sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Quadrinhos: "Pato Donald: Perdidos nos Andes" e “Shade, o Homem Mutável: O Grito Americano”

 

A editora Abril começou a publicar aqui no país há alguns meses edições de luxo com seus famosos personagens como Pato Donald, Tio Patinhas, Mickey, Pateta e afins. Essas edições pegam histórias clássicas e apresentam para um novo público, além de ser indicada para quem aprendeu a ler pelos gibizinhos antigos. A diferença dessa para republicações anteriores é o processo de restauração que a obra passou, incluindo a arte-final, cores e letras. Dentre os volumes disponíveis até aqui um dos mais interessantes é “Pato Donald: Perdidos Nos Andes”, que reúne histórias do grande Carl Barks, artista responsável por moldar boa parte da aura da empresa. São 20 histórias compiladas em formato pequeno (16 x 23cm) e 240 páginas abrangendo a produção do artista entre os anos de 1948 e 1949. Elas já haviam sido publicadas aqui antes, algumas até diversas vezes, mas esse compêndio de agora traz novo sabor por conta do formato e disposição apresentando as tramas longas primeiro, depois as mais curtas e por fim as gags, como também por todo o arcabouço de informações contidas em textos separados e notas escritas por especialistas. Histórias como “Perdidos nos Andes” de abril de 1949 mostra um artista diferente para a época, se preocupando até excessivamente para aqueles padrões com detalhes, cenários e quadros maiores, o que não era tão comum. Lógico, que estamos falando de algo lançado há mais de 70 anos então é normal que um ou outro detalhe do roteiro soe hoje datado, ou ainda alguma concepção temática soe esdrúxula, porém são retratos de uma determinada passagem do tempo e até por isso devem ser analisadas com calma. Mesmo com o preço salgado essas novas edições da Disney são interessantíssimas e para quem gosta do Pato esquentado que se tornou conhecido no mundo todo e até hoje gera discussões (algumas até irracionais) é sempre bacana vê-lo pelas mãos do seu mais festejado artista.

Nota: 8,0


O britânico Peter Milligan produziu trabalhos pulsantes e vigorosos na carreira. Fez isso com John Constantine (principalmente), Homem-Animal e até mesmo Batman. Entre essas marcantes passagens está a de Shade, o Homem Mutável, obra que produziu logo no início da sua relação com a DC Comics em 1990 para o selo Vertigo. A Panini Comics republica aqui esse ano esses primórdios dentro da ideia de revisitar obras pouco conhecidas do grande público e disponibilizá-las no mercado novamente, o que é extremamente louvável. “Shade, o Homem Mutável: O Grito Americano” tem 170 páginas, capa cartonada e infelizmente papel Pisa Brite (assim como nas edições da Patrulha do Destino). Junta as revistas publicadas originalmente nos EUA entre julho e dezembro de 1990. Criado pelo baluarte Steve Ditko na segunda metade dos anos 70, Shade figurava em um panteão bem baixo dentro da editora. Depois da repaginação oriunda da “Crise nas Infinitas Terras” de 1985 ganhou mais algum destaque, mas foi nas mãos de Milligan que teve sua melhor fase até então (talvez até hoje). Como se tratava de um personagem pouco ou nada conhecido, o autor teve a liberdade para fazer praticamente o que bem entendesse. Com desenhos de Chris Bachalo e arte-final de Mark Pennigton foi estruturada uma série que unia magia e ficção científica e trazia tanto críticas comportamentais quanto mais amplas no que se refere aos Estados Unidos e seu modo de vida. Shade é um habitante de outra dimensão que ao desembarcar na terra para salvar os mundos de uma onda de insanidade e loucura habita o corpo de um assassino perto de ser morto na cadeira elétrica. Sua principal relação se dá logo com a filha das pessoas assassinadas, o que só deixa a relação mais estranha. Em um roteiro repleto de boas tiradas e cutucadas, além da arte fulgurante (que merecia papel melhor), Milligan abusa da psicodelia para criar uma trama que ainda hoje vale a pena ser lida.

Nota: 8,5


sábado, 24 de setembro de 2016

Quadrinhos: "Batman: Faces da Morte" e "Uma Noite em L´enfer"


Personagens antigos e icônicos como o Batman sempre trazem consigo o problema das novas histórias soarem relevantes, o que acaba sendo um peso e tanto para quem as escreve. O que contar do Morcego que ainda não foi contado? Qual aspecto ainda não foi abordado? Qual psique ainda não foi explorada? No decorrer dos anos, diversas histórias patinam apenas no mediano quando tratam de aventuras do vigilante de Gotham City dentro das inúmeras repaginações da DC Comics. No que se refere aos “Novos 52” essa missão coube a Tony S. Daniel, artista já conhecedor dos meandros da vida do Batman de outras incursões. O primeiro arco desse trabalho é republicado agora pela Panini Books em uma edição de capa dura com 164 páginas reunindo as edições de 1 a 7 de Detective Comics originalmente lançadas entre novembro de 2011 e maio de 2012. No roteiro encontramos o Cavaleiro das Trevas se deparando com um novo vilão chamado Criador de Bonecas. Paralelo a isso precisa lidar com o desaparecimento do Coringa do Asilo Arkham (pela enésima vez) e com alguns integrantes da fauna peculiar da sua cidade como o Pinguim e outros vilões pouco memoráveis. A trama flutua no tradicional e não explora nada de novo, nada que já não se tenha visto várias vezes anteriormente. O roteiro apresenta conflitos, principalmente no que tange a adequar todas as questões coadjuvantes que apresenta e falha nisso. A arte de Tony S. Daniel com o auxílio de Joel Gomez e Szymon Kudransky é concisa e funciona bem nas cenas de ação, contudo, assim como o roteiro, fica apenas no correto, não indo além disso. “Batman: Faces da Morte” tem como principal destaque somente um aspecto do desaparecimento do Coringa que repercutiu em outras revistas da editora como o Esquadrão Suicida. Fora isso, não consegue fugir do mediano que foi comentado acima.

Nota: 5,0


Foram três anos que o artista, pintor e ilustrador Davi Calil dedicou a produção de “Uma Noite em L’enfer”. Conhecido pela arte de “Quaisqualigundum” e pelas cores de “Turma da Mata - Muralha” esse paulista fez uma graphic novel onde tem por intuito homenagear seus heróis da pintura, mas foi muito além disso. Com formato grande (21 x 28cm) e 192 páginas o álbum é mais um excelente lançamento da editora Mino, um dos melhores do ano por aqui em terras tupiniquins. Na trama estamos na França no ano de 1891, quando o holandês Vincent Van Gogh recuperado de uma tentativa de suicídio (que na vida real foi além de mera tentativa) chega na cidade a procura de uma antiga musa inspiradora. Lá encontra o francês Paul Gauguin que o encaminha para o cabaré L´enfer no bairro de Montmartre, onde estão os contemporâneos Toulouse-Lautrec e Gustav Kimt, além de um enigmático Francisco de Goya, o único que não viveu na mesma época que os demais. Durante a conversa regada a muito álcool e drogas, os integrantes dessa excêntrica mesa se dispõem a contar causos pessoais que envolvem sexo, terror, mistério e decisões bem questionáveis. Essas histórias servem para definir o futuro de cada um mais adiante. Davi Calil usa como referências tanto a produção de cada um dos artistas que homenageia, como também a biografia deles, e em cada caso individual utiliza cores que remetem ao que cada um produziu na carreira. Inspirado em “Uma Noite na Taverna” do escritor Álvares de Azevedo (falecido em 1852 aos 21 anos), Davi Calil edifica um trabalho em que tanto roteiro quanto arte estão em nível de excelência, ainda que a arte prevaleça um pouco mais. “Uma Noite em L´enfer” valeu toda a dedicação do autor e brinda o leitor não somente com a obra em si, mas como instiga este a saber mais sobre os personagens retratados.

Nota: 9,5