sábado, 31 de dezembro de 2016

E que venha 2017!



Salve, salve minha gente amiga,

O ano que hoje termina não foi nada fácil. Passamos por um período extremamente delicado no campo político com um golpe disfarçado passando por um congresso repleto de interesses próprios (mais do que de costume) e eleições municipais que acenderam de vez a chama da intolerância não somente mais nas redes sociais como no nosso dia a dia. Parece que tudo que foi conquistado no campo da redução da desigualdade, dos direitos iguais, do racismo e da tolerância de qualquer tipo foi jogado no lixo em questão de meses. É um sentimento ruim que se crava lá no peito e parece não querer mais sair.

Para piorar tudo foi um ano que muitos mitos deixaram este mundo. Lógico, que todos um dia vão morrer, mas 2016 podia ter aliviado um pouco a dose. Esse ano partiram seres do porte de David Bowie, Prince, Leonard Cohen, Naná Vasconcelos, Umberto Eco, Alan Rickman, Ettore Scola, Gene Wilder e Carrie Fisher, entre outros. Nosso mundo fica mais pobre culturalmente, isso é mais que certo.

Contudo, vida que segue.

Continuei atualizando o blog do jeito que deu, da maneira que o trabalho permite, mas até que foi mantido uma constante nesse espaço que fez 11 anos em 2016 e tivemos um novo crescimento de visitas. Muito obrigado a todos que por aqui passaram e se somente uma pessoa leu um texto aqui e foi atrás da obra, já valeu a pena ter escrito. Quadrinhos e literatura continuaram sendo o foco por aqui durante 2016, mas sem esquecer das séries e do cinema, assim como da música que não sobrevivo sem.

Que 2017 seja mais leve, porém sabemos que dificilmente será. Os comentários e atos reacionários estão se alastrando como uma peste seja na sua rede social preferida, na mesa do bar ou na próxima esquina. Mas, a esperança ainda existe, mesmo que pequena, e nesse momento é por ela que devemos brigar. Sempre tentando fazer o melhor e transformando o mundo do jeito que podemos em um lugar de mais amor, tolerância, compaixão, diversidade, criatividade e generosidade. E que a cultura sempre sirva para aplacar as dores, criticar tudo que não presta e iluminar o globo com obras em todos os setores como foram as do ano que se encerra.

No mais, não dá para fugir. 2017 está aí e cabe a cada um de nós fazer daqui um lugar melhor. Vamos em frente. Um grande ano a todos.

Paz Sempre.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Quadrinhos: "The Last Of Us: Sonhos Americanos" e "O Soldador Subaquático"


“The Last Of Us” é um jogo de ação e sobrevivência desenvolvido pela Naughty Dog (de “Uncharted”). Com o sucesso na esfera dos games é comum que se invada outras mídias como os quadrinhos. Isso acontece em “The Last Of Us: Sonhos Americanos” que reúne as quatro edições publicadas originalmente pela Dark Horse em uma única revista, lançada aqui pela NewPOP Editora com 104 páginas. A casa mais acostumada com a publicação de mangás se aventura por outro estilo com bom cuidado editorial nessa trama desenvolvida em parceria pelo diretor criativo do jogo Neil Druckmann com Faith Erin Hicks, que também assume a arte do volume e conta com Rachelle Rosenberg nas cores. Optou-se por contar uma história de origem nessa hq, então ela ocorre antes dos eventos vividos no game (19 anos antes para ser mais exato), com foco na personagem Ellie, que ainda adolescente aqui convive com o início do surto que mata uma quantia considerável da população global. Ellie acaba de chegar a uma escola militar que representa um dos poucos lugares seguros das redondezas. Lá conhece outra garota chamada Riley e além de conquistar uma suada amizade com ela, passa a enxergar as coisas de modo um pouco mais ampliado. Isso somado a sua inconsequência juvenil, sua inquietação constante e a dificuldade de aceitar ordens prove bons momentos de ação na revista. A arte de Faith Erin Hicks incomoda um pouco na entrada mas depois serve bem aos propósitos de uma obra voltada ao público jovem. E aí reside o principal problema de “The Last Of Us: Sonhos Americanos”, que é funcionar somente para o público a que se destina. No mais, consegue agradar como expansão do universo do jogo, deixando os fãs felizes, o que deve ser a missão principal de franquias que se expõem para outras mídias.

Nota: 6,0


Jeff Lemire é um nome que dentro dos quadrinhos quase sempre é sinônimo de boa qualidade. Principalmente nas suas obras autorais, já que o trabalho dele na Marvel e na DC Comics tem alternado bons momentos e outros apenas razoáveis. Esse canadense que logo de estreia produziu “Essex County” (ainda inédita no Brasil infelizmente) engatou na sequencia a ótima “Sweet Tooth” (publicada totalmente aqui pela Panini). Em 2016 temos a oportunidade de ver mais uma criação dele chamada “O Soldador Subaquático” (The Underwater Welder, no original), que chega aqui no Brasil pela editora Mino com 224 páginas. Em preto e branco o autor conta a história de Jack que mora em uma região remota do Canadá onde exerce a profissão que dá nome a graphic novel em plataformas petrolíferas. Em um dos mergulhos ele tem de ser resgatado pelos companheiros que o salvam da morte e o encaminham para casa para ficar ao lado da mulher que está grávida de 9 meses. Só que Jack não consegue ficar quieto e parece ausente, distraído e preocupado com questões que nem mesmo sabe ao certo quais são. Apesar de não entender bem o que está acontecendo parte novamente para o mar deixando uma esposa furiosa para trás e nesse momento tem uma aventura pessoal intrigante e complexa. Jeff Lemire cria em “O Soldador Subaquático” uma história sobre paternidade, casamento, dor e culpa. Uma história sobre o amor de um filho para o pai, ao mesmo tempo em que descobre que existem imperfeições nessa figura e busca não cometer os mesmos erros. Um assunto delicado, mas tocado com extrema sutileza pelo autor com o traço meio caricato que já nos habituamos, olhares expressivos e precisos enquadramentos, adicionando assim mais um belo trabalho a carreira.

Nota: 8,0


sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Cinema: "A Chegada" (2016)


Extraterrestres chegam ao nosso mundo. Espalham-se com várias naves ao longo do globo e deixam a população alarmada e os governos mais ainda. O clima de tensão e pavor está no ar, mas também certa ideia de se aproveitar da tecnologia dos aliens para benefícios próprios. Militares de vários países ficam a postos para se defender do provável inimigo, enquanto algumas pessoas conseguem ir mais além e se colocam no papel de salvadores de toda a humanidade.

Em filmes com esse tipo de enredo é normal se deparar com um improvável herói que surge para dar fim na invasão e deixar novamente o planeta em paz. Diversas vezes esse herói dá a volta por cima quando menos se espera ou faz um sacrifício danado mostrando uma nobreza suprema, além daquilo que a maioria seria capaz. Geralmente essas invasões são recheadas por explosões, naves voando para lá e para cá e tiros sendo dados de todos os lados.

Esse não é bem o ponto de “A Chegada” (Arrival, no original), novo filme do diretor Denis Villeneuve (de “Incêndios” e “Sicario”). O longa de 116 minutos que estreou nesse final de ano aqui no Brasil tem várias das situações citadas acima, todavia consegue trilhar um caminho totalmente diferente na execução, graças a condução afiada de um diretor em plena ascensão, o roteiro repleto de acertos e a edição perfeita de Joe Walker (de “12 Anos de Escravidão”).

O livro é baseado em um conto do americano Ted Chiang (Story Of Your Life, o nome), publicado aqui no país este ano junto com outros do autor no ótimo “História da Sua Vida e Outros Contos” da editora Intrínseca. O conto original que já era bom conseguiu ser repaginado de maneira exuberante por Eric Heisserer, roteirista até então de filmes ruins como “Premonição 5” e “Quando as Luzes Se Apagam”. Assim, temos uma coisa difícil de ver que é o filme ser melhor do que o texto que lhe serviu de base.

Na trama meio que já contada no primeiro parágrafo, aliens estão na terra. Mas não se mexem. Não se comunicam. Então, ninguém sabe quais as motivações. O exército americano representado pelo Coronel Weber (Forest Whitaker, na única atuação mediana do filme) monta uma equipe de especialistas de várias áreas para interagir com os visitantes. Nesse ponto que entram a professora e linguista Louise Banks (Amy Adams, deslumbrante) e o físico Ian Donnelly (Jeremy Renner), que trabalham em conjunto com a CIA e os militares.

Ao mesmo tempo em que esse time trabalha para entender o que está acontecendo, outras equipes são montadas pelo mundo, como na China e Rússia. Um painel de comunicação e de pretensa cooperação é montado e com desconfiança e temor isso vai ocorrendo. Em paralelo, vemos na tela um pouco da história pessoal de Louise Banks e isso vai se relacionando devagarinho com os fatos principais, em um controle absurdo de Villeneuve no comando das cenas.

“A Chegada” é ficção científica das boas, digna de figurar entre as melhores do gênero nesse século. Com atuações exuberantes em sua maioria e um ritmo que vai conduzindo o espectador a um ápice até as revelações finais, versa em segundo plano sobre a necessidade de cooperação, a urgência da humanidade em andar de mãos dadas, o poder da linguagem e da escrita em tempos tão fúteis em relação a isso, e, principalmente, no peso das nossas escolhas, em saber desfrutar as alegrias e aguentar as dores nessa vida tão passageira.

Nota: 9,0

Assista a um trailer legendado:

domingo, 18 de dezembro de 2016

Quadrinhos: "Espiga" e “American Flagg! – Vol. 1”


Histórias em quadrinhos com tons de autobiografia já renderam obras magníficas no decorrer dos anos, exemplos não faltam disso. Mesmo que tenha virado uma espécie de “febre” e por conta da quantidade apareçam coisas com nível bem baixo, vez ou outra nos surpreendemos com álbuns interessantes nesse quesito como é o caso de “Espiga” do brazuca Felipe Portugal. O autor que tem várias tiras publicadas na página do Facebook chamada “Quadrinhos Insones” (do Diego Sanchez), se aventura em uma história mais longa, usando fatos da própria vida como material. “Espiga” teve lançamento no final de 2015, conta com 64 páginas e foi feito de maneira independente. Mostra o autor tendo que lidar com questões rotineiras da vida enquanto tenta assimilar o fim de um namoro e voltar a ser produtivo no trabalho. No meio disso surge uma “visita” inesperada que passa a habitar o mesmo espaço físico e serve para redirecionar algumas questões, como também dar uma revigorada no ar. O protagonista está naquele momento da vida que falta ambição, vontade, coragem, falta tudo. Em menor ou maior proporção todos já passamos por algo assim em determinado momento da vida, aquela falta de querer que assume e fica difícil ir em frente já que você acaba não vendo sentido em coisa nenhuma. Com uma paleta de cores e formato dos quadros que remete diretamente a excelente “Asterios Polyp” de David Mazzucchelli (lançada aqui no Brasil em 2011), Felipe Portugal esquiva-se dos habituais lugares comuns e cria uma obra divertida, mas que também discute a solidão da vida urbana e o peso do mundo sobre as costas.

Nota: 7,0


Tem artistas que são inconfundíveis, basta ver um desenho que já se sabe quem é o responsável por aquele traço. Howard Chaykin é um desses. O norte-americano nascido em Newark tem anos e mais anos de labuta e bons serviços prestados aos quadrinhos. No final de 2015 a Mythos decidiu publicar o início de um dos seus maiores trabalhos novamente por aqui. “American Flagg! – Vol. 1” tem capa dura, aparato requintado e 392 páginas. Reúne as 12 primeiras edições originais da série lançadas entre os anos de 1983 e 1984, além de uma nova história escrita em 2008 para o lançamento dessa coletânea nos EUA. A edição nacional aparece devidamente restaurada e conta com uma bela introdução do escritor vencedor do prêmio Pulitzer, Michael Chabon. O personagem principal é Reuben Flagg, um ator nascido na colônia americana do planeta Marte, que volta para ser um Ranger, membro da força mantenedora da paz comandada por governos e empresas. Ao chegar à Terra, ele se depara com um planeta onde os céus estão cobertos de fuligem e as planícies frutíferas estão apodrecidas. Além disso, o espírito de solidariedade, honra e honestidade que tanto ouvira falar está castrado da população em geral, com grandes empresas usando o povo como bem entende e a mídia se divertindo em jogos diários de manipulação. Nessa distopia iniciada no ano de 2030, Howard Chaykin promove ficção científica exemplar (com um pé no cyberpunk) e convida o leitor para entrar em um mundo vil, sem escrúpulos, onde até mocinhos cometem graves erros e tem decisões não muito distintas. “American Flagg! – Vol. 1” é daquelas obras que valem completamente o investimento, apresentando um dos ases da nona arte em um voo brilhante, sagaz, ácido e crítico. 

Nota: 9,0


domingo, 11 de dezembro de 2016

Comic Con Experience - São Paulo Expo (SP) - 01 a 04 de Dezembro de 2016


Em outubro conversando com um amigo meu em São Paulo comentei que voltaria para a Comic Con Experience no final do ano com o meu sobrinho. Ele logo na sequência falou: “Sério? Boa sorte, vais precisar”. Como ele já tinha ido, fiquei naquela de: “bom, já que está tudo pago e comprado, tomara que eu tenha essa sorte então”. Sorte, que na verdade acredito que nem precisei tanto assim, acho eu.

E conto as razões mais abaixo.

A edição 2016 da CCXP aconteceu de 1 a 4 de dezembro na São Paulo Expo, um local bem grande na Rodovia dos Imigrantes a mais ou menos uns 40 minutos da região da Avenida Paulista. Com o metrô como opção e uma boa quantidade de táxis disponíveis (tanto para ir quanto para voltar), o acesso não foi dos mais complicados, já passei perrengues muito piores indo para shows e festivais de música na capital paulista. Pelo contrário, estava até tranquilo chegar ao local apesar da distância e da grande quantidade de pessoas que passaram por lá (mais de 196 mil de acordo com os dados dos realizadores). E tudo pareceu bem seguro.

Não fui no dia de abertura, somente a partir de sexta, chegando por volta de umas 16:00hs. Como já tinha adquirido os ingressos/credenciais para o evento, o acesso foi calmo, apesar do longo caminho da chegada até a entrada propriamente dita. Nada demais. Na sexta havia um bom público, mas nada comparado ao mar de gente que encontrei no sábado e domingo, onde comecei a entender um pouco mais o “boa sorte” lá de outubro. Contudo, mesmo com bastante gente, o espaço ainda era trafegável, com mínimos esbarrões e apertos. Por ser um evento diário de 10 horas de duração, o movimento é cíclico, muitos vão embora enquanto outros chegam e isso ajuda bem.

Primeira tática adotada por mim e meu parceiro de jornada geek foi a de não perder tempo em filas enormes, a fim de explorar a maior quantidade possível de estandes e conversar com diversas pessoas e artistas no decorrer disso. Então, nada de encarar filas de várias horas para ver painéis disputados e sim focar naqueles com menor apelo para o grande público, que também são interessantes. E essa foi uma tática mais que acertada. Claro que como fã do Frank Miller e de Star Wars, por exemplo, queria estar nas apresentações, mas isso exigiria uma dedicação e um sacrifício de tempo que não entendo como necessário, mesmo respeitando fãs mais ardorosos que se empenham dessa maneira.

Essa decisão fez com que a Comic Con fosse extremamente válida e prazerosa. Estandes e mesas de artistas que estavam cheias em um dia ou um determinado horário, no outro estavam menores e dava para encarar. Essa alternância e quantidade de opções fez com que às 5 horas diárias passadas no evento (mais do que isso é complicado devido ao cansaço) fossem proveitosas e divertidas. Por exemplo: Na sexta não dava nem para entrar para ver as fantásticas armaduras dos Cavaleiros dos Zodíacos, mas no sábado entramos tranquilamente perto da hora do almoço. Almoço que nos leva a outra questão a ser avaliada: a alimentação.

Eram várias as opções de alimentação no decorrer do espaço. Espalhavam-se por toda a estrutura e tinham espaços próprios vinculados somente para isso. Tinha filas? Claro que tinha. É impossível ir para um evento desse porte e não se deparar com filas para alimentação, acredito eu. Contudo, eram filas “administráveis”. O máximo que passei em uma foi uns 20 minutos. Quem já foi para festival sabe que isso é razoável. Lógico, que o ideal era não ter fila alguma, mas não dá para sonhar com isso. Quanto aos preços, bom, esses estavam salgados para caramba, todavia nada muito diferente do que é praticado nesse tipo de evento.

Como estamos falando em preço aí vai uma crítica para os estandes. Entendo que todo mundo está ali para ter lucro e a coisa tem que ser viável e tal, mas podia se ter descontos maiores principalmente nas lojas maiores. Dava para encontrar coisa mais em conta, mas em vários casos o preço praticado era o mesmo da loja física ou virtual, com uma redução quase insignificante. Lógico e evidente que isso se relaciona com aquilo que vi e presenciei. Já na área do “Artist’s Alley”, onde passaram mais 450 artistas e editoras de quadrinhos, as coisas estavam um pouco melhores nesse quesito e dava para sair com a mochila repleta de obras adquiridas direto com os autores.

Dentro da pluralidade que é a CCXP, o “Artist’s Alley” foi minha área preferida. Lá estavam desde autores consagrados como Alan Davis, Simon Bisley, Peter Kuper, Eduardo Risso e Bill Sienkiewicz a feras nacionais como Gustavo Duarte, Fábio Moon, Gabriel Bá, Cris Peter, Roger Cruz e Vitor Cafaggi, entre tantos outros. Além disso, foi um prazer chegar com autores novos e menos conhecidos e conversar sobre seu trabalho e processo criativo, mesmo que rapidamente. Certeza de que os quadrinhos nacionais passam por um ótimo momento e estão em processo contínuo de crescimento não só quantitativo, mas primordialmente qualitativo.

E essa pluralidade que é a grande sacada e atrativo da CCXP. E por isso ela vale a pena. Agrega diversos universos em um único espaço. Lá estão quadrinhos de todas as espécies, literatura jovem, televisão e séries, cinema, games, animes, enxertado com questões profissionais de cada área em painéis e estandes como o do Senac, além de uma vasta gama de produtos relacionados a disposição.

Fui, me diverti vendo os cosplayers, vibrei pela primeira vez em uma partida de League of Legends (mesmo sem saber até agora os motivos certos), conversei com algumas pessoas que admiro o trabalho, conheci coisas novas, revi amigos, voltei a juventude na parte dos animes e relacionados em um ambiente totalmente alegre e com alto astral. Ao sair de lá no domingo, ficaram duas certezas: a primeira de que o mundo geek nunca esteve tão em alta e a segunda de que em 2017 eu volto, aliás, voltamos, meu sobrinho não vai deixar encarar essa sozinho de jeito nenhum.

Site oficial do evento: http://www.ccxp.com.br 


quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Literatura: "Neuromancer" e "Deuses Americanos"


Ao chegar às livrarias em 1983, “Neuromancer” desembarcava em outro mundo, bem outro. Se a tecnologia atual não alcançou tudo que fora previsto em obras de ficção científica nesses mais de 30 anos, a intensidade que essa tecnologia exerce hoje em cima da sociedade e as facilidades que dispões são poderosas. William Gibson é uma espécie de pai do que se chamou de cyberpunk e o ápice maior disso é “Neuromancer”, livro inicial da chamada Trilogia de Sprawl que ainda tem “Count Zero” e “Mona Lisa Overdrive”. A obra que (merecidamente) ganhou fama e hoje é respeitada e citada como influência nas mais diversas mídias é uma aventura de ficção científica que explora temas como pós-humanidade, poder demasiado de corporações empresariais, fusão entre orgânico e sintético, bestificação do consumo, tecnologia como arma e imersão virtual. Pode-se dizer que sem ela, obras como “Matrix” dos irmãos Wachowski jamais teria existido. Para quem se depara com a história somente agora, ainda assim, o impacto é grande. Tanto pela linguagem criada, quanto pela interligação com coisas exploradas somente anos depois, “Neuromancer” é um livro feroz, que não deixa o leitor baixar a guarda por nenhum momento que seja e o faz entrar em uma espiral caótica de real e artificial que parece não ter fim. A editora Aleph publica esse ano uma nova edição do livro, com tratamento cuidadoso em 320 páginas e tradução de Fábio Fernandes. Aliás, traduzir algo como essa obra é um trabalho extremamente complexo para que se faça funcionar, o que aqui se consegue. O protagonista é Case, um jovem cowboy hacker doidão que vive em uma cidade tão louca quanto ele. Ao ser convidado (ou intimado) a fazer parte de uma missão que só se revela gradualmente acaba entrando em algo infinitamente maior do que imaginava e essa jornada não será nada fácil. Ainda que hoje algumas coisas pareçam datadas, a viagem concebida por William Gibson ainda merece e muito ser desfrutada. Embarque nela.

Nota: 8,0

Site oficial do autor: http://www.williamgibsonbooks.com 


Quando Neil Gaiman imaginou “Deuses Americanos” não sabia muito bem o que estava fazendo. Tinha o esboço da ideia geral na mente, contudo possuía várias ressalvas de como abordar uma história que tivesse tanto vínculo com os EUA e que usa o país como matéria-prima, sendo ele um inglês de Hampshire. Mas não é a toa que o escritor é um dos grandes da sua geração e a trama foi tomando forma e chegou muito além do que ele mesmo esperava. Quando da publicação original em 2001, “American Gods” teve muitas passagens cortadas pelos editores, mas depois de alguns anos uma “edição preferida do autor” chegou às lojas. É essa edição que a Intrínseca (que vem fazendo um trabalho de destaque nas obras do escritor) publica agora no Brasil com 576 páginas, tradução de Leonardo Alves e vários textos extras anexados. Em “Deuses Americanos” conhecemos Shadow, um presidiário que está prestes a ganhar liberdade e voltar para os braços da esposa amada, depois de uma decisão ruim ter atravessado o caminho. Quando está próximo a obter essa conquista, uma reviravolta tremenda ocorre e após isso o misterioso Wednesday aparece para mudar sua vida como ele nunca passou nem perto de imaginar. Essa nova edição da Intrínseca tem 128 páginas a mais que aquela lançada pela Conrad em 2011 e isso faz com a trama seja mais profunda, dando espaço para que Gaiman explore ainda mais as situações que apresenta. No livro, versa sobre a formação da maior potência do mundo e sua relação com aqueles responsáveis por isso que para lá migraram levando as crenças e deuses escondidos na sacola. Mesmo depois de 15 anos do lançamento a obra continua intensa, desnudando divindades, inserindo novas e transformando humanos enquanto mescla realidade e fantasia ao conversar sobre crenças, alma, ambição, desejo e traição.

Nota: 9,0

Leia um trecho no site da editora, aqui.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Quadrinhos: "Drop Dead" e "A Gigantesca Barba do Mal"


Perder alguém da família passa longe de ser uma coisa fácil de assimilar. Perder um pai ou uma mãe então é dureza demais. É isso que acontece com William, protagonista de “Drop Dead”, novo projeto em quadrinhos do paulista Aluísio C. Santos (Rockstar, Grim Leaper), uma das quatro cabeças criadoras do selo Quad Comics junto com Diego Sanches, Eduardo Ferigato e Eduardo Schaal. O álbum que tem 82 páginas foi aprovado pelo Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo (ProAC) ano passado e chega às bancas e revistas especializadas do ramo agora em 2016. Enquanto busca entender o acontecido, o jovem William alivia a pressão escutando música e andando de skate pela cidade, uma das suas paixões. Porém, do nada, ele começa a enxergar pessoas falecidas na sua frente e interagindo com ele. Enquanto se esforça para não pirar tem que lidar com a mãe nessa nova dinâmica de vida familiar e correr atrás de explicações. “Drop Dead” insere uma temática mais distante dos trabalhos publicados pela Quad Comics, mesmo que flerte diretamente com o sobrenatural. Tem bom uso de cores e arte harmonizada com a história que se pretende contar, mas não deslumbra e fica apenas no correto, assim como o roteiro que caminha sem chegar a lugar nenhum, o que acaba por ser o grande problema da obra. Da interessante concepção de apresentar um jovem abatido por uma perda de tamanho imensurável e, além disso, ter que descobrir como se posicionar perante relações delicadas e fora do comum, temos uma história que não prende o leitor plenamente. Aluísio C. Santos insere boas situações, sendo uma delas a playlist no Spotify que serve como trilha sonora e tem canções do Offspring, Nirvana, Suicidal Tendencies e Faith No More, mas fica apenas nisso, em um tratado de boas ideias, que infelizmente não atinge um resultado melhor.

Nota: 5,0

Site da Quad Comics: http://www.quadcomics.com.br 



O sentimento de rechaçar tudo aquilo que não se entende, tudo aquilo que não faz parte do que se exibe como “normal” acompanha a humanidade desde o início dos tempos. Nos últimos anos vemos toda essa intolerância e discriminação chegando a patamares elevados e se alastrando como uma peste pelo mundo. Esse é o principal foco de “A Gigantesca Barba do Mal” (The Gigantic Beard That Was Evil, no original), graphic novel de 2013 que há pouco ganhou publicação nacional pela editora Nemo, com 240 páginas e tradução de Eduardo Soares. Primeiro trabalho extenso do ilustrador e cartunista britânico Stephen Collins, o álbum é uma fábula moderna que usa a sátira e o humor como combustível para nos contar uma história cada vez mais atual. Dave é o personagem principal, habitante de uma ilha chamada Aqui onde tudo anda extremamente igual todo dia. Tudo é organizado, limpo e rotineiro. Mesmo sem entender o seu trabalho (e os demais também não) segue satisfeito por apresentar resultados em reuniões monótonas, ter um lar e poder desenhar a rua da sua casa enquanto escuta “Eternal Flame” das Bangles. Tudo fora de Aqui é conhecido pelos moradores como Lá, e esse Lá enche de medo a todos, o medo do desconhecido, do diferente, e a rejeição que brota disso. Esse receio todo se agrava ainda mais quando a barba de Dave não para de crescer e transtorna a todos. Vizinhos, governo, imprensa, todos começam a lhe tratar diferente, como um pária, um mal a ser erradicado. Ele mesmo se desespera, porque a barba cresce do nada, sem que ele queira ou tenha controle sobre isso. Em preto e branco e com foco nos enquadramentos, Stephen Collins é responsável por um dos trabalhos mais interessantes publicados esse ano aqui no Brasil.

Nota: 9,0


Leia um trecho no site da editora: http://grupoautentica.com.br/nemo/amostra/1401 


sábado, 12 de novembro de 2016

Música: Green Day e Descendents


Depois do insucesso do projeto triplo que envolveu os discos ¡Uno!, ¡Dos! e ¡Tré! lançados entre setembro e dezembro de 2012, Billie Joe Armstrong, Tré Cool e Mike Dirnt retornam em 2016 com “Revolution Radio”. Novamente distribuído pela Reprise Records, o trio deixou o velho amigo e produto Rob Cavallo e fez tudo sozinho no disco. O resultado é um álbum cru, sem grandes invencionices, que aponta para os primeiros registros sem esquecer coisas posteriores como o “American Idiot” de 2004, o que é normal para uma banda com os anos de vida que o Green Day ostenta. A banda nunca foi de deixar problemas atuais ficarem longe das músicas e isso novamente aparece como na enérgica faixa-título e em “Troubled Times” (e vem se alongando ao vivo devido ao momento ainda mais crítico do país). Os 44 minutos de “Revolution Radio” não exibem nenhuma canção estupenda e as que ficam mais próximas disso são o primeiro single “Bang Bang”, com as paradas características do grupo, e a pra cima “Youngblood”, mas pode ser entendido como um disco de transição, com o trio novamente tomando as rédeas da carreira, saindo em turnê, sentido em prazer em tocar. O grande problema do Green Day e isso vêm desde o já citado “American Idiot” de 2004 é querer se alinhar entre o punk e o rock mais de arena, o que gerou bons trabalhos, mas tudo indica ter chegado a um limite de saturação. Isso fica claro em faixas como “Somewhere Now”, “Outlaws” e “Still Breathing”. Já que a banda pensou nesse “Revolution Radio” como uma retomada de origens (e é isso mesmo algumas vezes), seria interessante no futuro retomar com tudo para esse caminho, pois aparenta ainda ter fôlego para tanto, basta só deixar de vez de lado as pretensões construídas em outro momento da carreira. A conferir.

Nota: 6,0

Site oficial: http://www.greenday.com  


Banda essencial do punk rock e influência para diversos grupos, os californianos do Descendents voltaram em 2016 com um novo registro chamado “Hypercaffium Spazzinate”. A banda que não gravava nada desde 2004 com o bom “Cool To Be You” retorna com um álbum que rememora seus melhores momentos. Lançado pela gravadora Epitaph apresenta 16 músicas na versão principal e mais 5 em uma versão deluxe que ao invés de ser apenas uma encheção de linguiça traz canções do mesmo nível do disco como “Days of Desperation”, “Business A.U” e “Unchaged”. Formado no final dos anos 70 e com discos na bagagem do porte de “I Don’t Want to Grow Up” (1985) e “Everything Sucks (1996)” (sem contar a seminal estreia com “Miles Goes to College” de 1982), o grupo já cinquentão exibe uma obra com a mesma pegada que fez tantos e tantos fãs. As faixas são elaboradas por todos os integrantes, a saber: Stephen Egerton (guitarra), Milo Aukerman (vocal), Karl Alvarez (baixo) e Bill Stevenson (bateria), e apresentam as temáticas cotidianas e bem humoradas já conhecidas de outrora, com algumas mais sérias como “Feel This” que fala sobre perda. Apesar de tanto tempo de estrada “Hypercaffium Spazzinate” é apenas o sétimo registro de estúdio, o que mostra que fazer música sempre foi coisa importante para todos os integrantes, sem lançamentos banais pelo meio. Com faixas como “Victim Of Me”, “Shameless Halo”, “Comeback Kid”, “Beyond The Music” e principalmente a chicletuda “Without Love”, o Descendents compôs um dos grandes discos desse ano e deixa mais ansiedade ainda no ar para a apresentação que faz em solo brasileiro no início de dezembro e que já pode ser chamada de imperdível para os amantes do punk. Escute alto.

Nota: 8,5


Assista a apresentações ao vivo abaixo. O Green Day com "Bang Bang" e o Descendents com “Shameless Halo”:


sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Literatura: “1965: o ano mais revolucionário da música” e "Cidade dos Etéreos"


É comum achar que tal ano ou tal década foi mais importante para a música ou para um determinado estilo. O escritor, crítico e diretor de cinema Andrew Grant Jackson também tem uma opinião em relação a isso e apoiado em uma extensa pesquisa que alcançou diversas fontes colocou o resultado disso no livro “1965: o ano mais revolucionário da música” que a editora Leya lança esse ano aqui. Originalmente publicado em 2015 nos EUA, “1965 – The most revolutionary year in music” tem tradução nacional de Edmundo Barreiros e 384 páginas incluindo notas, bibliografia e índices. O livro extrai da década de 60 esse mítico ano onde entre outras coisas os Beatles lançaram o disco “Rubber Soul”, os Rolling Stones cravaram “(I Can´t Get No) Satisfaction” nas paradas e nas mentes, o The Who apareceu com o hino “My Generation” e Bob Dylan cunhou a soberba “Like a Rolling Stone” e assombrou convenções inserindo a guitarra elétrica nos seus shows. Some-se a isso criação de várias outras pérolas do soul, do pop e do folk e passos importantes para artistas como Beach Boys, Velvet Underground, The Byrds, John Coltrane, James Brown, Sam Cooke, Them, Jefferson Airplane e Simon & Garfunkel, entre tantos outros. O autor consegue com relativo sucesso conectar esses atos a situação geral daqueles anos, conjecturando um pouco sobre o cenário político, econômico e social levando em conta tanto as revoluções em andamento, quanto a luta pela conquista dos direitos civis nos EUA e a guerra do Vietnã. A obra expõe um trabalho jornalístico cuidadoso e serve como bom instrumento de consulta para a época seja nos casos já amplamente conhecidos ou em algumas surpresas que o texto reserva. Todavia, falha quando o autor tenta guiar os fatos para dentro da sua lógica pessoal de mundo e isso acaba por diminuir o resultado final.

Nota: 6,5 


No primeiro semestre desse ano a editora Intrínseca deu continuidade a trilogia de Ransom Riggs chamada “O Orfanato da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares” e lançou o segundo livro (o primeiro teve lançamento da editora Leya no ano passado) da pequena saga. O bom primeiro livro rendeu também um bom filme esse ano nas mãos do diretor Tim Burton e com Eva Green, Asa Butterfield e Samuel L. Jackson no elenco. O livro II lançado originalmente em 2014 tem capa dura na edição nacional, tradução de Fernando Carvalho e 386 páginas, incluindo um pequeno trecho do terceiro trabalho no final. “Cidade dos Etéreos” (Hollow City, no original) tem início exatamente no ponto onde o exemplar anterior terminou com Jacob Portman, Emma Bloom e os demais integrantes da trupe de crianças especiais em fuga depois da destruição da ilha onde moravam. Com destino a Londres e tendo por objetivo salvar sua querida tutora e professora da atual condição que se encontra (mesmo sem saber como), o intrépido grupo vai se deparar com aventuras intensas e desconhecidas pela frente. Utilizando um pouco de história como pano de fundo, Ransom Riggs cria mais uma dezena de singulares personagens que apoia em outras fotografias antigas que espalha pelo texto. Mantêm o mesmo modo de operação do primeiro livro, mas enxerta pontos que dão mais vigor ao texto como viagens no tempo e o romance mais vívido entre o casal de protagonistas. Com isso, Jacob Portman sai da insegurança de antes para se tornar um jovem obstinado que tenta a todo custo superar as dúvidas que lhe aparecem e achar o próprio caminho. “Cidade dos Etéreos” chega com um trabalho editorial luxuoso da Intrínseca e está no mesmo nível que seu antecessor, deixando uma boa expectativa para a conclusão e se consolidando como uma das narrativas mais interessantes voltadas para o público jovem atualmente.

Nota: 8,0 

domingo, 30 de outubro de 2016

Séries: "Luke Cage" e "Luther"


No final de setembro a Netflix deu continuidade a relação com a Marvel e estreou a série estrelada por Mike Colter como Luke Cage. O personagem criado por Archie Goodwin, John Romita e George Tuska no início dos anos 70 faz parte do circuito “urbano” da editora e a série vem no encalço de “Demolidor” e “Jessica Jones” (disponíveis na plataforma). Criada por Cheo Hodari Coker, produtor com trabalhos na tevê como “Ray Donovan”, se alterna entre ser uma história de origem e conversar com eventos recentes vinculados as demais produções da Marvel. Além disso investe pesado (e acerta muito nisso) na relação do personagem e da série em si com a cultura do Harlem - onde estão ambientados os episódios - e com a música negra. Por exemplo, todos os 13 episódios são nomes de canções do grupo Gang Starr que mesclava jazz e hip-hop e trazia o falecido rapper Guru como integrante. Após o assassinato da esposa e da relação fracassada com Jessica Jones (exibida na série dela), Cage tenta seguir a vida trabalhando em uma barbearia até que fatos desencadeados pelo gângster Cottonmouth (o sempre competente Mahersala Ali) e a prima Mariah Dillard (Afre Woodard) o fazem surgir como herói, mesmo sem ele querer isso. Fantasmas do passado surgem e os atos que o levaram a ter a pele invulnerável invadem a trama que durante seu percurso inclui a enfermeira Claire Temple (Rosario Dawson, exuberante) e conhecidos dos quadrinhos como Willis Stryker (Erik LaRay Harvey) e Misty Knight (Simone Missick). “Luke Cage” é uma série que apesar dos diálogos meio rasos e sem inspiração alcança seu objetivo e é peça importante dentro desse universo que a Netflix vem criando junto com o Marvel, sendo superior as duas temporadas de Demolidor, mas abaixo de Jessica Jones. Ainda brilha ao colocar a música como parte fundamental em uma trilha que reúne funk, jazz, soul, rap, hip-hop e R&B e exibe apresentações de nomes como Charles Bradley e Method Man (Wu-Tang Clan) para fechar com a grande Sharon Jones e seus Dap-Kings.

Nota: 8,0


O detetive policial que precisa resolver casos da mais complexa e absurda estirpe enquanto tem a vida pessoal brincando na corda bamba a cada hora do dia é um tipo de personagem utilizado com bastante frequência seja no cinema, televisão, quadrinhos ou literatura, mas que costumeiramente rende boas histórias. É o caso de “Luther”, série inglesa da BBC que está toda disponível no Netflix. Como acontece nas produções da emissora as temporadas exibem poucos episódios (são 16 no total de 4 anos), o que serve para deixar a trama mais sintética e assim exercer um poder maior no telespectador. Mesmo usando essa espécie conhecida de protagonista, “Luther” se sobressai pela intensidade com que acontece e pela atuação impecável do elenco, principalmente de Idris Elba que faz o detetive cheio de perturbações, problemas e transtornos que é brilhante no trabalho que praticamente suga toda a sua vida. Luther é o tipo de pessoa que carrega o passado nas costas sempre que sai de casa e no caso dele isso se reflete em todos os casos que resolveu e as pessoas que sofreram com eles. Contudo, Idris Elba não faz disso um fardo que deixe a série como um dramalhão chinfrim, mas assume isso como parte integrante do que faz o personagem existir, sem choro nem vela e muito menos buscas por redenção (por mais que elas estejam encobertas por ali). Criada por Neil Cross (que depois criaria “Crossbones), “Luther” traz bons e calejados atores no elenco como os parceiros de força interpretados por Michael Smiley e Dermut Cowley e novos nomes como Ruth Wilson (que tem uma relação complicada com o detetive) e o parceiro vivido por Warren Brown. Trabalhando entre o nublado e o cinza e tomando atitudes não convencionais durante o caminho (o que faz o telespectador se perguntar com constância se os meios justificam os fins), temos uma ótima série policial que supera os chavões que exibe devido a força e profundidade com que se apresenta.

Nota: 8,5

Assista a trailers das séries:


sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Quadrinhos: "Ghetto Brother, Uma Lenda do Bronx" e "O Legado de Júpiter"


O condado do Bronx no final dos anos 60 e início dos anos 70 não era uma das paisagens mais exuberantes da cidade de Nova York. A violência e a pobreza marcavam o terreno prejudicado por uma série de medidas do governo que levaram a desindustrialização da área e a falta de investimentos externos, culminando assim em desemprego e tudo que isso traz. Para os jovens que lá viviam com suas famílias oriundas de diversas partes da cidade devido ao custo de moradia era praticamente impossível não ingressar em uma das dezenas de gangues que demarcavam os territórios com ferocidade. Em 8 de dezembro de 1971 a cidade estava pronta para uma guerra que o poder público pouco se importava. Mais de 100 líderes se reuniram devido ao brutal assassinato de um integrante dos Ghetto Brothers. Foi quando o líder dessa gangue tomou a palavra e em vez de pregar a violência, pediu a paz aos demais. Um gesto que ao ser acolhido plantou pequenas sementes que por mais que fossem novamente desvirtuadas lá na frente, foram fundamentais para a época. “Ghetto Brother, Uma Lenda do Bronx” conta essa história focada em Benjy Melendez, o imigrante porto-riquenho responsável pelo gesto citado. A graphic novel saiu esse ano pela editora Veneta e traz 128 páginas com extras que explicam mais aquilo que os autores alemães Julian Voloj e Claudia Ahlering se dispuseram a contar. Originalmente publicada em 2015, a obra é um retrato de um período conturbado que traça paralelos com diversas outras situações. A arte em preto e branco é rabiscada e escura expondo bem os momentos que apresentam e apesar da empatia talvez demasiada dos autores pelo personagem principal, é importante para marcar não só questões profundas como a paz, como serve de atestado do início da cultura hip-hop (o grande Afrika Bambaataa é integrante de uma das gangues) que germinaria em um movimento que hoje movimenta milhões e milhões de dólares pelo mundo.

P.S: Os Ghetto Brothers também fizeram (boa) música. Procure o álbum “Power Fuerza” de 1972 e confira.

Nota: 7,0



Uma pergunta recorrente para quem lê quadrinhos com pessoas com superpoderes, alienígenas invulneráveis ou magos quase invencíveis é como seria um mundo governado por eles, um mundo em que eles tomassem para si o poder na base da força e medo. Essa questão desde sempre é explorada, DC e Marvel, por exemplo, a usam em futuros distópicos ou realidades paralelas. Fora das duas gigantes muito já se leu nesse sentido também, com um mundo não só governado por indivíduos imbatíveis como com estes como bala de canhão do governo. Difícil imaginar então que se extraia algo de novo e bom ainda dessas diretrizes, algo que ainda não tenha sido explorado. Mas, Mark Millar (“Kick-Ass” e “Superior”) e Frank Quitely (“Grandes Astros: Superman”) conseguiram. Em “O Legado de Júpiter” os dois autores usam essa normativa para construir uma história que se à primeira vista não apresenta nada de realmente novo reúne tantas e tantas referências que validadas pelas talentosas mentes e mãos da dupla criam uma trama empolgante e cheia de boas ideias. Inserida no universo criado por Millar (o Millarworld), “O Legado de Júpiter” é publicada aqui esse ano pela Panini Books em um encadernado de capa dura com 140 páginas juntando as edições originais de 1 a 5 lançadas entre 2013 e 2015. Millar apresenta um mundo (abrilhantado pela arte sempre magistral de Quitely) que envolve não só aventura e super-heroísmo, mas também questões como família, herança, futuro, responsabilidade, economia e política envoltas com traições, drogas, redenções e golpes drásticos. Com início remetendo a dura crise dos EUA no final dos anos 20 e decorrer dos anos 30, pula para os dias atuais onde o autor aproveita e critica não só o comportamento da sociedade e sua postura, como também quanto pode custar a ambição em detrimento de tudo mais. Ao final da leitura do volume fica aquela ansiedade e vontade de ver logo o que vem pela frente, coisa bem rara de se conseguir.

Nota: 9,0


sábado, 15 de outubro de 2016

Quadrinhos: "Mônica: Força" e “O Inescrito: Tommy Taylor e o Navio Que Afundou Duas Vezes”


A Mônica foi criada por Mauricio de Sousa em 1963 e pouco tempo depois se tornou a principal personagem entre tantos e tantos que habitam as histórias concebidas pelo autor e estúdio no decorrer dos anos. Virou aquele personagem que é impossível não reconhecer de imediato, com vestidinho vermelho, cara emburrada e aqueles dois dentões saltando a vista. Em geral resolve todos seus problemas na base da porrada, seja contra o Cebolinha ou o Cascão, ou com algum invasor alienígena ou vilão que apareça no meio dos quadrinhos. Dentro do projeto Graphic MSP, a turminha já teve duas ótimas releituras (“Laços” e “Lições”), porém era esperada a hora que a dona da rua aparecesse em uma aventura solo. Para fugir do tradicional, essa história denominada habilmente de “Força”, coloca a nossa velha amiga gorduchinha na frente de uma situação que ela não pode resolver na porrada. Cabe lembrar que a Mônica não passa de uma criança e como tal, por mais esperta que seja, ainda não está acostumada a todas as neuroses e orgulhos dos adultos (ainda bem). Para tocar tal enredo o nome escolhido não podia ser mais acertado: Bianca Pinheiro. Sim, a criadora de “Bear” que já chega ao terceiro volume nas bancas e livrarias nesse ano é uma das quadrinhistas em ascensão no mercado nacional e tem a sensibilidade necessária para tocar essa nova edição do projeto Graphic MSP. “Força” mantêm o formato que já nos habituamos com duas edições de capa, texto introdutório de Mauricio de Sousa e texto sobre a primeira aparição da personagem, além de alguns extras. Com 82 páginas traz roteiro e arte de Bianca Pinheiro e explora uma situação que muito provavelmente emocionará a todos que leem e, acima disso, pode levar a enxergar a Mônica com outros olhos, o que é mais importante ainda. “Força” merece o título e acerta a mão na arte e no enredo que é delicadamente conduzido pela autora sem descambar para o piegas.

Nota: 7,5


Foram 66 edições dispostas em 2 volumes entre julho de 2009 e março de 2015. Nesse período Mike Carey (Hellblazer) e Peter Gross (Lúcifer) exploraram nuances diversas e entraram com vontade em estradas forradas pela literatura em “O Inescrito”. Lançada completamente em 12 encadernados aqui pela Panini, a aclamada série é daquelas que suscitam considerações adicionais após a leitura e promovem discussões sobre o caminho e as referências. Ambientada no selo Vertigo e em teoria dentro do mesmo universo de coisas como “Fábulas” de Bill Willingham (tem até crossover no meio das edições), os autores exploram dentro do universo da fantasia a questão da idolatria desmesurada de fãs, assim como a proliferação disso nas mídias, além de versar sobre o poder de manipulação que as histórias possuem e enxertar doses e mais doses de referências a literatura em uma trama envolvente, com ação, mas que não deixa de lado a inteligência. O personagem principal é Tom Taylor, filho do escritor Wilson Taylor, que serviu de base para a criação mais importante dos últimos anos, um pequeno mago chamado Tommy Taylor que vendeu milhões de livros e invadiu brinquedos, games e tudo o mais. Acontece que existem muitas coisas escondidas nessa “inspiração” e a saga trabalha com fantasia e real se cruzando até coexistir, onde Tom é Tommy e vice-versa e precisam lidar com conspirações antigas e vilões nada habituais. “O Inescrito” é claramente calcado em personagens como Harry Potter de J.K. Rowling e Timothy Hunter de Neil Gaiman, além de se correlacionar com diversas outras obras da fantasia. Isso, no entanto, não funciona como plágio e sim como sustentáculo para uma crítica bem realizada. Agora em 2016, a Panini Books publica a graphic novel “O Inescrito: Tommy Taylor e o Navio Que Afundou Duas Vezes” com capa dura, 160 páginas e papel de boa qualidade (LWC). Lançado originalmente em 2013 essa espécie de spin-off desmistifica o início de tudo e é mais um saboroso prato elaborado por Carey e Gross para os leitores de quadrinhos.

Nota: 9,0


segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Popload Festival com Wilco - Urban Stage - 08.10.2016


O que é mágico hoje em dia?

Em tempos tão fúteis, cínicos e de rápido consumo da arte como um todo é muito raro se deparar com algo que realmente mereça a alcunha de mágico. Para a sorte das pessoas e do mundo a música ainda consegue possibilitar momentos que justifiquem essa denominação. E dentro da música, pode-se afirmar com um alto nível de exatidão que a banda estadunidense Wilco tem capacidade de elaborar essa proeza.

O Wilco não vinha ao Brasil desde 2005 onde fez uma única apresentação, sendo que dessa vez desembarcou para três shows: um no Rio de Janeiro e dois em São Paulo. Atração do Popload Festival junto com Bixiga 70, Ava Rocha, Ratatat e The Libertines, o grupo subiu ao palco do Urban Stage na capital paulista exatamente às 20:30 para o que seriam duas memoráveis horas de execuções perfeitas, simpatia e emoção.

Com uma carreira sólida onde possui 10 discos lançados (o mais recente “Schmilco” desse ano), o grupo liderado por Jeff Tweedy está no auge, exibindo perfeição técnica no palco, onde se sente extremamente à vontade e faz até músicas medianas como as do novo álbum crescerem de tamanho. Na quinta, a banda já havia se apresentado sozinha no Circo Voador no Rio de Janeiro e tudo que se ouvia e lia a respeito era extremamente animador para o show do Popload.

Show de festival sempre é diferente, isso é sabido, mas pelo que se viu na noite do dia 8, parece que para o Wilco isso não tem muito a ver. A banda abriu com o riff marcante de “Random Name Generator”, uma das boas faixas de “Star Wars” do ano passado e de lá engatou uma sequência com “The Joke Explained”, “I Am Trying To Break You Heart”, Art Of Almost”, “Either Way” e uma bela versão de “Misunderstood”. Com o público já na mão ali veio com 3 canções do novo registro, o que acalmou um pouco clima, apesar de “Cry All Day” ter ganho força no palco.

Logo depois veio outro bloco de pérolas com “Via Chicago”, uma arrebatadora “Impossible Germany” com direito a show particular do monstro Nels Cline, “Hummingbird”, “Handshake Drugs” e “Side With the Seeds”. “Locator” do trabalho desse ano serviu como passagem para aquela que foi a parte mais elevada de uma apresentação cheia de pontos altos.

Entre outras apareceram “Forget The Flowers”, “Box Full Of Letters”, “Heavy Metal Drummer”, a fantástica “Jesus, etc” e “I Got You (At The End Of The Century)” e “Outtaside (Outta Mind)” em exibição quase surreal, canções do incrível “Being There” de 1996 que encerrou o show antes do Bis. E que Bis! Foram duas canções do “ A Ghost Is Born” de 2004: “Spiders (Kidsmoke)” em seus mais de 10 minutos e “The Late Greats” fechando com o público cantando junto acordados depois do transe coletivo.

Um show, principalmente de festival, não tem na maioria das vezes o impacto de uma exibição solo. O público está lá para ver uma ou outra determinada banda e isso não foi diferente no Popload Festival. Muitos que ali estavam tinham ido ver o Libertines, a dupla caótica formada por Pete Doherty e Carl Barat com a formação original da banda. Outros, estavam ali pelo evento em si, isso é normal. O Wilco então mesmo sendo o melhor show disparado da noite, não envolveu a todos os presentes, no entanto emocionou a maioria dos que lá estavam.

Toda essa experiência positiva também só é possível por conta do cuidado que o Popload Festival tem para o público, o que só melhora a cada ano. Acesso fácil via metrô (distribuíram tickets gratuitamente para o retorno), poucas filas, variedade de comidas, excelente sonorização e sem perrengues. Na questão dos shows além do Wilco, o Bixiga 70 fez o que sabe muito bem ainda na abertura, Ava Rocha pulou do interessante para a chatice algumas vezes, Ratatat não deve ter agradado mais do que 50 pessoas e o Libertines fez um show divertido, pra cima, que remeteu a década passada com mérito, apesar dos erros.

Contudo, como já foi dito, o dono da noite foi o Wilco. A banda ainda viria a fazer mais uma apresentação no dia seguinte para 800 pessoas no Auditório do Ibirapuera em São Paulo, que também ganhou superlativos de todos os lados. Falando em superlativos, eles nunca foram tão válidos para uma banda atualmente quanto nesse caso, mesmo levando em conta todos os exageros. Simplesmente não dá para ver um show do grupo e sair impune. Aqueles que foram ao Popload Festival presenciaram isso, presenciaram a magia acontecendo.

Obs: Fotos retiradas da página oficial do evento (http://www.poploadfestival.com)

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