quinta-feira, 18 de junho de 2015

"A Cidade Murada" - Ryan Graudin

Durante muitos anos existiu em Hong Kong uma determinada região da cidade chamada de Kownloon, conhecida como “cidade murada”. Anteriormente fortaleza militar da China, essa região sofreu vários desagravos, passando inclusive pela invasão do Japão na Segunda Guerra Mundial, o que resultou posteriormente em descontroles como a verticalização demasiada das moradias e o aumento da população residindo em um espaço tão pequeno (chegou a ser de 33 mil habitantes). Em 1994 o setor enfim foi desocupado e demolido pelo governo e deu lugar a um parque no final do ano seguinte.

A escritora americana Ryan Graudin (da série “All That Glows”, inédita no país) utilizou a história dessa área para construir o livro “A Cidade Murada” (The Walled City, no original) publicado em 2014 lá fora e que a Companhia das Letras através do selo jovem Seguinte lança agora aqui no Brasil. Com 400 páginas e tradução de Guilherme Miranda a obra não é uma ficção histórica, mas se apropria bastante das peculiaridades do lugar, dominado desde sempre por máfias e enxertado de assassinos, ladrões e outros tipos de criminosos no meio dos moradores comuns.

Neste cenário desolador onde é recomendável não confiar em ninguém e andar sempre armado, a escritora insere o adolescente Jin Ling, que se vira como pode dentro das vielas escuras e becos estreitos, mas que na verdade esconde um grande segredo que é a razão de viver em Hak Nam (como é denominada Kownloon no livro). No mesmo lugar está Mei Yee, uma jovem que foi vendida pelos próprios pais em uma fazenda do interior para servir em um bordel dominado pela Irmandade, um grupo de criminosos liderados com mão de ferro pelo feroz Longwai.

Em conexão direta com a Irmandade está Dai, um misterioso garoto que reside em Hak Nam há quase dois anos também escondendo segredos (o que é uma constante na narrativa) e cheio de culpa dentro de si. Pouco a pouco esses três nomes vão se correlacionando até que esteja montada uma aventura de fuga e de resgate na qual a família e o passado coordenam as atividades de um lado, enquanto do outro estão interesses egoístas e o desapego contra a humanidade em prol da ganância e da ambição como prioridades.

E assim se configura a trama de “A Cidade Murada”, que exibe muitas obviedades e lugares comuns já amplamente utilizados, enquanto busca agradar ao público que se destina - o que provavelmente consegue com sucesso - por mais que seja difícil imaginar que convença um leitor mais experiente. Como destaque positivo está o fato da autora expor sem melindres o desespero a que a região sucumbe no que concerne a criminalidade, vícios, drogas, prostituição e violência, sendo essa a maior virtude da obra.

Nota: 6,0

Site da autora: http://www.ryangraudin.com

terça-feira, 9 de junho de 2015

"O Cão do Sul" - Charles Portis

O cidadão tem 26 anos e ainda está sem rumo na vida. Já se dedicou a diversas coisas, porém, nunca foi muito longe em nenhuma delas. Apesar de uma inteligência de bom nível, essa falta de empenho, sejamos honestos, não conta muito pontos. O que é pior, ele não está muito preocupado com isso, pelo contrário. Até o dia em que sua mulher resolve fugir com outro cara. Bom, aí a coisa muda de figura e se faz necessário mexer o corpo para recuperar o amor perdido (nem tanto) e principalmente o carro utilizado para a fuga (um amado Ford Torino) e os cartões de crédito.

O carinha descrito acima é Ray Midge, personagem principal de “O Cão do Sul” (The Dog of The South, no original), livro do escritor estadunidense Charles Portis, famoso por “Bravura Indômita” de 1968, que gerou duas excelentes adaptações cinematográficas (uma em 1969 com John Wayne no papel principal e outra em 2010 com Jeff Bridges nessa posição). Lançado nos Estados Unidos em 1979, só agora esse pequeno clássico cult, ganha edição nacional através do selo Alfaguara da Editora Objetiva com 264 páginas e tradução de Renato Marques.

“O Cão do Sul” tem na essência a perseguição do protagonista atrás da amada saindo de uma pequena cidade do Arkansas, passando pelo México e terminando em Belize. Durante os quilômetros percorridos, o autor insere uma vasta quantia de personagens desconexos e surreais, além de situações que flertam com o absurdo e com a loucura, envolvendo todos os fatos em uma fina camada de humor negro e acidez, não deixando de sacanear quase ninguém no livro, além de atiçar conceitos fechados da cultura americana.

O próprio Ray Midge é um herói improvável, pois por mais que sua causa seja justa (recuperar a mulher e o carro), seus atos nem sempre são. De tendência conservadora e expondo frequentemente opiniões racistas e xenofóbicas, mesmo que pareça fazer isso sem querer, contrapõe isso com uma bondade guardada ali no coração que vez ou outra aflora fazendo o tomar decisões de cunho caridoso, sem que ele também não entenda muito as razões que o levaram a fazer isso.

Na história criada por Charles Portis em “O Cão do Sul” os personagens, via de regra, ou estão buscando alguma coisa (sem saber muito bem o que) ou estão envolvidos em suas próprias maluquices (sem saber muito bem o que estão fazendo). Em resumo, todos estão perdidos na América do final dos anos 70, sem saber ao certo onde devem aplicar o tempo que lhes resta aqui no mundo. É usando isso que o autor cria um livro não só engraçado e satírico, como também um trabalho crítico de comportamentos sociais, com muito cinismo enxertado na mistura.

Nota: 7,5

A Editora Objetiva disponibilizou um trecho gratuitamente para leitura, aqui