanos, jornalista e cineasta com foco em documentários e desenhada por Khalil, um artista que se apresenta pela primeira vez em um projeto desse tipo, inicialmente foi concebida como uma série online antes de assumir forma física.

Os autores Amir & Khalil não expõem os verdadeiros nomes com medo da represália dos mandatários de um país que de acordo com a Anistia Internacional foi o segundo com maior número de execuções em 2010, ficando atrás só da benevolente China. Os próprios a definem como ficção, pois não se julgam “aptos a documentar os fatos sobre as eleições presidenciais iranianas”, porém não podem “fingir que não há ligação entre a ficção e a realidade” e que tiveram “milhares de colaboradores, alguns vivos, outros mortos”.

Dedicada “aos desaparecidos, aos ausentes e aos que caíram”, o livro tem como trama principal o sumiço de um jovem chamado Mehdi, que depois dos protestos feitos na praça da liberdade contra as trapaças nas urnas, simplesmente desapareceu. A mãe (chamada Zahra) e o irmão mais velho tentam em vão encontrar vestígios do rapaz. Perambulando em prisões, necrotérios e hospitais, os dois angariam alguma ajuda, mas nada que solucione a questão que vem corrompendo suas almas pouco a pouco.

Esse irmão mais velho desabafa sobre suas desilusões e frustrações sobre o caso em um blog chamado “O Paraíso de Zahra”, que é o nome do principal cemitério de Teerã e que homenageia a filha única do profeta Maomé (fundador do Islamismo), um símbolo de pureza, dignidade e generosidade para os religiosos. Essa é uma das várias analogias que o texto de modo brilhante frequentemente utiliza e vai correlacionando o passado da nação com fatos recentes e todo um cotidiano contemporâneo.

A arte de “O Paraíso de Zahra” é um espetáculo à parte. Em preto e branco, Khalil transmite toda a tensão dos momentos brutais, assim como viaja em comparações e alegorias que representam bem o que o texto ambiciona repassar ao leitor. Mesmo repleto de tristeza e inconformismo, a narração feita pelo irmão de Mehdi traz alguns toques de humor, tanto ocasionais, como ácidos em relação ao modus operandi de um governo que suprime não só a liberdade, como também as qualidades do povo iraniano.

“O Paraíso de Zahra” traz um projeto gráfico zeloso e preocupado com uma informação mais ampla e na busca por Mehdi, insere o leitor em um país que para muitos não consegue mais ser uma República e muito menos ser Islâmica. Uma tirania disfarçada que faz com que um povo sofra dissabores mil e veja seus direitos arremessados na sarjeta a cada dia. Um trabalho corajoso e agudo que serve para despertar os olhos do mundo e para homenagear todos aqueles que sucumbiram aos desmandos da insanidade.

Nota: 9,0

No site da Editora Barba Negra tem partes para visualização. É só ir aqui.

Assista ao documentário (em inglês) “For Neda” feita pela HBO sobre a morte de Neda Agha Soltan:

terça-feira, 3 de abril de 2012

“Between The Times And The Tides” - Lee Ranaldo - 2012


No final do ano passado o casal Thurston Moore e Kim Gordon anunciou o fim de um casamento de longos 27 anos, tempo em que além de dividir a casa e a cama, dividiam ainda vocais e instrumentos dentro do Sonic Youth, uma das bandas mais importantes do rock norte-americano dos últimos 30 anos. A banda, em consequência disso ou não, também anunciou uma parada, que conforme uma declaração aqui e outra acolá pode representar o encerramento das atividades.

Pouco antes desses eventos, o guitarrista e vocalista Thurston Moore se aventurava pelo terceiro disco individual chamado “Demolished Thoughts” e colhia bons resultados. Com produção de Beck, o trabalho foi predominantemente acústico e intimista e mostrou canções fortes como “Benediction” e “Orchad Street”. Em março desse ano é a vez do outro guitarrista da banda partir para uma empreitada solo, já anunciada há alguns meses e que chega pelo selo Matador Records.

Lee Ranaldo sempre ficou (de modo compreensível, até) meio que na sombra do casal Moore e Gordon, mesmo sendo responsável por canções como “Eric’s Trip” e “Hey Joni” do “Daydream Nation” de 1987 e “Wish Fulfillment" do “Dirty” de 1992, ambos clássicos na discografia do grupo. Devido ao momento atual, “Between The Times And The Tides” se apresenta como a chance ideal para mostrar algumas canções próprias e brilhar um pouco mais, chance que ele não desperdiça.

O álbum começou a ser imaginado em 2010, quando o músico foi convidado para realizar um show acústico na França. Depois foi lapidado devagarzinho até chegar às mãos do produtor John Agnello (Sonic Youth, The Hold Steady e Dinosaur Jr.), que fez um excelente trabalho com as 10 canções executadas por amigos como Nels Cline (Wilco), John Medeski (Medeski, Martin & Wood), Alan Licht (Run On), Irwin Menken e o velho companheiro de banda Steve Shelley.

O resultado é um trabalho que viaja por rumos às vezes distintos, mas que mantêm a unidade e o conjunto. Ao contrário do que Thurston Moore fez no ano passado, Lee Ranaldo opta por explorar as guitarras e as encharca com influências que vão desde os anos 60, passam pelo power pop e pela lisergia e desembarcam em reflexos das amadas distorções do seu grupo. Com um vocal mais límpido e não tanto encoberto por microfonias, satisfaz mesmo sem ser soberbo.

Faixas como “Off The Wall” e “Angles” expõem um apelo pop, enquanto “Fire Island (Phases)”, “Lost” e “Tomorrow Never Comes” embaralham melodia com barulho. Já “Shouts” caminha por um calmo pós-rock, à medida que “Hammer Blows” e “Stranded” são as únicas realmente acústicas. Falando sobre coisas básicas como a vida e o amor, Lee Ranaldo fabrica um belo disco, que igual a um navio seguro e robusto serve para superar as incertezas do tempo e das marés que o rodeiam.

Nota: 9,0

Assista ao clipe de “Angles”: