quarta-feira, 29 de junho de 2011

"Tanto Faz & Abacaxi" - Reinaldo Moraes


Os anos 70 se despediam com cansaço e alguns sonhos partidos para que os anos 80 entrassem com alguma esperança e uma euforia meio perdida e sem grandes justificativas. O Brasil ainda atravessava o período final da ditadura e borrões de liberdade já eram vistos no horizonte. Nesse cenário, o paulista Ricardo de Mello consegue uma bolsa do governo para estudar economia em Paris e lá passa quase dois anos vagabundando pela cidade, sem saber ao certo que rumo tomar.

Ricardo é o personagem central de “Tanto Faz”, o primeiro livro do escritor Reinaldo Moraes, lançado originalmente em 1981 pela Editora Brasiliense. As suas aventuras tiveram continuidade em “Abacaxi”, que ganhou vida 4 anos depois pelas mãos da L&PM Editores. As duas obras recebem agora em 2011 uma justa publicação em formato pocket pela Companhia das Letras, na nova Coleção “Má Companhia” que também relançou “O Invasor” de Marçal Aquino.

Depois de 1985, Reinaldo Moraes só voltou a publicar em 2003 e teve que conviver com adjetivos nada nobres (não que ele se preocupe com isso) no decorrer da vida. O resgate dessas duas obras pela primeira vez juntas, é muito bem vindo. Quem não conhece o cotidiano repleto de sexo, drogas, palavrões e escatologia do autor, vai sentir o mesmo desconforto ou estranhamento inicial que quem leu nos anos 80. A escala pode até ser um pouco menor, mas ainda existirá.

Em “Tanto Faz”, o personagem desiste de frequentar o curso pelo qual está em Paris para se jogar em uma espiral de loucuras que não levam a nada. É um dândi estropiado, cheio de ideias absurdas e uma vontade insaciável por álcool, mulheres e substâncias ilegais. Ao seu lado convivem pessoas tão desprendidas quanto ele, embalados por uma trilha sonora que envolve mpb, jazz, bossa nova e rock. A história é diversa e fragmentada e traz inclusões de inglês e francês pelo meio.

São diversos os devaneios que o protagonista e pretenso escritor derruba no quarto ou pelas ruas da cidade luz. Entre umas e outras solta afirmações como “O que eu queria mesmo é uma literatura que fosse, como Torquato Neto, até a demência. E ficasse, como Chacal, entre o playground e o abismo. E tivesse a peraltice e o lirismo do Oswald. E tudo isso com o sabor coloquial do Mário de Andrade. Nem confissão, nem ficção. Conficção. Nem obra acabada, bem aberta. Obra à toa.”

Já em “Abacaxi”, quando os anos de Paris se esgotam, ele resolve passar ainda em Nova York e Rio de Janeiro antes de voltar para São Paulo e sua vida normal. E o que parecia quase impossível, acontece. Nessas duas cidades e em uma esfera pequena de tempo, as aventuras etílicas e químicas conseguem alcançar níveis maiores. Mais curto que “Tanto Faz”, “Abacaxi” é urgente e quase que imperdoável, pois não tem bom costume social que não derrube e arremesse diretamente na lama.

Hoje o trabalho de Reinaldo Moraes é mais respeitado, por mais que ainda tenha severas críticas pelas inclusões de palavrões e situações não muito lisonjeiras na escrita. Mas, assim como seus personagens que carregam muito de autobiográficos, isso não faz a menor diferença. Seus dois livros iniciais trazem na contramão de um imenso e catastrófico passeio pelo nada, uma reflexão involuntária sobre a real praticidade de atos, coisas e desejos. É insano, sujo, bem humorado e essencial.

Leia uma entrevista do autor no Scream & Yell, aqui. 

Conheça um pouco mais da obra pelo teaser da Companhia das Letras:
 

segunda-feira, 27 de junho de 2011

"When You're Strange - Um Filme Sobre o The Doors" - 2009

Quando o diretor Oliver Stone deu sua versão para a carreira do The Doors no filme de 1991, conseguiu ganhar alguns detratores no processo, principalmente por causa da maneira que conduziu o trabalho e retratou Jim Morrison. “When You’re Strange - Um Filme Sobre o The Doors” ambiciona ser mais completo e preciso, até porque é formatado como um documentário (apesar de algumas leves diferenças) e tem o aval dos ex-integrantes do grupo.

O trabalho foi lançado em 2009 e percorreu festivais pelo mundo, podendo ser encontrado aqui no país em DVD e Blu-Ray. A história de Jim Morrison, Ray Manzarek, Robby Krieger e John Densmore ganha narração de Johnny Depp e vai desde a formação da banda até o falecimento do vocalista em 03 de julho de 1971 (que faz 40 anos em 2011). Escrito e dirigido por Tom DiCillo (“Johnny Suede”), o longa agrada na maior parte da duração em tela.

Como é normal em documentários desse tipo, são resgatadas imagens e filmagens raras, o que representa na verdade seu grande atrativo. A figura enigmática de Jim Morrison é um pouco desmistificada em passagens simples, como quando parecendo apenas uma pessoa qualquer e não o astro do rock que era, ele circula em meio aos fãs antes de subir ao palco em um show, onde depois explodiria no desempenho catártico e imprevisto no qual era mestre em realizar.

A parte técnica é bem realizada, desde a narração de Johnny Depp até a edição final de Micky Blythe e Kevin Krasny, que conseguem casar bem as músicas da banda com o momento em que aparecem no longa. Os demais integrantes ganham um pouco mais de espaço, o que é bastante bem vindo, pois mostra a qualidade musical na qual Jim Morrison explodia suas letras e poemas. Até os produtores Paul Rothchild e Bruce Botnick são citados com maior frequencia. 

“When You’re Strange...” é um bom filme e junto com a obra anterior de Oliver Stone dá um panorama interessante sobre o poder de fogo do grupo. No entanto, ainda não é a obra definitiva que lhes é merecida, pois insiste pouco no lado cotidiano (apesar de ter evoluído nesse sentido) dos integrantes. Ainda falta isso para se (tentar) entender melhor esse quarteto, que formou uma das bandas mais originais da história e construiu um ídolo da estatura de Jim Morrison.

Site oficial: http://whenyourestrangemovie.com

Veja o trailer:

sábado, 25 de junho de 2011

"Arabia Mountain" - Black Lips - 2011


O Black Lips é uma daquelas bandas que preza a palavra diversão com todas as suas forças. Aliando um lado tosco e meio maluco com muita energia, o grupo de Atlanta, USA, grava registros quase sempre agradáveis para quem gosta de punk e rock de garagem setentista. Depois de três bons discos (“Let It Bloom” de 2005, “Good Bad Not Evil” de 2007 e “200 Million Thousand” de 2009), eles colocam no mercado aquele que possivelmente é o seu melhor trabalho.

Cole Alexander (vocal e guitarra), Ian Saint Pe (guitarra), Jared Swilley (baixo e vocal) e Joe Bradley (bateria e vocal) resolveram dar uma amansada e pela primeira vez chamaram um produtor para ajudar em um disco. “Arabia Mountain”, o sexto registro de estúdio, foi produzido na sua maioria por Mark Ronson, conhecido por trabalhar com Amy Winehouse e Kaiser Chiefs. O resultado dessa parceria é inegavelmente positivo e leva o Black Lips um nível acima.

As antigas influências ainda se apresentam em “Arabia Mountain”, mas ganham uma roupagem mais elaborada, o que eleva até de modo paradoxal, a própria energia do disco. “Family Tree”, por exemplo, evoca novamente o Violent Femmes, enquanto “Dumpster Dive” tem o Rolling Stones como referência. Em “Raw Meat” ouve-se um punk rock com a pinta do Buzzcoks e em “Bone Marrow” com a entrada só com a batida atrás, regride uns 30 anos no tempo.

Outras faixas são bem mais diferentes, como o bailinho sessentista bem humorado de “Spidey’s Curse” ou o climão psicodélico e arrastado de “You Keep On Running”. A diversão, marca específica do quarteto, não fica de fora em momento algum, porém se apresenta de maneira mais forte na ótima “Modern Art”, na dupla despretensiosa de “Bicentennial Man” e “Go Out And Get It (ambas produzidas só pela banda) e na sujeira melódica de “New Direction”.

Em “Arabia Mountain” o Black Lips consegue caminhar na contramão de duas afirmativas que quase sempre estão corretas. Primeiro, mesmo enchendo o álbum com 16 canções não enjoa ou cansa em nenhum momento, o que é bastante difícil. Também prova que um som melhor produzido não faz mal se forem respeitadas as características da banda, o que Mark Ronson sabiamente fez. E assim no novo disco consegue achar justamente a burilada que faltava no seu som.

Sobre os discos de 2007 e 2009, passe aqui e aqui.         

quinta-feira, 23 de junho de 2011

"O Retorno do Rei - A Grande Volta de Elvis Presley" - Gillian G. Gaar


Quando alguém fala em Elvis Presley qual a primeira imagem que vem a sua mente? a) do requebrado desengonçado dos anos 50 ao som de “Hound Dog”. b) de algum filme assistido na sessão da tarde. c) dele gordo em pleno declínio cantando em Las Vegas. D) todas as anteriores. O Rei do Rock realmente teve várias facetas até falecer no dia 16 de agosto de 1977. Sua vida e obra que já tiveram vários e vários livros com as mais diversas nuances ganha agora mais um pra lista.

“O Retorno do Rei - A Grande Volta de Elvis Presley” trata mais especificamente do período entre 1968 e 1970, tendo como foco principal o especial televisivo exibido pela Rede NBC no final do ano de 1968 conhecido como “Comeback Special”, que serviu para alavancar novamente a carreira do Rei depois de passar por um período de gravações sofríveis e queda de popularidade. No entanto, não se prende tanto assim e faz uma breve análise do passado e o acompanha até a data do falecimento.

Escrito por Gillian G. Gaar, uma experiente jornalista que já lançou livros sobre Nirvana e Green Day, além de escrever para revistas como a Rolling Stone e a Mojo, o trabalho tem 272 páginas e lançamento pela paulista Madras Editora, com tradução de Luciana Sanchez. É mais um que visa tratar de fatos específicos nas biografias de grandes artistas, assim como “Like a Rolling Stone - Bob Dylan na Encruzilhada” de Greil Marcus e “O Dia em que James Brown Salvou a Pátria” de James Sullivan.

O livro pega Elvis em uma situação de queda em quase todos os níveis, menos o financeiro, já que recebia 1 milhão de dólares por filme, uma quantia elevada para a época. Depois da volta do exército ele se desiludiu diversas vezes com o rumo da carreira programada por seu empresário Coronel Parker. Fazendo filmes ruins e não gravando mais bons discos que o instigassem ou fazendo shows, Elvis se escondia nas suas excentricidades e nas receitas de remédios que consumia vorazmente.

A relação entre ele e seu empresário dá o tom de constrangimento por todo o livro. Mesmo discordando das opiniões, o astro quase nunca confrontava aquele que o elevou para o patamar de sucesso e preferia manter uma postura de subserviência. Muitas vezes pergunta-se quais as razões que levaram Elvis a se adequar a esse modo de trabalho. Nunca isso foi bem explicado. Seria medo, gratidão, inabilidade para os negócios? O que quer que fosse ainda hoje não consegue fazer algum sentido.

No entanto, vendo que tudo ia por água abaixo, Elvis se envolveu em um projeto que elevaria novamente a carreira e traria ótimos resultados, que infelizmente não foram aproveitados da devida maneira com o passar dos anos, culminando na vida insatisfatória que resultou na sua morte por parada cardíaca causada por excesso de remédios. O programa conhecido como “Comeback Special” foi um estrondoso sucesso e agradou público e crítica fazendo o Rei voltar ao trono em tempos bem diferentes.

“O Retorno do Rei - A Grande Volta de Elvis Presley” é uma análise bem escrita dos fatos que pretende abranger e consequentemente da complicada personalidade de Elvis, e apesar de ser bem detalhado em depoimentos e questões técnicas não fica enfadonho. É o tipo do livro que após ser consumido pede para que se ligue o som. É ligar e deixar passar faixas como “Heartbreak Hotel”,  “Jailhouse Rock”, “Suspicious Mind” e “In The Ghetto” e lembrar de um dos maiores de todos os tempos.

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segunda-feira, 20 de junho de 2011

"Stones In Exile" - 2010


Quem gosta de música geralmente procura maiores detalhes, tais como descobrir como um álbum foi concebido e gravado. “Stones In Exile” visa atender esse público e explana o processo de criação de uma obra-prima de uma das maiores bandas de rock de todos os tempos. Lançado em DVD no ano passado, traz em pouco mais de uma hora várias informações e entrevistas sobre o álbum duplo “Exile On Main Street” lançado em 1972.

O documentário não tem nada de realmente novo, algo que os fãs já não tenham lido anteriormente. No entanto, quando uma história é realmente boa sempre é interessante ouvir novamente. E assim se faz. Ancorado em belas imagens da época fornecidas na maior parte pelo fotógrafo Dominique Tarlé, além de imagens de shows e depoimentos dos envolvidos (tanto os músicos quanto a produção), o filme agrada e consegue envolver o telespectador.

A história do disco se inicia com a saída da banda da Inglaterra para morar na França, a fim de fugir da alta taxação tributária da terra da rainha. Já na França, como não acham um lugar que possa providenciar a gravação de um novo disco, resolvem partir para o sótão da mansão que Keith Richards e a bela Anita Pallenberg moram, na calma região de Nellcôte, perto da cidade de Nice. Lá, em meio a uma quantidade considerável de drogas e álcool, o trabalho se desenvolve.

Entre as entrevistas (que são em boa parte retiradas das sessões feitas para o livro “According To Rolling Stones”) existem momentos realmente brilhantes, como quando Keith Richards define a relação dele com Mick Jagger: “Mick é o rock, eu sou o roll”, ou ainda quando o ex-baixista Bill Wyman retrata o nível de desleixo existente na casa, onde certa vez alguém simplesmente entrou e levou oito guitarras, um baixo e um saxofone sem ser visto ou notado. 

Algumas personalidades também aparecem para validar a obra, entre elas Benicio Del Toro, Jack White e Martin Scorsese, o que serve para corroborar a potência de um disco que na época não recebeu nenhuma crítica positiva, mas que se transformou no decorrer dos anos. Com grandes doses de crueza e ousadia, o Stones mergulhou de cabeça na sonoridade negra norte-americana e produziu um daqueles álbuns que vão ser apreciados por muitos e muitos anos.

sábado, 18 de junho de 2011

"Música Vulgar Para Corações Surdos" - Harmada - 2011


A bateria começa o seu caminhar e vai chamando, ao seu modo, guitarra e baixo para lhe acompanhar durante a canção como se fosse uma cena comum. Logo depois os vocais aparecem em uma melodia bem feita com versos que flutuam entre o arrependimento e a esperança de que o amor não termine. Ao sair de casa a cabeça gira em pensamentos como: “faz tempo que não te vejo mais em mim, no silêncio não encontro o que dizer (...) por hora já não sonho mais por nós”.

Assim a canção “Sufoco” se espalha por quase 5 minutos e abre o disco de estreia dos cariocas do Harmada, intitulado “Música Vulgar Para Corações Surdos”. Formado por Manoel Magalhães (guitarra e vocal), Brynner Buçard (guitarra), Filipi Cavalcanti (baixo) e Juliana Goulart (bateria), a banda traz integrantes oriundos de outras jornadas e demonstra uma surpreendente qualidade e coesão na maneira com que as canções são conduzidas para refletir o espírito que anseiam passar.

Esse espírito, como é definido no próprio release, busca contar “histórias sobre o cotidiano nas metrópoles e os transtornos inerentes a inadaptação ao convívio social urbano.” Os personagens que tem as vidas narradas nas canções do Harmada estão quase sempre perdidos, sem saber o que fazer, enquanto o fluxo de pessoas passa com toda força pelo lado e esbarra neles sem pena. Uma vida guiada pela rotina, travada no piloto automático e que sonha silenciosamente com algum alívio.

São 14 faixas que exibem influências que transitam tanto pela pegada do rock alternativo americano mais tradicional quanto pelas linhas melódicas e mais doces das bandas do rock inglês. Não faltam bons momentos como “Luz Fria”, que se quebra e arrebenta para virar uma outra canção ou “Pedaços” com climão dramático e letra casada com o ritmo, sendo traduzida em versos assim: “Sempre evitei ouvir conselhos, sempre desliguei meus alarmes, pra tentar dormir outra noite do seu lado”.

Mas o melhor momento de “Música Vulgar Para Corações Surdos” reside em duas outras faixas: ”Avenida Dropsie” e “Carlos e Cecília”. A primeira é uma bela canção para ser repetida várias vezes e a segunda com guitarras indies estourando é uma “Eduardo e Mônica” travestida e moderna que trata sobre esquecer o passado e seguir em frente com uma pequena ponta de esperança, realçando assim um trabalho que fará corações acanhados voltarem a sentir alguma sensação que seja.

Baixe o disco gratuitamente aqui: http://tramavirtual.uol.com.br/_harmada_

quinta-feira, 16 de junho de 2011

"Inverno da Alma" - 2011


Imagine ter 17 anos e cuidar de dois irmãos mais novos (um de 12 e outro de 6 anos), além da mãe que padece sem falar nada por conta de problemas mentais. Some a isso a quase que completa falta de dinheiro em uma cidade pequena do estado do Missouri nos USA. Uma cidade que não ostenta chances ou oportunidades para a maior parte da população. Esse pode ser um rascunho rápido da vida da jovem Ree Dolly, protagonista do filme “Inverno da Alma”.

O longa que recebeu 4 indicações para o Oscar desse ano (filme, atriz, ator coadjuvante e roteiro adaptado) agora está disponível em DVD por aqui. Com uma direção inspirada de Debra Granik, “Inverno da Alma” é daqueles filmes que causam desconforto no telespectador e ficam pairando por horas na cabeça. A determinação com que Jennifer Lawrence interpreta Ree Dolly impressiona, ainda mais quando leva-se em consideração o pesado roteiro.

Enfurnada no meio desse fim de mundo (como tantas outras cidades espalhadas mundo afora), a vida da jovem ganha contornos mais drásticos ainda quando um policial chega e diz que se o pai libertado em condicional não aparecer no julgamento, a família perderá a casa e a propriedade, uma vez que ele penhorou tudo para ser liberado sob fiança. Com a vida se despedaçando fora do controle, a jornada em que ela se mete necessita de extrema coragem.

O clima de “Inverno da Alma” é soturno e se apresenta carregado de desesperança e frieza. A fotografia e direção de arte conseguem espelhar isso muito bem, que somadas a trilha sonora elaborada por Dickon Hinchliffe contribui para que esse clima se espalhe por quase toda a película. Mesmo nos raríssimos momentos de alegria, o tom é de alívio apenas e nunca de satisfação. Uma notícia boa quase sempre é acompanhada por outra nem tão desejável assim.

Em cima de tantas vidas ordinárias que esperam sem pressa a hora em que finalmente tudo terá fim é que Debra Granik monta um filme denso e poderoso. Para Ree Dolly as opções são tão poucas que cabem em poucos dedos de uma mão. A interpretação vigorosa de Jennifer Lawrence caminhando no meio de um mundo desprovido de nobreza e compaixão deixa a impressão de que parece que a humanidade consegue regredir sempre que assim lhe é permitido.

terça-feira, 14 de junho de 2011

"In Your Dreams" - Stevie Nicks - 2011


Junto com o Fleetwood Mac nos anos 70, Stevie Nicks alcançou fama e sucesso mundial (quem nunca ouviu “Dreams”?). Nos anos 80 emplacou uma também bem sucedida carreira solo com discos como “Bella Donna” que vendeu alguns milhões de cópias. Depois de 10 anos sem lançar material novo, a cantora volta com um trabalho no qual é auxiliada por um bocado de gente competente.

“In Your Dreams” tem a produção de Dave Stewart (Eurythmics) e Glen Ballard (responsável pelo “Jagged Little Pill” de Alanis Morrissete), além de outras pequenas participações como Mike Campbell (guitarrista do Heartbreakers de Tom Petty) na composição de “For What It's Worth” ou do velho parceiro de banda Neale Heywood na honesta homenagem da pungente “New Orleans”.

Basicamente as canções trazem uma sólida base de folk, com direito a muitos violões e pequenos adendos rock. Começa com o resgate de “Secret Love” que apesar de ter sido composta em 1976 pela artista, ficou de fora da edição de “Rumours” em 1977 e só agora ganha realmente vida, e finaliza com “Cheaper Than Free”, uma bonita balada na qual Stevie Nicks partilha os vocais com Dave Stewart.

Na maior parte “In Your Dreams” é um disco agradável, mas incomoda às vezes devido a quantidade de açúcar envolvido em algumas faixas que tratam essencialmente de amores, como também na roupagem pop moderna que tentam inserir vez ou outra (vide “Secret Love” e a faixa título). Em canções como “Wide Sargasso Sea” e “Soldier’s Angel”, dois ótimos bluegrass, isso fica bem longe e melhora muito.

Aos 63 anos Stevie Nicks lança um disco que não desonra em nada seu passado e promove momentos realmente interessantes como “Annabel Lee” (com letra adaptada de um poema de Edgar Allan Poe) e “Ghosts Are Gone” (com a guitarra de Waddy Watchel falando alto). Não é espetacular ou tem o poder mágico de mudar o dia, é apenas um conjunto de boas canções cantadas por uma bela dama. Já basta.

Site oficial: http://rockalittle.com

domingo, 12 de junho de 2011

"O Segundo Depois do Silêncio" - Los Porongas - 2011


Identidade é algo bem complicado para se construir nos dias atuais. Na música então isso é mais difícil ainda. A revisitação oportunista de sonoridades de outras épocas e a exploração dos meios de comunicação em um mundo em transformação no que tange a venda da música aumenta mais a busca por esse fator. Ter uma cara própria mesmo deixando bem claro de onde vêm as suas influências e realizar um trabalho consistente é tarefa para poucos.

Com “O Segundo Depois do Silêncio” o Los Porongas parece ter cumprido essa tarefa. Depois de quatro anos do lançamento do primeiro álbum homônimo, os acrianos agora radicados em São Paulo, chegam ao segundo rebento afirmando em letras garrafais a sua identidade. O que já era bem interessante em 2007 ganha agora coesão maior e uma execução instrumental que casa perfeitamente com os vocais e linhas melódicas propostas.

Diogo Soares (vocal), João Eduardo (guitarra, violão, viola, teclados e piano), Márcio Magrão (baixo) e Jorge Anzol (bateria e percussão) ainda mantêm os pés no rock oitentista, mas fazem isso sem parecer uma cópia barata e adicionando novas roupagens que a vida da estrada acabou por lhes adicionar. Prova maior dessa herança está nas faixas “Bem Longe” que lembra bastante o Picassos Falsos e em “Sangue Novo” com produção do Dado Villa-Lobos.

Se na estreia o baterista Jorge Anzol se destacava um pouquinho mais que os demais, agora a guitarra de João Eduardo ganha essa disputa. Com o baixo de Márcio Magrão aparecendo muito mais, as guitarras conseguem um trabalho impressionante em todas as faixas do registro. Diogo Soares é outro que cresce no vocal. As letras que sempre tentam trazer vestimentas poéticas estão melhor resolvidas, como podemos ver na bonita “Desordem (Time Out)”.

Essa preocupação com as letras rende momentos realmente bons como na poderosa “Fortaleza” (“se a raiva nasce por amor é uma fortaleza”), mas também exibe algumas passagens menos inspiradas como em “Cada Segundo” (“o mar do medo é uma gota pra se navegar”). Todas as faixas são de autoria da banda, com exceção da ótima e amorosa “A Dois” feita em parceria com Daniel Soares (irmão do vocalista Diogo) da banda Sincera do Pará.

O disco ainda traz faixas poderosas como a exuberante “Dois Lados”, o rock torto de “A Verdade” e a desesperança de “Mais Difícil”, com a participação especial de Hélio Flanders do Vanguart. No novo trabalho o Los Porongas consegue trazer boa parte da energia que exibe ao vivo para o registro e dá passos largos na consolidação da própria música, mesmo olhando para trás. Como Diogo Soares canta em “O Lago”: “do velho eu faço o novo”. É por aí.

Baixe o álbum gratuitamente: http://losporongas.baritonerecords.com.br

Sobre o disco de estreia falamos bem aqui.

Twitter da banda: http://twitter.com/losporongas

sexta-feira, 10 de junho de 2011

"A Minha Versão do Amor" - 2011


Quando a velhice chegar deve ser gratificante olhar para trás e perceber que boa parte do que se viveu teve algum sentido. Que você amou a pessoa certa e deixou para trás boas lembranças que pelo menos durarão mais uma geração. Para Barney Panofsky, isso não aconteceu tão bem assim. Aos 65 anos ele passa o tempo entre a sua produtora de programas ruins para a tevê e a perturbação da vida do atual marido da ex-esposa.

“A Minha Versão do Amor” (“Barney’s Version” no original) traz Paul Giamatti no papel de um judeu bem sucedido na vida, mas que deixou pelo caminho algumas tragédias e um razoável número de insatisfação. Adaptado do romance de Mordecai Richler, o filme é dirigido por Richard J. Lewis, um tarimbado diretor televisivo que tem no currículo trabalhos em séries como “C.S.I”, tendo inclusive sido indicado para o Emmy duas vezes.

O filme cobre uns 30 e poucos anos da vida do personagem principal, o que abrange tecnicamente três casamentos, e viaja com ele pela Itália, Canadá e Estados Unidos. Paul Giamatti é o grande destaque do trabalho, completamente confortável no papel que sabe fazer tão bem (a interpretação de Harvey Pekar em “Anti-Herói Americano” corrobora bem isso), aliando um lado ranzinza com ironia, sarcasmo e tristeza.

Do primeiro casamento que acabou de forma trágica até o segundo com uma mulher rica e extremamente chata (interpretada por Minnie Driver), Barney vai somente se esgueirando e crescendo a conta bancária. No dia do segundo casamento, no entanto, ele avista Miriam Grant (uma atuação impecável de Rosamund Pike) e tem aquele insight de que ela será a mulher da sua vida, fazendo de tudo até conseguir conquistá-la.

Com uma vasta gama de situações cômicas encharcadas de quantidades cavalares de desastres e azar, “A Minha Versão do Amor” narra uma história envolvente que não deixa espaço para melodramas baratos ou fórmulas banais. O amor é tratado de maneira forte e devastadora e consegue sobreviver ao se transformar em outras formas de amar. É sobre perseverança, assim como um desajeitado guia de como não se tornar um idiota.

O longa ainda tem Dustin Hoffman em uma atuação carismática como o pai do protagonista e trilha sonora com canções do T. Rex e Nina Simone, além de faixas de Leonard Cohen que em dado momento servem como coadjuvantes para embalar esse olhar do amor. A versão do que é o amor para Barney Panofsky pode até carecer de extrema beleza, mas vem recheada de intensidade e devoção. E a sua versão? O que ela traz? O que ela tem?

quarta-feira, 8 de junho de 2011

"Na Prisão" - Kazuichi Hanawa

Uma pessoa pode ser definida além do seu caráter e índole pelos seus gostos, preferências, pequenas particularidades e maneiras de fazer as coisas mais cotidianas. Quando se retira isso de qualquer um que seja e passa a igualar essas preferências e manias com as de outros, a própria personalidade do indivíduo se esvai e este passa a fazer parte de uma espécie de rebanho conduzido por forças maiores de qualquer esfera. A prisão é craque em fazer isso.

O quadrinista japonês Kazuichi Hanawa passou por isso aos 52 anos. Em 1994 foi condenado a três anos de cadeia por um episódio envolvendo armas de fogo e uma dose considerável de excentricidade. Forçado a passar esses dias em uma prisão do norte do país, se viu conduzido a um universo novo em que os desejos individuais são suprimidos em prol da disciplina e da ordem. Nada, mas nada mesmo, pode estar destoando dos demais.

Ao sair desse período, Hanawa colocou todas essas impressões em um mangá lançado originalmente em 2000 e que ganhou edição nacional pelas mãos da Editora Conrad por aqui em 2005. Em 248 páginas desenhadas em preto e branco com a forte utilização de um estilo rascunhado e com sombras, o autor foge do seu tradicional recanto de criação (erotismo e fantasia principalmente), para criar uma obra que trata da descaracterização do ser humano.

A cadeia retratada em “Na Prisão” não é daquelas em que seus “habitantes” são obrigados a lidar com os desmandos e atrocidades dos carcereiros, mas sim com um forte adestramento de casualidades e conduta. Apesar de terem comida farta os presos passam por quase uma lobotomização, já que a quantidade de normas e regras são extensas e se aplicam a praticamente tudo. A pressão talvez seja até mais forte e intensa por esses motivos.

“Na Prisão” também mostra em segundo plano o destino do preso, que fica até contente por estar ali já que não tem para onde ir, o que se correlaciona diretamente com a função do governo nessa recuperação e os gastos com que esse sistema onera os cofres públicos. Depois de ler o mangá de Kazuichi Hanawa é fácil traçar paralelos com obras futurísticas que versam sobre a anulação da personalidade do ser humano, afinal o futuro sempre está bem ali na esquina.