quinta-feira, 8 de junho de 2017

Quadrinhos: "Hellboy e o B.P.D.P: 1952" e "Suicidas – Volume 1"

 

Mike Mignola costuma convidar para as edições do seu rebento preferido nomes talentosos dos quadrinhos. Em “Hellboy e o B.P.D.P: 1952” não foi diferente. O roteiro foi construído por ele e John Arcudi (B.P.R.D), a arte e capas feitas pelo Alex Maleev (Demolidor) e as cores nas mãos do excepcional Dave Stewart (DC: A Nova Fronteira). Meio difícil sair algo ruim né? Pois é, para agrado dos fãs, não saiu mesmo. Esse conjunto reúne a minissérie lançada nos EUA entre dezembro de 2014 e abril de 2015 pela Dark Horse. No Brasil, recebeu edição encadernada de capa dura ano passado pelo Mythos Books. Com 180 páginas apresenta papel de alta qualidade e extras com entrevistas, esboços e processo de criação, o que quase sempre justifica o alto preço das publicações da editora. Enquanto nas revistas atuais Hellboy morre e desce ao inferno para findar sua saga, Mike Mignola também leva em paralelo o personagem para uma viagem no tempo onde almeja contar por ano as aventuras pregressas antes da estreia em 1993. Sendo assim, esse volume conta a primeira missão do agente, ainda um novato, sem toda a segurança que nos habituamos a ver. Essa missão ocorre no Brasil, quando depois de vários assassinatos insólitos na selva amazônica o Bureau de Pesquisas e Defesa Paranormal é chamado e Hellboy vai junto com o time. O roteiro mistura a aventura da solução do mistério com terror, nazismo e ficção científica sem deslizar e fazendo com que além dos vilões em si, o time ainda se preocupe com um traidor nas próprias fileiras. Se realmente o autor levar adiante o desejo de narrar aventuras anuais até 1993, teremos um extenso material a ser explorado daqui em diante, o que na maioria dos casos é repetição de ideias para fins especificamente comercias, no caso de Mignola e Hellboy as coisas vão por outro caminho, como já ficou provado mais de uma vez. Ainda bem.

Nota: 7,0


Um terremoto de proporções gigantescas atingiu Los Angeles e transformou totalmente a Cidade dos Anjos. Uma nova cidade surgiu do desastre com um muro afastando os pobres e indignos e uma brutal força policial se certificando que ninguém passe (lembra algo?). Os administradores e donos dessa nova cidade utilizam de um truque muito antigo para entreter a população: batalhas entre homens em uma arena. Faça aqui a correlação que quiser, desde os gladiadores do império romano até os octógonos dos dias atuais do UFC. A ideia é a mesma, basicamente. Esses lutadores têm melhorias mecânicas para as lutas e são comandados de acordo com as vontades da corporação que lhes paga muito bem e proporciona uma vida de estrela (enquanto for do seu interesse). Esse é o mote da série criada pelo exímio Lee Bermejo de “A Piada Mortal” e “Coringa”, que conta ainda com as cores de outra fera da nona arte, Matt Hollingsworth de “Tom Strong” e “Preacher”. A Panini Comics lança “Suicidas – Volume 1” no mercado nacional esse ano, um encadernado contendo as edições 1 a 6 da série, originalmente publicados nos EUA entre abril e novembro de 2015 com 164 páginas e papel LWC. O personagem principal é Santo, o maior lutador das arenas e um verdadeiro popstar (lembre, apesar do desastre ainda estamos em Los Angeles), contudo sem vontade própria devido aos segredos que carrega do passado. O maior acerto do roteiro de Lee Bermejo é que ao mesmo tempo que faz o leitor se envolver com os dramas do protagonista, insere coadjuvantes que também tem brilho próprio. E, indo mais além, coloca ao lado da questão das lutas e busca de redenção, considerações sobre poder, mídia, opressão e desmandos das grandes corporações. Das séries que o selo Vertigo publicou no último triênio, sem dúvida essa é uma das mais interessantes.

Nota: 8,0 

terça-feira, 6 de junho de 2017

Quadrinhos: "“Luke Cage e Punho de Ferro – Edição 1 – Eles Voltaram” e "Esquadrão Amazônia"


Mantendo o plano traçado já há algum tempo a Marvel faz novas revistas a partir do ponto em que seus personagens ganham adaptações para o cinema ou televisão. Personagens até então sem muito chance de encabeçar uma publicação, reaparecem por conta disso. A dupla Luke Cage e Punho de Ferro é mais um exemplo da diretriz, por conta das séries do Netflix. A Panini Comics coloca no mercado nacional um volume com 116 páginas contendo as edições de 1 a 5 de “Power Man and Iron First” impresso nos EUA entre abril e maio de 2016. Nesta nova incursão da dupla o roteiro ficou com David F. Walker (Liga da Justiça) e a arte com Sanford Greene (Deadpool). O estilo escolhido pela dupla e pela empresa para essa viagem corrente foi extremamente leve, ambientando na mesma seara dos personagens mais engraçadinhos da editora. Fica óbvio e latente o desejo de agregar um público mais jovem, o que por si só sempre é louvável para revigorar antigas ideias, no entanto é de se esperar que a qualidade venha junto com esse desejo. O roteiro é repleto de piadas e tiradas “engraçadas”, que funcionam verdadeiramente poucas vezes, mas consegue respeitar a história da dupla e os eventos em que estiveram inseridos nos últimos anos, o que é um alento. A arte, por sua vez, opta por ser mais cartunesca, caricata, com destaque para expressões faciais espirituosas, o que convenhamos não funciona bem. Como o título já denuncia, “Luke Cage e Punho de Ferro – Edição 1 – Eles Voltaram”, trata da dupla trabalhando nos tempos dos Heróis de Aluguel, a princípio para ajudar uma ex-secretária que acaba de sair da cadeia. Com envolvimento de nomes conhecidos e muita magia no meio, esse início é fraco e só rende bons momentos no fim com a trapalhada que envolve acidentes e um programa de rádio, nada além disso.

Nota: 4,0


O Esquadrão Amazônia foi criado e utilizado como peça promocional no início dos anos 2000 para uma empresa de telefonia da região norte por Joe Bennett, hoje um experiente artista da Marvel e DC. O quadrinhista já espalhou talento por revistas como Homem-Aranha e Vingadores, entre tantas outras. Bennett é paraense, assim como Alan Yango criador do poderoso Maximus, que vem publicando com a regularidade que é possível. Os dois decidiram reviver a ideia de um grupo de super-heróis oriundos da Amazônia e lançaram o projeto para financiamento coletivo, sendo que o primeiro número dessa jornada inicial foi lançado oficialmente no final de 2016. “Esquadrão Amazônia” tem roteiro dividido pela dupla e arte de Bennett com auxílio de Alan Patrick. O resultado em 46 páginas aponta para uma equipe de indivíduos com relação direta com o norte que levam nomes como Açu, Jurema, Búfalo, Onça, Sucuri, Iara e Aruã. Para forjar os poderes são utilizados mitos, tradições, lendas e folclores, um mundo vasto e poderoso nesse sentido. Com a inserção do Maximus na edição, pensa-se mais além ainda, na ambição de um universo próprio compartilhado por todos. A trama de origem em si, a exemplo de outras equipes famosas nos quadrinhos, é simples e funcional. Para deter uma grande ameaça (alienígena, no caso aqui), vários indivíduos com dons e habilidades se reúnem para evitar o caos e destruição. Se isso não apresenta nada de muito novo, planta, porém, a semente para histórias mais elaboradas no futuro. A arte merece destaque não somente pelo traço habilidoso de Bennett, como também por retratar no cenário e nos coadjuvantes a cidade de Belém e suas peculiaridades, assim como as da região. É inegável o apelo que “Esquadrão Amazônia” estampa nessa ressuscitada, tanto para o quadrinho nacional, quanto pela expansão do mercado e fica a torcida para que como está escrito na contracapa a aventura esteja realmente apenas começando.

Nota: 7,5



domingo, 4 de junho de 2017

Literatura: "O Casal Que Mora ao Lado" e "Ninfeias Negras"


Anne e Marco Conti são um casal normal, moram em uma casa confortável e acabam de ter a primeira filha, chamada Cora, que está nos primeiros meses de vida. Entretanto, essa é a apenas a imagem superficial, pois por dentro o casal vive momentos difíceis, com a mãe em depressão pós-parto e o pai repleto de problemas no trabalho. O convite dos vizinhos para um jantar então se apresenta como boa oportunidade para o casal sair um pouco, desopilar a cabeça, socializar com outras pessoas. Contudo, o jantar não anda da melhor maneira e, além disso, os pais precisam ir de meia em meia hora ver como a filha está já que os anfitriões não queriam crianças no local, apenas adultos. Em uma desses visitas a mãe percebe que a filha sumiu, desapareceu. É a partir desse rapto que a escritora Shari Lapena começa a desenvolver “O Casal Que Mora Ao Lado” (The Couple Next Door, no original), livro publicado em 2016 que a editora Record lança no Brasil esse ano. Com 294 páginas e tradução de Márcio ElJaick, a obra ambiciona ser um suspense policial cheio de reviravoltas que adiciona pontualmente novas informações para mudar a percepção do leitor a cada página. Porém, apenas ambiciona e nada mais. A realidade é que a obra é um imenso agregado de chavões do estilo que são escritos de maneira rasa e sem muito ritmo e cometem o erro fatal para um livro de suspense: antecipam costumeiramente suas revelações, aquilo que em teoria deveria surpreender a quem lê e ditar novas direções. Pode enganar ao leitor não muito acostumado a enredos mais elaborados, prova disso são as milhares de cópias vendidas, mas para quem espera sempre algo de um nível maior, “O Casal Que Mora Ao Lado” é um desastre quase que completo.

Nota: 3,0

Leia um trecho aqui:



O pintor francês Claude Monet (1840-1926) é um dos grandes nomes do Impressionismo e suas telas valem uma pequena fortuna. Nos seus quadros eternizou diversas vezes a pequena cidade de Giverny na França, onde nasceu, viveu e retratou ninfeias das mais variadas estirpes. O escritor francês Michel Bussi de “O Voo da Libélula” usou esta cidade como palco para o romance policial “Ninfeias Negras” (Nympheás Noirs, no original), publicado no país de origem em 2011 e que em 2017 recebe edição nacional pela editora Arqueiro. Com 352 páginas e tradução de Fernanda Abreu, a trama começa para o leitor com o assassinato de um renomado e rico médico habitante do local, cheio de pequenos segredos. No entanto, conforme se percebe no decorrer das páginas, a história tem início em anos muito mais distantes, mais longínquos. Conduzido primordialmente por uma senhora que não se identifica logo, mas que observa todos os fatos, a narração também avança para outras duas mulheres fundamentais da obra, uma mais jovem, ainda criança, e uma professora da única escola da cidade. Dividindo a trama nesses três eixos, o autor vai construindo com cuidado cada personagem e coloca o leitor em desavisada situação de conforto que só se quebra na verdade nas páginas finais. A dupla de detetives encarregada do caso merece destaque, com personalidades, gostos e anseios bem distintos, funciona bem, fugindo no que é possível do lugar comum típico dessas orquestrações. Mascarado sobre um romance policial comum, mesmo que bem edificado, “Ninfeias Negras” esconde nas suas linhas pontos interessantes como a intensidade da relação entre as pessoas e a arte, não obstante cutucando um pouco esse mundo, e entra na cabeça do ser humano com intensidade no que tange a medos, privações, egoísmos e perda de esperança, o que faz o livro ir um pouco além.

Nota: 7,5


sexta-feira, 2 de junho de 2017

Literatura: "Eu Sou o Peregrino" e “A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert”


Terry Hayes é britânico, mas saiu jovem para a Austrália. Foi repórter nos EUA e além de jornalista é um experiente roteirista de Hollywood (com filmes como “Mad Max 2” e “Do Inferno”). Em 2012 lançou o primeiro romance chamado “Eu Sou o Peregrino” (I Am Pilgrim, no original) que abocanhou o National Book Awards do Reino Unido em 2014 como melhor thriller policial. O livro teve publicação nacional ano passado pela editora Intrínseca, com 686 páginas e tradução de Alexandre Raposo. Como era de se esperar pelo currículo do autor, essa estreia é cinematográfica, intensa, com pulsação acelerada e repleta de ação. Tudo é montado de maneira que seja possível a transposição para a grande tela. E isso não é ruim, pelo contrário. Se por um lado temos algumas soluções “mágicas” como em blockbusters tradicionais, onde o protagonista sempre conta com algum golpe de sorte, por outro lado os capítulos mantêm uma constância que faz com que o calhamaço flua, sem estancar ou deixar a leitura com passagens sofridas. A quantidade elevada de páginas serve para que o autor possa erigir cuidadosamente os perfis dos envolvidos em uma caçada que se espalha pelo mundo. Claro, que o que está em jogo é algo extremo como a salvação do mundo (ou pelo menos dos EUA). O Peregrino que empresta o nome ao título é o codinome de um agente de nível elevado da inteligência americana que durante os anos se mascarou tanto que a identidade original é apenas memória distante. Até que um detetive de homicídios de Nova York lhe desmascara e ele serve de auxílio para um misterioso e elaborado assassinato na cidade. Esse crime desencadeia junto com outros processos a corrida para pegar um hábil saudita que está prestes a jogar uma praga biológica no país. Em meio a pensamentos e teorias, “Eu Sou o Peregrino” é um thriller funcional que como qualquer bom filme de ação cumpre o seu propósito de divertir.

Nota: 7,0



“A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert” (La Verité sur I’Affaire Harry Quebert, no original) vendeu mais um milhão de cópias mundo afora, sendo que é interessante perceber após as 576 páginas como algumas coisas se cruzam entre realidade e ficção. O segundo livro do escritor suíço Joël Dicker recebeu elogios e louvores de publicações respeitosas e o transformou em um prodígio que na época do lançamento na França em 2012 tinha 26 anos. O personagem do livro em questão também é um escritor que vira celebridade aos 28 anos quando a estreia no mundo da literatura estoura e transforma a vida. Lançado pela editora Intrínseca em solo nacional em 2014 com tradução de André Telles, a obra tem ponto de partida quando Marcus Goldman, o protagonista, vê os prazos para entrega do segundo trabalho se esgotarem e ele não escreveu uma linha sequer. Esse bloqueio criativo o faz recorrer para o antigo professor, amigo e mentor dos tempos de faculdade, Harry Quebert, um escritor conceituado, na casa onde reside na pequena Aurora em New Hampshire. Enquanto tenta liberar a mente, Goldman vê tudo virar do avesso quando o corpo de uma garota desaparecida em 1975 aparece enterrado no quintal do amigo. Em busca de provar a inocência dele parte em uma investigação própria que o colocará em uma espiral de acontecimentos que revelará não somente lados obscuros das pessoas como destravará aflições e memórias. Com um estilo simples e sem muitos floreios, o autor junta diversos gêneros como romance, suspense, policial e drama psicológico, sem escorregar. Elabora camadas e mais camadas que em determinado momento apresenta um livro, dentro de um livro que é parte de outro livro. Se Jöel Dicker será um grande escritor, isso só o tempo dirá, mas tirando os hiperbólicos exageros direcionados a obra, temos sim um livro notável.

P.S: O personagem Marcus Goldman tem uma aventura posterior em “O Livro dos Baltimore”, lançado esse ano aqui no Brasil.

Nota: 8,0