quarta-feira, 23 de abril de 2014

"Quem Vai Ficar Com Morrissey?" - Leandro Leal

Quando um relacionamento de algum tempo conhece o seu fim é normal (ainda que bem doloroso) o processo de separação. Separação não somente das partes envolvidas fisicamente, como também dos bens do casal. E em um universo hoje cada vez mais distante, separação também dos discos, filmes e livros. Esse aqui é meu, esse aqui é seu e por aí a coisa se estende. Partindo dessa premissa rotineira o redator publicitário e ótimo conhecedor de música paulistano Leandro Leal se aventura no primeiro livro.

“Quem Vai Ficar Com Morrissey?” tem 272 páginas e abre a “Coleção Impulso” da Editora Ideal, que focará em novos escritores. O que é muito bem vindo. Lançado no início do ano, o romance teve como inspiração um conto anterior do autor e tem como guia o final do romance de Fernando com Lívia. Fernando, um aficionado por música que se acomodou na editoria de uma revista sobre um assunto que não nutre interesse, e Lívia, uma garota interiorana que trabalha em um jornal como repórter e ambiciona um pouco mais da vida.

Leandro Leal, porém, busca na sua obra um pouco mais. Do retorno a infância de Fernando até as situações vivenciadas após o fim do relacionamento, olha um pouco para a formação de um jovem, para o contentamento com a vida, para a desistência dos sonhos e para o sentimento de inadequação dentro do mundo. Situações que poderiam render muito bem quando aliadas aos enxertos de cultura pop que são adicionados (principalmente da área musical), mas que infelizmente não conseguem seguir esse caminho.

Esse recorte de etapas e períodos de tempo em algumas pequenas histórias, como as que envolvem as namoradas anteriores de Fernando, por exemplo, aparenta ser desnecessário e ao invés de deixar o recheio mais saboroso acaba atrapalhando o ritmo, servindo só para exemplificar demasiadamente a formação de caráter e personalidade do personagem principal, além de se correlacionar com poucas passagens posteriores. A quantidade de referências e de citações também incomoda um pouco na segunda metade, sendo também desnecessária em determinados momentos.

“Quem Vai Ficar Com Morrissey?” não chega a ser um livro ruim, apesar de óbvio e referencial. Como leitura rápida funciona sem maiores surpresas, assim como para aqueles devotos do bardo de Manchester e sua icônica e estupenda banda anterior. No entanto, não consegue ir além disso. A ideia primordial é boa (e o título é uma grande sacada), tem passagens interessantes aqui e ali, mas isso não consegue tornar o conjunto admirável, sendo razoável apenas, pois desliza na própria fórmula e repetições. Mas, é só uma estreia. Vamos esperar pelo próximo.

Nota: 5,5

A Editora Ideal disponibilizou um trecho para leitura, aqui.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Lollapalooza Brasil - 05 e 06 de abril de 2014 - Autódromo de Interlagos (São Paulo)

Habita com conforto e tranquilidade dentro do lugar comum a noção de que um festival de música é um processo de escolhas, e que, basicamente, se resume nisso. Afinal de contas são muitas atrações e a não ser que você seja um atleta na acepção do termo fica impossível de acompanhar tudo. A 3ª edição do Lollapalloza em São Paulo, agora no Autódromo de Interlagos e comandada pela Tickets For Fun, mostrou muito bem isso.

Foram 2 dias de um evento que surpreendentemente foi quase impecável (ainda que se questione os valores dos ingressos), onde 54 horas de música serviram um público estimado em 150 mil pessoas que consumiram entre outras coisas 123 mil litros de chope e centenas de pratos no Chef’s Stage, talvez a grande sacada desse ano, pois trouxe comida boa e de verdade para um festival nacional pela primeira vez.

E dessas 54 horas de música, a escolha, sim ela de novo, me colocou presente em alguns shows e me deixou ausente de outros. Shows sobre os quais disponho leves impressões abaixo.

Dia 05/04/2014 - Sábado

Silva
Ao final do show, próximo das duas da tarde do sabadão, pintou um pouco de frustração por não ter chegado antes. Mesmo vendo só da metade em diante, deu para ver que o Silva funcionou muito bem com banda e naipe de metais. Esse é o caminho para não ficar uma coisa tão previsível. Vamos esperar que se mantenha nessa toada.

Lucas Santtana
Um show de um cara que pode muito mais. Talvez pelo horário, o músico pensou em fazer uma apresentação mais “enérgica”, mas o que vimos foi um tiro que saiu pela culatra. Foi confuso e sem graça alguma.

Café Tacvba
A primeira grande performance da edição. Ritmos latinos misturados com pop, rock, ska e o que mais pintar na frente. Junte a isso muita simpatia, dancinhas, e claro, boas músicas. Diversão garantida às custas de Rubén Albarrán e seus amigos.

Julian Casablancas
Ouvi de longe algumas músicas do vocalista do Strokes. Horrível é pouco. Muito pouco.

Portugal. The Man
A banda do Alaska foi uma aprazível surpresa. Com um rock bem feito, apostando em melodias e com um pé fincado no rock alternativo dos anos 80 e 90, convenceram muito bem. Única coisa ruim foi a versão desconexa para “Another Brick In The Wall” do Pink Floyd que não disse a que veio.

Lorde
Vi uma música. Bastou. Para nunca mais.

Phoenix
Acho o Phoenix uma boa banda, com hits para encaixar uma apresentação bacana e um vocalista que sabe se portar em um palco. Mas eles exageram. E isso faz com que se saia no meio do show infelizmente.

Nine Inch Nails
Na ativa desde o final dos anos 80, o Nine Inch Nails é uma banda para se admirar. Pouco convencional e com letras contundentes em cima da cama pesada forjada entre o metal e o industrial, o grupo de Trent Reznor fez o sábado valer a pena. De tão intensa que foi a apresentação vi marmanjos com mais de 40 anos se emocionando e vertendo suaves lágrimas em diversos pontos distintos do show. Impossível não ficar submerso a mistura sonora e de luzes que a banda arremessa no público. O final com “The Hand That Feeds”, “Head Like a Hole” e “Hurt” foi esplendoroso.

Dia 06/04/2014 - Domingo

Apanhador Só
O domingão começou cedo com um sol de rachar a cuca, até mesmo para quem está habituado com o calor. Como alívio para isso nada melhor que uma cerveja na mão e o show dos gaúchos da Apanhador Só, que ao mesclar músicas dos seus dois discos focando em canções mais agitadas, fez uma das apresentações mais legais da edição colocando o público para cantar junto canções como “Despirocar” e “Prédio”. Palmas para eles.

Raimundos
Com um caminhão de hits no bolso, os Raimundos são o tipo de banda que podem fazer fácil uma hora de show plenamente animada. Sobreviventes, por assim dizer, depois da saída de Rodolfo dos vocais no começo dos anos 2000, aquela que provavelmente foi a maior banda de rock do país na segunda metade dos anos 90, hoje é uma pálida sombra do que foi. Culpa do guitarrista (e agora vocalista) Digão que com sua insistência em continuar cantando e seus discursos vazios e clichês detonam qualquer esperança de novos bons momentos.

Johnny Marr
Quando o show do ex-guitarrista do Smiths foi anunciado pelo Lollapalloza a comoção não foi tão grande assim. Ainda mais no horário em que foi colocado, iniciando às 14:20, não podia se esperar realmente grandes coisas. Como funcionar suas músicas com o sol que queimava a todos? É, mas funcionou. E muito bem. Tanto para saudosistas quanto para neófitos, o talento e a simpatia do guitarrista que influenciou uma penca de bandas indies nos últimos anos foram avassaladores. Entre as canções do ótimo “The Messenger” do ano passado, ainda encontrou tempo para relembrar canções da velha banda como “Stop Me If You Think You Heard This One Before”, “Bigmouth Strikes Again”, “How Soon Is Now?” (esta com a presença do velho amigo e ex-baixista do Smiths, Andy Rourke, no palco) e o hino “There Is a Light That Never Goes Out” para fechar. Se a palavra emoção tivesse que ter imagens para definir seu significado era só filmar o público depois disso. O melhor show do festival.

Pixies
Não tem como não gostar de um show do Pixies. Mesmo sem a Kim Deal no baixo. E no Lollapalloza 2014 não foi diferente. Entre músicas novas como “Magdalena”, cacetadas como “Ed Is Dead” e clássicos como “Where Is My Mind”, Frank Black comandou aos gritos e sussurros uma apresentação digna da importância da banda, ainda que inferior a aquela feita no frio do SWU de uns anos atrás.

Soundgarden
A distância entre palcos cobrou seu preço e deu para ver pouca coisa. Mas vi “Black Hole Sun”, tipo de canção que sozinha já vale um show.

New Order
O show a ser visto era o Arcade Fire. Não tinha discussão nesse quesito. Mas como não se render ao coração e ver Bernard Summer entoar canções que marcaram uma geração em outro palco? As recomendações eram de que a apresentação “era morna”, “não valia a pena”, “melhor colocar um DVD”. Grave engano. O New Order que se viu em Interlagos em 2014, podia não ter o vigor de outras épocas, mas nem de perto foi automático ou chato. Para o público que fez esta difícil escolha, o agradecimento veio com uma bela exibição e um repertório fantástico com faixas como “Singularity” e “586”, além de pérolas como “Your Silent Face”, “World”, “Bizarre Love Triangle”, “Blue Monday” e The Perfect Kiss” e da homenagem a Ian Curtis com as versões de “Transmission”, “Atmosphere” e o encerramento comovente com “Love Will Tear Us Apart” do Joy Division. Pouco importava se Bernard Summer parecia seu tio bêbado na festa de natal quando se metia a dançar no palco ou se Gillian Gilbert lembrasse mais uma secretária executiva prestes a se aposentar do que uma artista pop. O que importava eram as músicas cantadas, os sorrisos nos rostos que o New Order provocou. A parte do Lollapalooza que se permitiu dançar e cantar. Que Win Butler nos desculpe, mas o Arcade Fire fica para a próxima vez. Sem arrependimentos.

Top 5 – Melhores Shows

1 – Johnny Marr
2 – Nine Inch Nails
3 – New Order
4 – Pixies
5 – Café Tacvba

P.S: Fotos retiradas do site official do evento: http://www.lollapaloozabr.com

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