quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Quadrinhos: "Você é Minha Mãe?" e "Pílulas Azuis"


Em “Fun Home - Uma Tragicomédia em Família” que a editora Conrad publicou por aqui em 2007, Alison Bechdel mergulhava na infância e crescimento e olhava mais para as ações do pai, um professor que escondeu a homossexualidade durante anos. Em um álbum que unia arte e texto de maneira triste, mas ao mesmo tempo de modo encantador, a autora se destacou, chamou a atenção do mundo dos quadrinhos e angariou elogios e prêmios. “Você é Minha Mãe?” (Are You My Mother? no original) é a sequência natural de “Fun Home” e lançado lá fora em 2012 ganhou edição nacional em 2013 no selo “Quadrinhos na Cia.” da Companhia das Letras. Com 294 páginas e tradução de Érico Assis traz novamente caráter biográfico em um drama que faz leves alusões ao pai, mas que dessa vez apresenta a relação com a mãe como foco. Na verdade, assim como em “Fun Home”, “Você é Minha Mãe?” serve como escape para afugentar (ou acalmar, que seja) os demônios de Alison Bechdel. É uma graphic-novel densa, repleta de conceitos psicológicos, onde os sonhos desempenham papel importante na maneira que a autora procura um caminho em meio a dúvidas, questionamentos, inseguranças e um humor involuntário.  A escritora Virginia Woolf e o psicanalista Donald Winnicott são os dois alicerces que ela baseia todo esse entendimento da vida pessoal, com vários trechos das suas obras citadas nas páginas. “Você é Minha Mãe?” apresenta algumas qualidades já vistas antes, como a arte funcional, porém é cansativa e em termos de ritmo e texto fica bem abaixo de “Fun Home”, infelizmente.

Nota: 5,5

Leia um trecho gratuitamente no site da editora, aqui.


Sem pessimismo barato, mas atualmente é cada vez mais difícil se deparar com um caso de amor límpido, sincero, bonito, como aqueles das canções clássicas ou dos poemas mais célebres. Inúmeros são os motivos para tanto, alguns justificáveis, outros não, contudo é verdade que isso é cada vez mais raro, mais esporádico. Talvez seja por isso que o impacto de “Pílulas Azuis” (Pilules Bleus no original) seja tão demasiado. Publicado originalmente em 2001, a graphic-novel do suíço Frederik Peeters ganha edição nacional esse ano através da editora Nemo. Com 208 páginas e tradução de Fernando Scheibe o autor de Aâma traça em uma autobiografia seu romance com Cati, uma história de amor com dificuldades, superações, temores, mas também com muita entrega, companheirismo e amor. O tom que tinha tudo para descambar para o piegas ou o sentimentalismo de feira, aqui passa longe de acontecer. A história começa com o básico garoto conhece garota, mas se estende por alguns anos até que realmente ocorra a união. Uma união que tem como parte inerente o vírus da Aids, já que tanto Cati, quanto o pequeno filho dela são soropositivos. A maneira como o autor trata de questões tão delicadas é excepcional. Insere uma carga de drama necessária, mas a envolve com humor e dedicação. A arte em preto e branco, ora rabiscada, ora detalhada, se destaca nas expressões faciais que refletem muito bem o momento a que se dedicam. Com tudo isso, “Pílulas Azuis” é um história como poucas, que espanta o preconceito para bem longe e narra uma bela e bonita história de amor. Sim, essas histórias ainda existem. Ainda bem.

Nota: 9,0

Leia um trecho gratuitamente no site da editora, aqui.


quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Quadrinhos: "Seres Urbanos" e "Supernada"

 
Existiu um tempo antes do advento da internet, ou ainda, bem no início desta, que os fanzines foram fundamentais na propagação de uma cultura que não aparecia nas grandes mídias, além de servir como plataforma para uma arte que não achava espaço em outros locais. Os “zines” se faziam presentes em todo o país e não foi diferente em Fortaleza, capital do Ceará. Lá a produção chegou a ter destaque nacional e o grupo Seres Urbanos foi o expoente disso. Formado inicialmente por Weaver Lima e Marcílio Nascimento, o grupo agregou outros nomes (Elvis, Lupin, Galba, Mychel e Kaos, este último infelizmente falecido no ano passado) e foi responsável por fanzines, exposições e festas que movimentaram a capital cearense nos anos 90. “Seres Urbanos – Antologia do quadrinho underground cearense (1991-1998)” é um álbum que compila parte dessa produção e passou por um processo lento desde que foi contemplado por edital da secretaria de cultura estadual em 2011, só realmente conhecendo a vida agora em 2015. Em preto e branco, com formato grande (21x30cm) e 100 páginas os quadrinhos exibem um humor ácido e atravessam comportamento, música, sexo, política e religião, sempre de maneira um pouco anárquica, sem muitas formas pré-definidas. Também demonstra tipos distintos de arte e de traços, que na maioria dos casos funciona de acordo com o objetivo pretendido. Uma entrevista com os membros no final enaltece o espírito da coisa toda e atesta “Seres Urbanos” como um projeto relevante, e acima de tudo, bem interessante de ser lido.


Nota: 8,0
A safra atual de quadrinhos nacionais surpreende positivamente a cada dia. Não somente os artistas e escritores acham mais espaço dentro de projetos endossados por editoras, como também desbravam caminho nos financiamentos coletivos, fazendo com que de modo independente as ideias ganhem um cuidadoso aparo de publicação. Esse é o caso de “Supernada” dos paulistas Raphael Mortari e Daniel Sanchez que através de campanha no site Catarse viabilizaram a imaginação para o campo físico. Com 40 páginas em preto e branco o álbum apresenta alegorias e trabalha em cima de uma fábula triste e incrivelmente real nas suas aplicações. O personagem principal que nasce sem vício algum vai gradualmente sendo exposto a um vírus que atinge quase toda a população, mas que é aceito perante os olhos dela. Visualmente com uma arte simples, porém bastante funcional, esse personagem vai se transformando em porco, ficando cada vez mais parecido com todos a sua volta. “Supernada” é retrato fiel do que acontece a uma parte considerável da sociedade, apaixonada por bens (e que mede o sucesso pela aquisição desses), mas extremamente vazia de sentimento e conteúdo. Versa também em como o comodismo toma conta de cada um com o passar dos anos e quando menos se percebe tudo passou e nada foi construído, seja também por medo, procrastinação ou uma superficial sensação de alegria com que o mundo nos brinda vez ou outra. É uma obra crítica e ao mesmo tempo emocional, é uma obra que não só convence, mas faz também o leitor tirar alguns minutos depois de ler para pensar nos caminhos que anda traçando, em resumo, é uma obra estupenda.


Nota: 9,5 


terça-feira, 1 de setembro de 2015

Séries - "Narcos"

Pablo Emilio Escobar Gaviria nasceu em Rionegro na Colômbia em 01 de dezembro de 1949 e logo jovem iniciou com pequenos delitos uma carreira criminosa que lhe colocaria como um dos homens mais ricos do mundo. Sua vida e história já foram retratadas em programas de televisão, livros, novelas e em alguns filmes, como indiretamente em “Profissão de Risco” de 2001 ou diretamente em “Escobar: Paraíso Perdido” do ano passado (lançado em dvd aqui nesse ano). Agora foi a vez de uma série se debruçar sobre esse controverso personagem.

“Narcos” estreou no Netflix no dia 28 de agosto e é uma parceria do canal com a produtora francesa Gaumont da ótima série “Hannibal”, infelizmente cancelada esse ano. Como de costume a empresa disponibilizou todos os 10 episódios que compõem a primeira temporada de uma só vez (uma segunda já está confirmada) e vê nela mais um produto para continuar a linha de crescimento da qualidade do trabalho autoral produzido pelo canal, vide outras séries como “Demolidor”, “Orange Is The New Black”, “Better Call Saul” e, principalmente, “House of Cards”.

Essa aventura pelo narcotráfico colombiano das décadas de 70 a 90, tem o envolvimento relevante do diretor brasileiro José Padilha (“Tropa de Elite”, “Robocop”), que mesmo sem ser o criador da série (os criadores são Chris Brancatto, Carlo Bernard e Doug Miro), dirige os dois primeiros episódios que dão o tom da trama, assim como a maneira como ela vai ser contada, além de ser produtor executivo. O dedo do diretor está presente não só no formato que vemos nos capítulos como na escalação de Wagner Moura para viver Pablo Escobar.

Wagner Moura, ator de comprovada competência, foi inicialmente uma surpresa para o papel, já que não sabia o idioma com o qual teria que tratar nesse trabalho. Depois de alguns meses de treinamento, ele se sai bem nesse aspecto e mesmo não sendo excepcional compensa isso com uma atuação hábil e intensa, por mais que refaça alguns trejeitos visuais já vistos em outras atuações. A caracterização física, por exemplo, é perfeita, com ele engordando 20 quilos para exibir a barriga do traficante.

Todavia, apesar de Pablo Escobar ser o foco de “Narcos”, não convém a ele ser o protagonista. Isso fica a cargo do agente do DEA (agência antidrogas americana) Steve Murphy, vivido pelo ator Boyd Holbrook de “Milk: A Voz da Igualdade”. Murphy, realmente existiu e ele que narra todos os eventos em off durante a trama explicando tudo ao espectador tintim por tintim e até mesmo antecipando alguns fatos. Esse recurso que José Padilha tanto gosta, serve para o espectador menos atento, porém incomoda aos demais porque é usado de maneira demasiada por toda a primeira temporada.

“Narcos” inicia quando Pablo Escobar, já um contrabandista de respeito no seu país, recebe pelo primo e sócio Gustavo (Juan Pablo Rabla) a possibilidade de trabalhar com um novo produto: a cocaína. Junto com outros, principalmente os irmãos Ochoa (vividos por Roberto Urbina de “Che” e o brasileiro André Mattos de “Tropa de Elite”) e o sanguinário José Rodriguez Gacha (o sempre competente Luis Gúzman de tantos e tantos filmes bacanas como “Boogie Nights”), forma o Cartel de Medellín, uma organização que movimentava milhões de dólares por mês.

A narrativa entrecorta a ficção com vários pontos documentais e mostra um retrato bem claro da América nesse período, com, somente para variar, a intervenção dos Estados Unidos em diversos países, sempre se baseando nos próprios interesses políticos e comerciais e direcionando suas forças somente quando assim lhe se convém, indo do governo Nixon, passando pelo desastre chamado Ronald Reagan e acabando com Bush pai. O tom do roteiro é sempre crítico nesse sentido, mesmo quando aponta aspectos positivos de algumas decisões.

Depois de sua morte em dezembro de 1993 aos 44 anos, o controle da cocaína e do narcotráfico só mudou de mãos para o Cartel de Cáli e depois para as mãos das FARC’s e assim muda até hoje em dia, uma vez que a demanda para o produto continua insaciável nos Estados Unidos e no mundo.

O seriado cumpre bem o papel de mostrar esse reinado de ascensão e queda e tecnicamente é de uma competência bem alta. Além de José Padilha passam pelos episódios o diretor brasileiro Fernando Coimbra (do estupendo “O Lobo Atrás da Porta”), o mexicano Guillermo Navarrro (diretor de fotografia de “O Labirinto do Fauno”) e o colombiano Andi Baiz (“O Quarto Secreto”). A música de abertura chamada “Tuyo” é também de um brazuca (Pedro Bromfman) e interpretada pelo eterno ex-Los Hermanos Rodrigo Amarante.

Ao que tudo indica “Narcos” será mais um sucesso da Netflix e mesmo se considerando os desgastes relacionados com a questão do idioma e das extensivas explicações do narrador, que podem (e devem) ser corrigidas na segunda temporada, ainda assim é um produto com diversas qualidades e que apresenta pelo menos três grandes episódios: “A Espada de Simón Bolivar”, “Haverá Futuro” e “La Catedral” (os de número 2, 5 e 9, respectivamente), sendo que nenhum dos demais é ruim ou deixa cair o ritmo. 

Nota: 7,0

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Assista ao trailer legendado: