quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

E que venha 2015!

Salve, salve minha gente amiga,

Mais um ano chega ao fim e deixa para trás, como de costume, bons momentos para a cultura em geral. Tivemos trabalhos competentes na música, cinema, literatura, quadrinhos (em ascensão gigantesca) e televisão (séries, séries e mais séries). Como é o meu desejo habitual, que no ano que bate na porta esperando para entrar, isso aconteça em uma quantidade maior, afinal coisas boas são sempre bem vindas.

E sempre fazem bem.

2014 foi um ano ainda com o trabalho (aquele que paga as contas) intenso, porém o blog foi na maior parte do tempo atualizado constantemente. Os números de visitantes foram os maiores que já tivemos desde o início dessa empreitada em 2005, por isso deixo aqui o meu muito obrigado a todos que passaram aqui, concordando ou não com o teor dos textos. Aqueles que dedicaram uma parte do tempo para entrar no blog, agradeço de coração. Um abraço virtual em todos os leitores, amigos e colaboradores que fazem com que isso seja levado em frente dia a dia, apesar dos percalços e obrigações que a vida impõe.

Que neste último dia de 2014, possamos então repensar a vida, as nossas atitudes e o caminho que optamos em trilhar. Que as estradas que vamos pavimentar pela frente estejam repletas de realizações e alegrias e que ao construir essas novas estradas, nunca nos esqueçamos do compromisso único de fazer desse mundo um lugar melhor para as gerações futuras.

Sejamos bons. De gente ruim esse mundo anda cheio.

Isso é fundamental. E necessário acima de tudo.

Que em 2015 possamos honrar nossos sonhos como eles merecem. E sempre mais.

E que venha um grande ano por aí.

Paz Sempre.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

"O Cão Que Guarda As Estrelas" - Takashi Murakami

“O cão que guarda as estrelas” é uma expressão utilizada no Japão para descrever alguém que deseja algo impossível para si. A origem dessa expressão vem da imagem do cachorro, que sem motivo aparente, fica olhando longamente para o céu como se desejasse alguma estrela. Foi usando esse nome (“Hoshi Mamoru Inu”, no original) que o conceituado artista gráfico japonês Takashi Murakami intitulou seu primeiro mangá lançado em 2008 e agora publicado aqui no país.

A Editora JBC é a responsável por essa publicação em formato pequeno (14,8 x 21cm), 132 páginas e tradução de Denis Kei Kimura. Premiada no seu país de origem, como também nos Estados Unidos, a obra de Takashi Murakami virou filme na sua terra natal em 2011 pelas mãos do diretor Tomoyuki Takimoto, mas ainda não chegou no Brasil em nenhum formato oficial. O que é uma pena.

No livro conhecemos Happy, um cachorrinho que passa a fazer parte de uma pequena família composta por pai, mãe e filha, que é quem lhe dá o sugestivo nome. Com o decorrer do tempo logo se afeiçoa mais ao patriarca que o leva frequentemente para passear. Essa introdução ambienta os costumes e rotinas da família, assim como a personalidade de cada um. Anterior a essa introdução o autor mostra a polícia achando um carro com um corpo humano e outro canino.

Assim, logo no início do mangá já sabemos como a história vai acabar, então Takashi Murakami retroage para contar tudo desde o princípio, usando para tanto o olhar do cachorro, que serve como narrador e dá uma perspectiva completamente distinta para o álbum. “O Cão Que Guarda As Estrelas” é sobre amizade, companheirismo, sinceridade, solidão e simplicidade e usa para isso um homem que parece ter sido deixado para trás pela família, pelo trabalho e até por ele mesmo, pode-se afirmar.

Quando o pai descobre que tem uma grave doença e perde o emprego, a mulher lhe deixa e a filha passa a viver a própria vida. Assim, ele vende o que tem, coloca tudo dentro de um carro e resolve rumar para o sul, para o interior de onde veio, tendo como fiel escudeiro o cachorro Happy. Nessa viagem os dois fortalecem os laços e partem sem missões ou tarefas complicadas. São várias as analogias e conexões feitas com o dia normal de cada um, repassando mensagens despretensiosas por entre as páginas.

“O Cão Que Guarda As Estrelas” tem uma parte final subsequente ao achado do carro e a história de como ele chegou até esse ponto. Essa parte representada pelo agente social Okutsu que busca realizar o enterro do corpo e em descobrir se este é um indigente ou não, é um adendo mais emocionante ainda e fecha o livro com a famosa “chave de ouro”. Mesmo com um traço comum e sem floreios, Murakami compôs em 132 páginas uma obra que tem o poder de amolecer o mais duro dos corações (e sem deixar a pieguice tomar conta). 

Prepare o lenço.

Nota: 8,5

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

"Máquina de Armas" - Warren Ellis

John Tallow é um detetive que já está meio cansado de tudo. Não exibe mais o idealismo e nem a audácia de quando entrou para o Departamento de Polícia de Nova York. Prefere ignorar maiores complicações nas ruas da cidade e sempre que possível parar um pouco para ler um livro ou escutar um disco, já que a vida social é praticamente inexistente. Esse posicionamento, no entanto, muda quando seu parceiro James Rosato recebe um tiro na cabeça e morre dentro de um prédio antigo.

Nesse chamado que causou o assassinato, a dupla de policiais se deparou com um dos moradores completamente nu e transtornado envolvido a um desespero sem sentido aparente, que portando uma espingarda disparou o tiro fatal, sendo logo após também alvejado pelo detetive sobrevivente e morrendo. Na sequência, ainda sem saber muito bem o que aconteceu, John Tallow invade um dos apartamentos e se depara com uma imensidão de armas espalhadas por todos os cantos.

Esse é o mote inicial de “Máquina de Armas” (“Gun Machine”, no original), primeiro livro do britânico Warren Ellis a ser publicado no Brasil. O thriller policial com generosas quantias de suspense tem lançamento pela Editora Novo Século (em parceria com o site Omelete), 312 páginas e tradução de Cinthia Alencar. O escritor, um dos grandes nomes dos quadrinhos das últimas duas décadas e responsável por obras como “Transmetropolitan”, “Planetary” e “Frequência Global”, se arrisca também em um romance.

Depois dessa parametrização inicial, o detetive John Tallow percebe que todas as armas dispostas no quarto são referentes a casos não solucionados no período dos últimos vinte anos. Para conseguir desvendar esses crimes e com a cabeça a prêmio a todo momento ele conta com a ajuda de dois peritos forenses meio lunáticos chamados Scarly e Bat. O trio percorre a cidade e registros históricos atrás de um assassino mortal que também exibe suas próprias demências se vinculando a antigas histórias de povos nativos dos Estados Unidos.

Em “Máquina de Armas” percebemos as mesmas qualidades já vistas nos quadrinhos de Warren Ellis no que tange a frases cortantes, conversas sagazes e personagens repletos de suas próprias loucuras e excentricidades. Essa configuração amarrada a cidade de Nova York, mais precisamente a Manhattan, cria um livro que tem a qualidade de ser consumido rapidamente, sem desejo de se deixar para outra hora. Além disso, o trio principal de personagens funciona muito bem e exibe fôlego suficiente até mesmo para uma empreitada futura e isso representa talvez o maior elogio que pode-se fazer a essa boa trama.

P.S: Entre as boas tiradas do livro está uma simplesmente impagável com a banda Animal Collective. Vale conferir.

Nota: 7,0


Twitter do autor: http://twitter.com/warrenellis

terça-feira, 4 de novembro de 2014

“Boyhood – Da Infância à Juventude” - 2014

Assistir a “Boyhood – Da Infância à Juventude”, o novo filme do diretor Richard Linklater lançado recentemente é em determinados aspectos uma volta no tempo, considerando que hoje você esteja com seus 30 e tantos anos. Com roteiro também do diretor, o filme foi elaborado durante 12 anos (começou em 2002), sendo que a cada ano os atores reservavam alguns dias na agenda para se dedicar ao projeto (no total, foram menos de 2 meses de filmagem nesse período todo).

Nas 2 horas e 45 minutos do longa testemunhamos o crescimento de Mason Jr. (Ellar Coltrane, que começou as filmagens com 6 anos e terminou com 18), conjuntamente com a irmã Samantha (Lorelei Linklater, filha do diretor). Filhos de pais separados interpretados pela Patricia Arquette e pelo velho amigo Ethan Hawke, os jovens irmãos atravessam todas as agruras e satisfações de uma época tão definidora para a vida de cada um, tão formadora de caráter.

Essa pequena odisseia que ultrapassa tantos dias invade a escola, a troca de cidades, a mudança de amigos, o início da puberdade, as primeiras paixões e desilusões, a formatura do colegial, a saída de casa, a entrada na faculdade e todo um novo mundo se apresentando no horizonte próximo. Durante esse processo o roteiro pontua a importância das escolhas, as dúvidas sobre qual caminho tomar, a inconsequência de alguns atos e a transposição de prioridades.

Por isso que representa para quem já passou tem algum tempo dessa fase, um leve retorno para outros dias. Impossível não lembrar a própria vida quando o filme acaba e se identificar com certas situações vistas. Para quem ainda está nessa fase ou recém-saída dela o impacto de “Boyhood” tende a ser maior ainda, podendo ser devidamente enquadrado como o filme de uma geração. Não será surpresa se daqui a uma década pessoas de 20 e tantos anos apresentarem este como o “filme das suas vidas.”

Richard Linklater já merecia tranquilamente um lugar de destaque no cinema por conta da sua trilogia composta por “Antes do Amanhecer”, “Antes do Por-do-Sol” e “Antes da Meia-Noite”, mas dá para ousar dizer que agora ele foi mais longe. Por toda a forma que foi composto e pelos inspirados diálogos, “Boyhood” impressiona pela manutenção do foco e das linhas adotadas pelo roteiro, assim como pela atuação dos atores principais envolvidos desde o começo de toda essa grande obra.

Para deixar tudo ainda mais emocionante, a trilha sonora é exuberante e viaja pelos anos acompanhando a ideia central que faz o mesmo com fatos do esporte, política e cultura. Como pano de fundo sonoro (e coadjuvante em algumas passagens) temos nomes como The Flaming Lips, The Hives, Cat Power, Wilco, Foo Fighters e Black Keys além dos brazucas Luísa Maita e Moreno Veloso e uma fantástica história sobre um tal “Black Album” dos Beatles.

Em “Boyhood”, Richard Linklater acertou mais uma vez. Palmas para ele.

Nota: 9,5

P.S: Sobre a história do tal “Black Album”, passe aqui e veja mais sobre ela.

Assista a um trailer legendado:

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

“Video Games: O Filme” - 2014

É cada vez maior o número de pessoas que já utilizaram algum jogo eletrônico na vida. Isso inclui desde aqueles que jogavam Atari nos anos 70/80 até os que jogam hoje em consoles de última geração passando por toda uma gama de pessoas que na tela do computador ou do celular se divertem em algum joguinho gratuito, simples e viciante. O mundo dos games nunca foi tão vasto, tão rico e tão presente como nos dias atuais e a sua evolução é cada vez mais acentuada.

“Video Games: O Filme” (“Video Games: The Movie”, no original) é um documentário lançado esse ano (está disponível no Netflix) e ambiciona mostrar essa evolução. Dirigido e escrito por Jeremy Snead em seu primeiro longa-metragem, conta com a narração de Sean Astin (o eterno Sam de “O Senhor dos Anéis”). Divide-se entre animações dos jogos e depoimentos de notáveis do ramo como Nolan Bushnell, co-fundador da Atari (junto com Ted Tabney), além de entusiastas como o ator Zach Braff e o escritor Ernest Cline (de “Jogador No. 1”).

O documentário foca principalmente nos jogos para consoles e atravessa as décadas indo e voltando sem muita preocupação. Volta lá atrás nos anos 60 para o jogo que é considerado o primeiro de todos, o “Spacewar”, elaborado no MIT por Steve Russell para jogar em um computador chamado PDP-1. Fala do clássico “Pong” e outros tão clássicos quanto ele como “Space Invders”, “Pac-Man”, “Zelda” e “Asteroids”. Fala também de empresas como a Sega e a Nintendo e consoles como o Playstation e Xbox.

“Video Games: O Filme” acerta bem quando focaliza no mercado dos games, no poder financeiro oriundo deste e dos milhões gastos anualmente com inovação. Faz-se destacar que esse mercado aprendeu com a crise da metade dos anos 80, quando houve uma saturação e uma oferta muito maior que a demanda culminando no histórico caso das milhares de cópias do jogo baseado no filme “E.T” arremessadas em lixões nos Estados Unidos.

Acerta também quando invade a área da cultura geek, dos torneios de games, das feiras, do relacionamento com os fãs e principalmente na mudança de panorama social para quem joga. No final tenta apontar um caminho (ainda que sem muito êxito) para onde os videogames estão indo e o que esperar daqui a 10, 20 anos. Interatividade total? Cenários futurísticos de inserção física ou mental? São perguntas que ficam no ar, apenas com a certeza de que o mercado não deixará de avançar e já se mostra mais que consolidado.

Porém, “Video Games: O Filme” peca também em vários aspectos. O primeiro é olhar principalmente para os consoles e esquecer outras plataformas, um erro grave para um documentário que visa traçar um cenário amplo e irrestrito. Segundo, os depoimentos são sempre a favor, sempre com coisas positivas e números que favorecem os games. Em uma narrativa imparcial isso deveria ser feito de outra maneira. Mesmo assim, vale para quem quer entender mais desse universo já enraizado nos nossos tempos.

Nota: 6,0

Textos relacionados no blog:

- Literatura: “Jogador No. 1” – Ernest Cline

Assista a um trailer:

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

"Miss Violence" - 2014

A crise financeira que o mundo atravessou em 2008 deixou sérios danos em várias nações. A Grécia foi uma dessas nações e em 2010 teve um agravamento das consequências desse período e navegou em uma nova crise que resultou em pedido de ajuda bilionário para a União Europeia, além de medidas internas cortando gastos públicos, aumentando impostos e instituindo reformas diversas. É esse país que serve de ambiente para o filme “Miss Violence” que estreou esse ano no país, porém é de 2013.

“Miss Violence” é um filme grego de 98 minutos dirigido por Alexandros Avranas (de “Without”), que também assina o roteiro em parceria com Kostas Peroulis. O longa teve uma boa passagem em festivais ano passado, sendo premiado em alguns como o de Estocolmo (melhor roteiro) e Veneza, que deu a Alexandros Avranas o prestigiado Leão de Prata de melhor direção, além da premiação de melhor ator para Themis Panou. A película também passou por aqui antes de ir para o circuito comercial na 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

A cena de abertura do filme é uma festa de aniversário para uma garota de 11 anos que com a família dança meio desajeitada ao som de “Dance Me To The End Of Love” do Leonard Cohen. Logo na sequência essa mesma jovem com um leve sorriso nos lábios se dirige a sacada do apartamento e salta para a morte, causando assim um choque inicial ao espectador que apresenta nos primeiros cinco minutos o que pode-se esperar dali em diante. A câmera faz uma pequena viagem até mostrar o corpo da menina estendido em meio a muito sangue.

A família retratada é composta por Themis Panou, que faz o papel de chefe dessa casa também habitada pela esposa, duas filhas, um neto e uma neta. Após o suicídio, a preocupação passa não somente pela tragédia em si, mas também pelo fato da diminuição da renda familiar que sofrerá um abatimento do benefício dado pelo governo. No cenário difícil em que o país se encontra isso realmente pesa para o personagem de Themis Panou. Junte-se a isso uma nova gravidez da filha mais velha (de pai desconhecido como os anteriores) e o medo do serviço social cortar todos esses benefícios.

Esse panorama primário aponta para um drama de sobrevivência, mas nem de longe é possível imaginar o rumo que a trama percorrerá e a quantidade de sordidez que será demonstrada na tela. A câmera de Alexandros Avranas opta em muitos enquadramentos e cenas com poucas palavras e assim apresenta uma família sufocada vivendo entre o medo, a conivência e a falta de opção. O roteiro é elaborado com o intuito de provocar, isso fica bastante claro devido as opções tomadas na parte final, contudo isso não é gratuito e condiz muito bem com a dosagem gradual que o nível de brutalidade vai se apresentando.

As decisões tomadas pelo personagem de Themis Panou não são justificáveis em momento algum, nem pela crise existente, já que essas decisões são tomadas há muitos anos. “Miss Violence” é duro, frio e isento de moralidade. É um filme que agride e causa desconforto a quem assiste. Guarda comparações com trabalhos como “Old Boy” do sul coreano Park Chan-Wook, não pela temática envolvida, mas pelo grau de desumanidade exercida. O longa de Alexandros Avranas é mais um exemplo do bom momento que vive o cinema grego e revela um promitente cineasta.

Nota: 8,5

Assista ao trailer oficial (não achei legendado em português):

terça-feira, 28 de outubro de 2014

“O Quinto Beatle – A História de Brian Epstein” - Vivek J. Tiwary, Andrew C. Robinson e Kyle Baker

Quem foi o quinto beatle? Stuart Sutcliffe, o amigo de John Lennon que tocava baixo nos primórdios da banda e faleceu misteriosamente em 1962? George Martin, o produtor que foi fundamental nos discos do quarteto? Pete Best, o primeiro baterista do grupo que saiu em 1962 para a entrada de Ringo Starr? Bom, para Paul McCartney, não foi nenhum desses. Em 1999 ele afirmou que “se existiu o quinto beatle, ele foi o Brian”.

O Brian em questão é Brian Epstein, nascido em Liverpool em 1934 e falecido em 27 de agosto de 1967, que de gerente de uma conceituada loja de discos chamada NEMS, passou para empresário dos jovens garotos ingleses que sob o seu comando conquistariam o mundo e ficariam para sempre marcados na história da música dali em diante. Brian Epstein foi essencial para esse sucesso e em 10 de abril desse ano entrou para o Hall da Fama do Rock And Roll na categoria de Não Artista.

Para os conhecedores da história dos Beatles a importância de Brian Epstein já é devidamente reconhecida, todavia ainda faltava uma obra recente que deixasse isso mais claro e cobrisse principalmente a sua vida pessoal de maneira mais abrangente. Mesmo facilmente correlacionado com adjetivos como visionário e empreendedor, ele tinha sérios problemas de confiança e amargava um profundo deslocamento social. Era judeu (ainda com a segunda guerra viva no cotidiano) e homossexual (quando essa opção era crime na Inglaterra).

“O Quinto Beatle – A História de Brian Epstein” foi lançada pela Editora Aleph esse ano e adiciona na balança esses dois lados: o idealismo e a insatisfação pessoal. O roteiro de Vivek J. Tiwary (escritor de espetáculos de sucesso da Broadway em sua primeira aventura nos quadrinhos) contorna isso de maneira satisfatória e começa mostrando um pouco da vida anterior do empresário, suas predileções e medos, passa pela maneira que ele conheceu os Beatles, o primeiro show visto no lendário Cavern Club, até chegar ao estrelato e ao reconhecimento mundial.

Vivek J. Tiwary usa de uma livre narrativa para apoiar fatos da vida do personagem principal e adiciona tons poéticos e fantasiosos que juntos com a bonita e esperta arte repleta de cores e variações de estilo dão um resultado interessantíssimo ao álbum. Essa arte que durante quatro anos foi trabalhada por Andrew C. Robinson (Starman) e Kyle Baker (O Sombra) resplandece em boa parte das 168 páginas espalhadas em formato grande (31 x 21cm). O resultado é uma das mais bonitas graphic novels dos últimos anos.

“O Quinto Beatle – A História de Brian Epstein” apresenta vários textos como adendos e esboços comentados dos artistas, assim como explicações dos direcionamentos utilizados pelo próprio autor que deixou alguns fatos de lado para compor a narrativa, o que não chega a ser problema, pois se referem a pequenas licenças. Licenças que geram momentos interessantes como a conversa de Epstein com Ed Sullivan (apresentador de tevê) ou com o Coronel Parker (empresário de Elvis Presley) e mostram uma vida profícua amarrada entre a alegria e a dor, entre a felicidade e a angústia, ainda que muito curta.

P.S: Brian Epstein faleceu aos 32 anos depois do lançamento do clássico “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” e não viu os “seus garotos” caminharem para o final da banda, como também não presenciou as disputas que se seguiram.

Nota: 9,0

Textos relacionados no blog:

- Quadrinhos: “O Pequeno Livro dos Beatles” – Hervé Bourhis
- Shows: Paul McCartney – Estádio do Morumbi(SP) – 21.11.2010

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

"Gilberto Bem Perto" - Gilberto Gil e Regina Zappa

Gilberto Gil é uma entidade única na música brasileira, isso não tem muito como se discutir. Independente do fato de se apreciar ou não a música do baiano, sua relevância e influência é uma certeza. Político, pop, regional, musical, esotérico, visionário, apaixonado, contestador, polêmico, conflituoso, global. São algumas das referências que podem ser direcionadas a sua personalidade, que assim como as frases que profere atingem níveis extremos entre determinado ponto de vista e outro radicalmente oposto, mas de alguma maneira, complementar.

No ano passado a Editora Nova Fronteira colocou no mercado uma biografia com 400 páginas, que anteriormente estava prevista para ser publicada em 2012 a fim de comemorar os 70 anos de vida do artista. “Gilberto Bem Perto” é uma biografia autorizada escrita pela jornalista Regina Zappa (a mesma de “Para Seguir Minha Jornada” sobre Chico Buarque), em parceria com o retratado. Tem a missão de cobrir uma trajetória bem extensa, repleta tanto de percalços quanto de glórias e conquistas.

Gilberto Gil é múltiplo, mutável. Como bem disse um de seus filhos referenciado uma grande canção dele, Gil é como um abacateiro, que amanhece tomate e anoitece mamão. Essa diversidade de pensamento e de direcionamento, talvez seja a parte mais complexa para se cobrir em um livro sobre sua vida e trabalho. Em bom percentual, Regina Zappa consegue abranger isso, porém deixa muito a desejar em outros aspectos, principalmente no que tange as polêmicas e equívocos, sendo o tom sempre superficial e bastante parcial.

Isso logicamente passa pelo fato de ser uma biografia autorizada ditada pelo próprio Gil e complementada com depoimentos de amigos e contemporâneos como Caetano Veloso, Hermano Vianna, Rita Lee, Jorge Mautner, Fernanda Torres e José Miguel Wisnik. A redundância de temas também incomoda, como no capítulo “Gil a Mais” em que várias coisas já mencionadas ganham nova redação (um pouco diferente) adicionadas a trechos de discursos proferidos em momentos específicos quando era Ministro da Cultura do Presidente Lula.

“Gilberto Bem Perto” é pela parcialidade já citada, e por ser mais ou menos leve e sempre benigno, uma biografia mais indicada para quem conhece pouco sobre a vida e trabalho do artista. É como um extenso perfil feito pela assessoria de imprensa pessoal em várias partes, mas serve para mostrar o menino que desde muito pequeno já dizia para a mãe que queria ser “musigueiro” e que da Bahia pegou régua e compasso para encantar o mundo, com sua forma especial de tocar violão e maneira peculiar de enxergar as coisas.

O livro narra a infância no interior da Bahia, a ida para Salvador e depois para São Paulo já formado em administração de empresas para trabalhar na Gessy Lever, sendo preparado para o mundo executivo até desistir de tudo e escolher a música. Narra a influência primordial de Luiz Gonzaga, a descoberta de João Gilberto e depois de Beatles, Jimi Hendrix, Jackson do Pandeiro, Bob Marley e tantas outros. Narra a relação extraordinária com Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia, Elis Regina e Jorge Mautner. Narra o tropicalismo.

E como toda biografia (mesmo as não tão boas) apresenta alguns ótimos casos, como a composição de “Aquele Abraço” e de “Drão”, como também a primeira vez que Baden Powell o viu tocar, dizendo imediatamente para Edu Lobo que estava ao lado a seguinte frase: “olha outro diferente aí”. Sim, Gil é diferente e “Gilberto Bem Perto” demonstra um pouco disso. Algo que se sobressai bem na obra é quantidade de fotos espalhadas pelas páginas tanto em preto e branco como coloridas, oriundas de várias fases da carreira.

O parceiro, poeta e letrista Torquato Neto disse certa vez que “há várias maneiras de se cantar e fazer música brasileira. Gilberto Gil prefere todas.” Nada mais definidor. Por isso, ele merecia um retrato melhor, mais completo e neutro. Porém, biografias autorizadas não tendem muito a essa neutralidade, infelizmente. E Gil, sendo o Ministro da Cultura que ficou marcado pelo Creative Commons, paradoxalmente se envolveu com o trágico movimento “Procure Saber” que em linhas gerais versa sobre a proibição de biografias não autorizadas. Talvez, só talvez, se assim este “Gilberto Bem Perto” fosse composto teria um resultado final melhor, fazendo jus ao cracaço que Gil foi (e é) dentro da música.


Nota: 6,0

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

"Justiceiro Noir" - Frank Tieri, Paul Azaceta e Antonio Fuso

A vingança é uma espécie de justiça selvagem, escreveu o filósofo e escritor inglês Francis Bacon em meados do século XVII. Essa frase pode ser tranquilamente direcionada a Frank Castle, mais conhecido como Justiceiro, um dos personagens mais controversos dentro do Universo Marvel. Vingança é o que moveu inicialmente esta ambígua figura que depois a converteu em um deturpado senso de honra e de justiça, que inegavelmente o transforma em um clássico anti-herói.

Criado nos anos 70, o Justiceiro percorreu altos e baixos nos quadrinhos, mas mesmo assim se tornou uma peça importante do mundo a que pertence. Entre outubro de 2009 e janeiro de 2010, a Marvel também resolveu incluí-lo dentro da série intitulada “noir”, onde nomes como X-Men, Homem-Aranha, Homem de Ferro e Demolidor (o melhor resultado obtido) já haviam marcado presença. A Panini Comics publicou aqui no ano passado um encadernado juntando as quatro edições no ano passado, usando o mesmo molde dos demais.

A trama criada por Frank Tieri (Wolverine, The Darkness) atravessa as décadas de 1910, 1920 e 1930, mas se desenvolve realmente em 1935 na cidade de Nova York. Usa personalidades verdadeiras do período para dar mais substância a história do jovem que perde o pai e com o decorrer do tempo passa a percorrer criminosos sem perdão, a fim de vingar essa morte. Assim como uma novela transmitida na cidade pelo rádio sai pelas ruas caçando crimes e bandidos, tudo isso envolto a uma atmosfera sombria habilmente criada por Paul Azaceta e Antonio Fuso.

Quem já está habituado as histórias de Frank Castle não gostará tanto de “Justiceiro Noir” (a não ser que seja um fanático). Mesmo com a utilização dos vilões Retalho, Russo e Barracuda para uma melhor ambientação, o roteiro de Frank Tieri é confuso, pouco violento (para os padrões do protagonista) e não explora tanto alguns pontos fortes do personagem como a confiança e a audácia. Para novatos talvez agrade mais, até mesmo por conta da formidável arte que resulta na melhor parte desta minissérie.

Nota: 5,5

Textos relacionados no blog:

- Quadrinhos: “Demolidor Noir” – Alexander Irvine, Tomm Coker e Daniel Freedman

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

“A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves” - Joca Reiners Terron

Um escrivão de polícia sexagenário, solitário, insone, acima do peso e cheio de manias e devaneios, que depois de um relacionamento fracassado e de um tempo vivendo no exterior, mora agora com o pai, um judeu que chegou ao Brasil antes da segunda guerra, casou com uma negra (para cólera geral da sua comunidade) e montou uma mercearia para sustento da família, mas, que neste momento, sofre de demência e precisa de cuidados. Esse escrivão é o narrador do romance “A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves” do cuiabano radicado em São Paulo, Joca Reiners Terron.

Lançado ano passado pela Companhia das Letras esse é o sexto romance do escritor e apresenta 176 páginas. O título, por si só, já chama bem a atenção, mas isso não é exatamente uma novidade para o autor, é só dar uma olhada nos seus livros anteriores. Nessa obra específica ele mistura suspense, literatura policial e um bom quinhão de terror dentro da capital paulista, em sua maior parte no tradicional bairro do Bom Retiro, um bairro grande, com forte característica comercial (é lá que fica a famosa rua José Paulino) e multicultural, com coreanos, judeus, gregos e bolivianos transitando pelas ruas.

A narrativa de Joca Reiners Terron continua perseguindo o não convencional, o incomum. E em “A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves” essa opção obtém um elevado resultado, podendo até ser classificado como o melhor livro da carreira. Personagens curiosos são criados, como o escrivão, além de um deslocado jovem entregador de mercadinho, um taxista apaixonado por cães de um modo violento e irracional e, o principal destaque, a Sra. X que cuida dentro de uma casa quase abandonada de uma pequena pessoa (denominada como “criatura”) que vive com todas as partes do corpo cobertas para esconder a aparência.

Do outro lado deste exótico universo imaginado (separado, porém ao mesmo tempo ligado), está o animal que empresta o nome ao título e vive no zoológico paulista. Um animal solitário (assim como o narrador), mortífero, repleto de folclore e lendas ao seu redor, em risco constante de extinção e tendo como habitat natural uma região bem diferente da nossa. E que passa por uma situação bem delicada.

A maneira que Joca Reiners Terron une essas figuras tão peculiares e esses dois cenários distintos (quando analisados friamente) é louvável e muito hábil. Ali escondido no meio das frases também insere leves críticas ao preconceito, a xenofobia, a mesquinhez humana e a sociedade de modo geral, principalmente no trato aos viciados em crack. Isso, somado não só ao fato de sair alguns (bons) passos longe do usual, como também por deixar a trama em um constante crescimento, faz da obra algo bem recomendável.

Nota: 8,5

Twitter do autor: http://twitter.com/jocaterron

Textos relacionados no blog:

- Literatura: “Do Fundo do Poço Se Vê a Lua” – Joca Reiners Terron

domingo, 5 de outubro de 2014

"Diário de Inverno" - Paul Auster

A cada ano que passa percebe-se que fica mais comum para cada um se pegar pensando na idade, no passar do tempo, nas escolhas feitas e no que ainda virá pela frente. Mesmo aqueles que enxergam sempre o futuro, tendem a pelo menos durante um breve momento tecer considerações mentais sobre esses temas, essas questões. É normal, é inerente ao processo de envelhecer. Em maior ou menor proporção isso acontece ou acontecerá no devido período (para aqueles que ainda são muito jovens).

O escritor Paul Auster passou incisivamente por isso em 2011, então com 64 anos, e o resultado foi mais um livro em uma admirável carreira. Esse livro é “Diário de Inverno” (Winter Journal, no original) que foi publicado nos Estados Unidos em 2012 e ganha agora edição nacional pela Companhia das Letras. O trabalho tem 214 páginas e tradução de Paulo Henriques Britto e mostra um autor completamente tranquilo em se despir plenamente, em se desnudar sem medo na frente do público.

Para quem já conhece livros anteriores do autor, “Diário de Inverno” tem sentido em explicar agruras, realizações e fatos marcantes da sua vida. Para quem ainda não leu nada escrito por ele (uma lacuna que necessita ser preenchida, cabe ressaltar), o livro é uma declaração poética, gradualmente bem-humorada e com uma boa carga de dor e de arrependimento que serve para validar toda uma existência, como também é uma reflexão sobre o envelhecimento, sobre a afirmação de certezas e o surgimento de dúvidas.

Paul Auster já havia feito algo do tipo em seu primeiro livro de prosa publicado em 1982, nomeado “A Invenção da Solidão”. Nele, refletia sobre o pai (e seu falecimento) e sobre o filho, além de outros ensaios. Nessa nova coleção de memórias o foco se concentra mais na mãe e na esposa (a também escritora Siri Hustvedt). Para isso regressa a infância e passa por baques, quedas e cicatrizes dessa época da mesma maneira que viaja para episódios mais recentes como o acidente de carro em 2002 que quase vitimou a esposa e a filha com ele ao volante (e que o atormenta até hoje).

A maneira encontrada para contar esses fatos reais é como se o autor estivesse conversando consigo mesmo, como em um exercício de meditação e ponderação. Um estilo que pode até sugerir ficção se o leitor se descuidar um pouco. Paul Auster aborda levemente questões como preconceito, aborto e política, acrescentando a isso suas experiências pessoais. Experiências que passam igualmente pela virgindade perdida no Queens, pela época em Paris nos anos 70 convivendo entre o amor e as prostitutas, pela carreira de diretor de cinema, além dos diversos lugares em que morou (mais de 20) e que rememora de maneira bem distinta e amável durante as páginas da obra.

O que impressiona em “Diário de Inverno” não é somente a costumeira destreza que o autor tem em posicionar palavras no papel, mas a escolha em transportar de modo bem peculiar histórias pessoais e visões sobre si mesmo, como essa: “uma pessoa perfeita e machucada, um homem que tem uma ferida aberta dentro de si desde o início (senão, porque teria passado toda a vida adulta sangrando palavras numa página?)”

O tempo não compra passagem de volta, Paul Auster sabe disso, e apesar da finitude da vida lhe assustar vez ou outra, ele transforma isso em mais um bonito livro e mostra que no seu caso a velhice está longe de ser um naufrágio.

Nota: 8,5


Textos relacionados no blog:

- Literatura: “A Trilogia de Nova York” – Paul Auster

- Literatura: “Sunset Park” – Paul Auster

sábado, 4 de outubro de 2014

"The Rover - A Caçada" - 2014

O diretor australiano David Michôd provocou uma ótima primeira impressão na sua estreia em um filme de ficção. “Reino Animal” de 2010 é um trabalho intenso, potente, com muita tensão inerente e um teor de desalento na violência embutida. Chegou até mesmo a levar uma (merecida) indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. “The Rover – A Caçada” (somente “The Rover”, no original) é a película após essa estreia e dessa vez além da direção, o roteiro também é de autoria dele.

O roteiro é adaptado de uma história do ator Joel Edgerton (de “Guerreiro” e que trabalhou com o diretor em “Reino Animal”) e se ambienta em um mundo levado a bancarrota quase plena dez anos antes. O motivo que levou a essa quebra não é explicado no longa, não se sabe realmente as suas razões. Mas é nesse cenário que se inicia o filme e é nele que encontramos Eric (Guy Pearce de “Amnésia”, e que também havia trabalhado anteriormente com Michôd), tomando um café em uma birosca praticamente no meio de um deserto.

Com um olhar que mistura cansaço, desânimo e tédio, Eric ouve seu carro sendo roubado do lado de fora. Quando chega correndo ao local o trio comandado por Henry (de “Argo”) já segue estrada adiante. No entanto, a picape que eles deixam para trás dá para ser utilizada, apesar de ter sofrido um acidente. Assim, a perseguição que dá nome ao filme tem seu começo, deixando no ar a pergunta lógica e clara de porque Eric foi atrás do carro, já que o outro funcionava também. Uma pergunta que será respondida só no final e não de modo muito satisfatório.

Durante a perseguição, entra no caminho do personagem principal o irmão de Henry, Rey (Robert Pattinson, o ídolo teen da saga “Crepúsculo”) todo quebrado e machucado. Ele se junta nessa caçada pelos próprios motivos, lá não tão inteligentes. Com uma paisagem desértica impressa durante os pouco mais de 100 minutos do filme, “The Rover – A Caçada” apresenta figurantes destroçados, sujos, com medo e pânico instalado nos rostos. De outro lado, insere uma força de segurança (militares? mercenários contratados?) que não está nem aí para a situação e só quer fazer a obrigação que lhes foi passada e receber o dinheiro.

Em “The Rover – A Caçada” fica nítido o talento de David Michôd para situações de violência, situações em que o limite humano já foi ultrapassado e não há mais lugar para tolerâncias e compaixões. No entanto, apesar da boa atuação de Guy Pearce e de Robert Pattinson (esse mostrando que pode ir além do que já conquistou em termos de qualidade), o filme não consegue deslanchar, nem surpreender de fato o espectador. O ritmo lento e compassado usado para contrapor a brutalidade em cena prejudica mais do que ajuda e transforma a obra em um trabalho bem inconstante.

P.S: O filme já está disponível em DVD.

Nota: 6,5

Textos relacionados no blog:
- Cinema: “Reino Animal” - 2010

Assista a um trailer legendado:

terça-feira, 30 de setembro de 2014

“Rising Stars: Estrelas Ascendentes - A Saga Completa” - J. Michael Straczynski e vários artistas

“Rising Stars é uma história que trata de esperança. De uma esperança acalentada por todos nós, a fé na existência de um mundo melhor. Um mundo que pode ser alcançado pela mera percepção que é possível alcançá-lo se trabalharmos juntos para esse fim”.

O trecho acima foi retirado do posfácio de “Rising Stars: Estrelas Ascendentes – A Saga Completa”, encadernado que a Mythos Editora - através do selo Mythos Books - lançou aqui no final do ano passado, mas que verdadeiramente só começou a ter uma melhor circulação em 2014. Esse fragmento evidenciado foi escrito pelo artista Brent Anderson (de “Astro City”) que trabalhou na parte final da obra idealizada por J. Michael Straczynski.

Publicada genuinamente nos Estados Unidos pela Top Cow em 24 edições entre agosto de 1999 e março de 2005, a série também ganhou um encadernado por lá que é onde esta edição nacional se baseia. Aqui no Brasil a Panini Comics já havia publicado toda essa pequena epopeia em 13 edições entre outubro de 2006 e outubro de 2007 (com direito a uma edição inicial repleta de extras). O autor que criou a série televisiva “Babylon 5” e depois se transferiu para os quadrinhos (Homem-Aranha, Quarteto Fantástico, Superman), assim como para o cinema como roteirista (“Thor”, “A Troca”), tem em “Rising Stars” o seu grande momento na nona arte.

A edição nacional da Mythos é primorosa. São 616 páginas com texto introdutório de Neil Gaiman e uma galeria final de capas e esboços (faltaram só os extras promocionais para revistas como a Wizard, mas isso é o de menos). Apesar do alto valor de capa proposto (R$ 134,90) é o tipo de investimento com custo-benefício garantido para quem gosta de quadrinhos e de boas histórias. Mas, porque isso? Simples, porque “Rising Stars” é uma história sensacional concebida de maneira completa, totalmente amarrada do início ao fim. Porque J. Michael Straczynski usa de vários recursos já imaginados anteriormente, mas usa isso de maneira ímpar criando assim uma nova percepção.

No enredo inicial somos apresentados a 113 pessoas que quando ainda estavam na barriga das mães ou quando estavam sendo geradas são afetadas por uma força desconhecida, um clarão que lhe confere poderes extraordinários (ecos aqui com séries de tevê como “4400” e “Heroes”). Ao nascerem esses dons começam a ficar visíveis e logo o governo os tranca em um acampamento para saber do que essas crianças são capazes, e lógico, saber como tirar proveito disso. Por causa de uma medida judicial o governo se vê obrigado a liberar todos depois de jovens, mesmo a contragosto e sem fazer todos os testes que queriam fazer.

Nesse primeiro momento o que autor apresenta é uma história de formação com laços sendo criados, caráteres sendo constituídos, medos sendo superados, rejeições sendo sentidas e inadequações sociais sendo suprimidas. Do outro lado, os interesses da família e dos donos do poder. Dividido em três atos (“Nascidos na Chama Estelar”, “Guerra de Titãs” e “Deuses e Monstros”), mas sem muito respeito da continuidade temporal, a narrativa vai delicadamente amarrando cada pequeno diálogo e cada pequena imagem, com aquilo que se verá adiante e resultará no ápice da trama.

Denominados como os “Especiais de Pederson” essas pessoas caminham pelas mais diversas áreas em busca de dinheiro, sexo, poder, heroísmo, fama, altruísmo ou vilania. E é dentro desse cenário que “Rising Stars” apresenta seus dois aspectos mais diferenciados. Primeiro, o roteiro realmente foca na maior carga de realidade possível caso isso acontecesse. Não há floreios ou fantasias desnecessárias. Segundo, os personagens idealizados, mesmo aqueles que aparentam ser os mais nobres, tem seus próprios demônios, suas próprias dúvidas, suas próprias ambições pessoais. Isso traz à tona uma maciça carga de ambiguidade que não abre muito espaço para definições simplórias entre certo e errado.

Muito se compara “Rising Stars” a outra obra fenomenal dos quadrinhos que é “Watchmen” do Alan Moore, porém tirando o ponto de partida (o assassinato de um dos especiais) e a inserção de uma carga de veracidade acentuada, pouco sobra nessa confrontação. Até porque o caminho que J. Michael Straczynski usa é outro, a redenção se apresenta em um viés totalmente diferente. Pode-se até afirmar que esta outra estrada adotada consegue até mesmo ir além que “Watchmen” em certas nuances, como a intensidade das conspirações envolvidas, o desgaste emocional dos personagens e principalmente o retrato da sociedade quando confrontada por adversidades.

O único ponto um pouquinho menor de “Rising Stars” é a arte como um todo. Não que afete drasticamente o resultado final, longe disso, mas ela é apenas comum, nada além, o que se comparado ao roteiro acaba ficando desigual. Vários artistas passaram pelas revistas, mas foram Christian Zanier e Brent Anderson que fizeram mais edições. Na questão conceitual tudo é bem resolvido, com experimentações de quadros e inserções de textos pelo meio, o problema é mesmo o traço, que aparece muito trivial em algumas passagens. Porém, como já afirmado, nada que desabone a série.

“Rising Stars: Estrelas Ascendentes – A Saga Completa” de J. Michael Straczynski é sim uma história de esperança, uma história de um mundo melhor possível, mas é muito mais do que isso. É uma história sobre crescimento, escolhas, traições, amores, mudanças, arrependimentos, sacrifício e abnegação. É uma obra que merece plenamente receber os adjetivos de essencial, de obrigatória. Nada mais justo.

P.S: “Rising Stars” daria um filme excelente na mão de um bom diretor. Uma trilogia poderosa. Os direitos chegaram a ser vendidos para a MGM e boatos rolaram, mas nunca passou disso. Uma pena, pois o material se encaixaria perfeitamente no cinema.

P.S (mais um): A Mythos também lançou um encadernado de “Midnight Nation” do Straczynski. Outra obra do autor que vale a pena conhecer.

Nota: 10,0

Twitter do autor: http://twitter.com/straczynski 

domingo, 28 de setembro de 2014

"O Rei de Amarelo" - Robert W. Chambers

No primeiro semestre desse ano a editora Intrínseca lançou uma nova edição de “O Rei de Amarelo” no mercado. A obra escrita por Robert W. Chambers foi publicada pela primeira vez em 1895, mais de 100 anos atrás. O livro de contos que ganhou admiradores e fãs durante o passar dos anos voltou novamente a ser falado por causa da série “True Detective” da HBO, onde o roteirista Nic Pizzolatto se declarou um apreciador dos textos e colocou no corpo da produção televisiva alguns nomes comuns a esta como “O Rei Amarelo” e “Carcosa”.

No total são 10 contos, com os quatro primeiros habitando um universo fantástico e imaginativo e os dois do meio servindo como uma espécie de ponte para o quarteto final, que por sua vez já entra em um mundo mais real e crível, mesmo que de alguma forma o autor escolha fazer leves ligações entre essas duas partes bem distintas. Nas 256 páginas traduzidas por Edmundo Barreiros o leitor é apresentando a esse pequeno ícone da literatura gótica, aliada ali ao sobrenatural e ao terror cósmico. A edição da Intrínseca obedece a sequencia original dos contos, ao contrário de outras publicações anteriores.

O néctar de “O Rei de Amarelo” está na primeira metade, nos cinco primeiros contos, e depois da leitura percebem-se as razões da estima de nomes como Neil Gaiman (o conto “A Demoiselle d’Ys” explica bem isso) e o mestre do terror H.P. Lovecraft (talvez a inspiração para o “Necromicon” tenha nascido aí). Nesse quinhão da obra é apresentado um livro (na verdade, uma peça teatral) que enlouquece ou transforma consideravelmente aqueles que o leem, principalmente o segundo ato. Não é permitido ao leitor saber muito sobre esse exemplar e em cima disso se constrói todo seu poder.

Robert W. Chambers nasceu no Brooklyn e faleceu em Nova York em 1933. Durante um tempo estudou na Académie Julian em Paris, cidade que habita a maior parte dos seus contos. Era além de escritor, também pintor e ilustrador, o que explica sua predileção por inserir vários personagens com esses atributos no trabalho. Inspirado por nomes como Oscar Wilde, Ambrose Bierce e Edgar Allan Poe, os contos utópicos e densos lhe deram respeitabilidade, mas foi escrevendo romances piegas de valor literário quase nenhum que fez o dinheiro que lhe permitiu viver de modo confortável.

A quadra primária de contos formada por “O reparador de reputações”, “A máscara”, “No Pátio do Dragão” e “O Emblema Amarelo” é efetivamente formidável. O horror em relação ao que não se conhece marcha com duras passadas escondido nas palavras e diálogos. A ambientação dos lugares é bastante rica em detalhes e funciona como mais um adendo para as histórias de loucura, medo e apreensão. Já os contos finais batizados informalmente como “quarteto das ruas” (pois todos levam nomes de ruas), estão um degrau abaixo, talvez pelo fato de serem mais concretos, mesmo sendo melhores escritos que aqueles da abertura.

A edição de “O Rei de Amarelo” que a Intrínseca disponibiliza é muito cuidadosa. Além de respeitar a formatação original como já dito acima, traz ainda uma longa introdução do jornalista e escritor Carlos Orsi. Essa abertura é rica e bem elaborada e serve perfeitamente para inserir o leitor no mundo de Robert W. Chambers, como também no mundo do final do século XIX onde foi gerado. Os contos também trazem pequenas notas com explicações e correlações que auxiliam bem na jornada da leitura. Uma jornada estimulante na maior parte do tempo, cabe aqui ressaltar.

Nota: 7,5

No site da editora tem uma entrevista interessante com o Carlos Orsi que fez a introdução do livro. Clique aqui para ler.