terça-feira, 27 de maio de 2014

18o. Festival Cultura Inglesa - 25 de maio de 2014 - Memorial da América Latina (São Paulo)

Para quem gosta de música não há maior satisfação do que ver uma banda ou artista que admira ao vivo. Não necessariamente aqui falo da idolatria barata e na maioria das vezes ridícula, mas sim daquela estima e carinho com canções que tiveram um papel representativo na sua vida em determinado momento. E ver os escoceses do Jesus And Mary Chain em ação causa esse tipo de satisfação em um bocado de gente que conheço, e também em mim.

O Jesus And Mary Chain é uma das bandas que mais escutei na vida e que me acompanhou desde o final dos anos 80 até hoje. Ir novamente para São Paulo assistir uma apresentação deles, dessa vez no Memorial da América Latina gratuitamente dentro do 18º Festival Cultura Inglesa, era uma missão que aparentava ser extremamente prazerosa e com grande carga de emoção. Para se ter uma ideia, no show de 2008 no Festival Planeta Terra lagrimei umas três ou quatro vezes, ato que só repeti outra única vez no show do Paul McCartney. Nem no R.E.M me comovi tanto.

Desculpem o tom pessoal do texto, mas obviamente ele não é uma resenha imparcial, bem longe disso. Voltando a exibição de 2008, que muita gente achou burocrática, eu sinceramente gostei muito, pois já esperava algo do tipo. O que importava ali era escutar as canções, e perto do palco com um som muito bom esse objetivo foi cumprido plenamente com meu envolvimento em um transe particular de quase uma hora. Agora em 2014, a espera era basicamente a mesma. Nada de peripécias ou simpatia no palco, apenas as canções em alto volume. Nada mais.

A banda entrou no palco um pouco depois das 19:30 e os mais de 12 mil presentes já haviam passado por algumas provações antes disso. Pelo menos, a maior parte. Cheguei cedo (e me arrependi muito disso depois) então tive que conviver com a chuva perturbando e diminuindo o ânimo, além de ver o show da Monique Maion cantando Amy Winehouse. Fica difícil passar para quem não viu o tanto que foi ruim e desesperador estar ali. Depois com a chuva continuando foi a vez dos galeses do Los Campesinos! subirem ao palco e fazer um show sem graça que só no final deu uma leve guinada.

Até esse momento a única coisa boa era a praça de alimentação com boas opções e a expectativa do show do Jesus. No entanto, quando os irmãos Reid entraram no palco e executaram as duas primeiras músicas, logo se percebeu que as coisas não sairiam bem. “Snakedriver” e “Head On” apareceram em versões insípidas e sem força. O som na frente do palco estava muito ruim (no final fui mais para trás e esse som melhorou bastante). “Far Gone And Out” indicava que as coisas iam fluir melhor, mas os irmãos começaram a brigar (Jim contra William), o retorno dava pau direto e várias falhas ocorreram.

“Normal para um show da banda”, você diria. Sim, normal, mas isso não quer dizer que seja legal e que a escala com que isso aconteceu não foi pouco a pouco minando o resto de empolgação que existia. No entanto, mesmo com os problemas ainda é fantástico ouvir coisas como “Teenage Lust”, “Some Candy Talking”, “Happy When It Rains” (onde incrivelmente a chuva retornou para a festa) e “Halfway To Crazy”. O bis foi a melhor parte e emendou boas versões de “The Hardest Walk”, “Taste Of Cindy” e “Reverence”, esta última fazendo retornar o sorriso ao rosto, o mesmo sorriso que era exibido no começo do dia.

A versão 2014 do Festival Cultura Inglesa teve um sério problema com a chuva. Por exemplo, mais de 7 mil pessoas não retiraram seus ingressos ou não compareceram. Uma pena. No mais, mostrou boa organização e fácil acesso. O palco que em outros anos havia sido de nomes como Franz Ferdinand, Gang Of Four e Magic Numbers, dessa vez serviu para que os irmãos Reid encantassem os fãs e quase que na mesma proporção, também os desapontassem. Esta sensação foi a que ficou no ar no final. Porém, sempre é bom ressaltar (e aqui é o lado fã que fala), que mesmo uma apresentação razoável do Jesus And Mary Chain ainda vale bem mais do que muito show que hoje é ovacionado por aí.

Foto retirada do site oficial do evento: http://festival.culturainglesasp.com.br

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domingo, 25 de maio de 2014

"Rita Lee Mora Ao Lado - O Musical" - 24.05.2014 - Teatro Das Artes - São Paulo (SP)

Espetáculos musicais são mais explorados hoje no Brasil. Ainda não é uma tendência grande, pois se deve levar em consideração que o investimento é alto e a preparação demorada, além do fato da dificuldade em viajar pelo país com um número expressivo de atores e demais envolvidos. No entanto, viu se recentemente montagens sobre a vida de Tim Maia, Cazuza e Elis Regina, sendo que as duas últimas estão em cartaz no momento. Em comum com este três trabalhos citados está a questão da homenagem póstuma. No caso de “Rita Lee Mora Ao Lado – O Musical”, esse ponto já é distinto.

Uma engrenagem importante e influente no cenário musical nacional, Rita Lee tem uma obra vasta e repleta de momentos excelsos, que dão material de sobra para uma montagem desse tipo. A artista chegou a ir a uma das apresentações, corroborar a homenagem e dar seu aval para a exibição. E a peça é puramente isso, uma homenagem. Que visa não somente louvar os méritos artísticos, como também espelhar momentos de dificuldade que ela teve que passar, sem exercer a crítica em momento algum. A tonalidade do roteiro é leve e descomprometida, e isso não muda mesmo quando se tratam de temas como prisão e morte.

“Rita Lee Mora Ao Lado – O Musical” é adaptada do livro de mesmo nome de Henrique Bartsch lançado em 2009 e que visa contar a história da ex-Mutantes utilizando o recurso de uma terceira pessoa chamada Bárbara Farniente, que passa toda a vida bem próxima de Rita Lee. Esse recurso de pura ficção contrabalança os fatos reis com uma carga razoável de humor e torna o livro uma experiência agradável. A adaptação dos diretores Márcio Macena e Débora Dubois (com o auxílio de Paulo Rogério Lopes no texto) segue a mesma história em aproximadamente duas horas e meia de duração.

A atriz Mel Lisboa foi escolhida para interpretar a artista e Carol Portes como a onipresente Bárbara Farniente. Mel Lisboa (que é filha do músico Bebeto Alves) já mostrou que não é somente a garota bonita que apareceu na minissérie global “Presença de Anita” em 2001, exibindo talento em papéis interessantes no teatro. E esse talento reflete no musical. Ela incorpora muito bem a parte física e gestual da homenageada, ficando muito parecida até mesmo na maneira com que conversa com os outros. Porém, por mais que se esforce, não consegue se sobressair quando canta. E ela canta bastante.

Em algumas canções o problema nem aparece tanto, mas na maioria vemos um esforço demasiado que não surte muito efeito. As exibições de outros atores como Ney Matogrosso, Gilberto Gil e Hebe Camargo transitam entre o interessante e o ruim e o insosso, como nos casos de Tim Maia, Caetano Veloso e Elis Regina. Carol Portes como Bárbara Farniente também tem altos e baixos, uma hora anima a plateia, outra hora a constrange. São poucos os momentos da peça que realmente emocionam (destaque para a parte final). “Rita Lee Mora Ao Lado – O Musical” é apenas razoável e traz Mel Lisboa ótima como atriz e apenas esforçada como cantora.


Nota: 6,5

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sexta-feira, 23 de maio de 2014

"X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido" - 2014

Quem acompanha quadrinhos de modo geral, principalmente as aventuras de heróis e vilões mais antigos, vez ou outra se depara com algum tipo de viagem no tempo. Na Marvel então, isso é bem frequente. Quarteto Fantástico, Vingadores e X-Men são alguns dos grupos que já utilizaram este expediente em suas peripécias. Isso sem muita dosagem, o que gerou resultados positivos e alguns pequenos desastres e constrangimentos pelo meio do caminho.

“X-Men: Dias de um Futuro Esquecido” é o novo longa da franquia e estreia essa semana nos cinemas do país utilizando o mesmo estratagema para contar sua história. Novamente com o diretor Bryan Singer na regência (ele havia dirigido os dois primeiros filmes da trilogia anterior em 2000 e 2003) e sendo o trabalho subsequente ao bom “X-Men: Primeira Classe” de 2011, comandado por Matthew Vaughn, o trabalho utiliza as duas “turmas”, por assim dizer, dos mutantes, fazendo o elo entre a trilogia inicial e a nova.

O ponto de partida da nova película é uma realidade caótica repleta de desesperança onde os Sentinelas (máquinas criadas para caçar mutantes) mudaram sua programação e passaram também a atacar pessoas comuns deixando a humanidade de joelhos. Como se fosse uma última frente de batalha, os X-Men ainda resistem em um pequeno grupo que além de Charles Xavier (Patrick Stewart) e Magneto (Ian McKellen) conta com Wolverine (Hugh Jackman), Blink (Bingbing Fan), Colossus (Daniel Cudmore) e Bishop (Omar Sy), entre outros.

Vendo a resistência prestes a desabar, um plano é montado a partir de uma tensa e angustiante reunião. Identifica-se que no passado, mais precisamente em 1973, quando a Mística (Jennifer Lawrence) mata o idealizador do projeto Sentinela, Bolívar Trask (Peter Dinklage, o Tyrion Lannister de Guerra dos Tronos), é que o atual cenário tem princípio. E a ideia é mandar alguém para esta época com o intuito básico de impedir o assassinato. O escolhido, devido ao fator de cura, é Wolverine, que assim tem sua consciência transportada para o seu eu muitos anos mais novo.

Lá no passado, Wolverine precisa primeiro juntar os jovens Xavier (James McAvoy) e Magneto (Michael Fassbender) quando os dois eram inimigos fatais. Uma tarefa nada fácil. Contando com a ajuda do Fera (Nicholas Hoult) e do garoto Mercúrio (Evan Peters) ele ruma para a missão. Com o cenário montado o filme parte para o campo da ação, das brigas ideológicas e da pressão psicológica. E o diretor Bryan Singer (que patinou depois de sair da franquia), amarra de maneira consistente todos esses lados, mesmo com algumas decisões ruins no roteiro.

A liberdade criativa de “X-Men: Primeira Classe” que rendeu bons resultados, aqui causa uma porção de confusão. Não se sabe como Kitty Pryde conseguiu mandar Wolverine ao passado, ou porque Mercúrio aparece tão alegre, já que ele sempre foi tão amargurado nos quadrinhos (pelo menos, deixaram a arrogância), só para citar dois exemplos. A decisão de mostrar também vários personagens da primeira trilogia em participações especiais agrada a primeira vista, mas se analisada friamente não tem muita necessidade de existir. Isso sem contar que falta ação para os Sentinelas (em especial os clássicos).

“X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido”, contudo, é aquele tipo de trabalho que consegue acertar mais do errar, mantendo assim a franquia em cima dos trilhos. Mesmo com Hugh Jackman aparecendo com destaque nos cartazes são Jennifer Lawrence, James McAvoy, Michael Fassbender e Peter Dinklage que aparecem com proeminência na trama. Bryan Singer sai vitorioso da empreitada, pois consegue novamente mostrar uma parte do talento já apresentado outrora, enquanto prepara o longa final dessa nova fase dos mutantes. Entretanto, como tudo na vida, podia ser melhor.

Nota: 7,0

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quarta-feira, 21 de maio de 2014

"Fim" - Fernanda Torres

O escritor e filósofo inglês Francis Bacon escreveu em uma de suas obras no longínquo ano de 1625 que “os homens temem a morte como as crianças temem ir ao escuro”. Tal assertiva datada de tanto tempo atrás personifica um pouco o temor do ser humano com o perecimento, com o final a que todos estamos sujeitos. Quanto mais velhos ficamos é normal que essa ideia esteja mais presente nos nossos pensamentos e mesmo que não se fique paranoico com isso, vez ou outra esse pensamento surge.

Baseado nesse compromisso inadiável que todos nós temos é que a atriz Fernanda Torres ambienta seu primeiro romance, intitulado não por acaso com o nome de “Fim”. Atriz competente e hábil tanto no teatro quanto na televisão e no cinema, ela já se arriscava na escrita em publicações como a Revista Piauí e a Folha de São Paulo. Essa transição para um romance completo foi então gradual e começou com um conto encomendando pelo diretor Fernando Meirelles (de “Cidade de Deus”) anos atrás.

Lançado no ano passado pela Companhia Das Letras com 208 páginas, “Fim” discorre sobre a morte, não esconde isso de maneira alguma, mas também investe no modo de vida que se leva até chegar a esse dia. As escolhas, loucuras, amores, arrependimentos, brigas. O caminhar rotineiro de cada indivíduo sobre a terra. Para tanto usa um tom debochado, satírico, desvairado e repleto de humor. Esse tom surpreende até mesmo quem já havia lido outro texto seu antes. É sentimental, mas com elevada carga de escárnio.

“Fim” usa o Rio de Janeiro como recinto, um Rio de Janeiro bem diferente do atual. O contraponto entre as épocas é talentosamente utilizado e é importante para ambientar a trama. Trama, que se centraliza em cinco amigos (Álvaro, Sílvio, Ribeiro, Neto e Ciro) que invadem os anos 50 e vivem a mudança acentuada de comportamento que a sociedade passou, assim como já entram nos anos 60 com tudo de bom e de ruim que isso representa. A vida dos personagens viaja pelas demais décadas até o dia anterior do seu falecimento.

O grupo de amigos é composto por um cara certinho, um perito em drogas diversas e álcool, um conquistador nato, um atleta radiante e um reclamão de primeira linha. Atrás dessas vestes iniciais, Fernanda Torres estrutura muito bem cada um com seus defeitos, neuroses, dúvidas e aspirações. Essa estruturação é fundamental para que o romance funcione levando-se a crer fortemente que a autora não é uma mulher de 48 anos e sim um homem que viveu os mesmos regalos e desgostos que os personagens que criou.

Para deixar a coisa mais satisfatória ainda, corta o tempo em fatias e muda o narrador da história frequentemente, não somente passando pelos cinco amigos, como também se difundindo entre esposas, filhos, amantes e até mesmo o capelão do cemitério São João Batista. De modo escrachado e sagaz discorre sobre cenários típicos da cidade e situações que de um modo ou outro todos se sujeitam totalmente ou parcialmente no decorrer da vida. Para a autora Fernanda Torres nada é intocável, tudo merece uma alfinetada aqui e acolá.

No seu romance de estreia Fernanda Torres toma o leitor de assalto e agrada bastante. Fala de uma questão séria como a morte e daquele momento que já se deseja que ela venha em troca da amarga vida atual, depois de tanta coisa experimentada e sentida no passar dos anos. E faz isso sem soar piegas, pelo contrário. Com uma escrita remetendo levemente a nomes como Reinaldo Moraes e Sérgio Sant’Anna versa sobre o usufruto da vida e sua finitude, para no meio disso também versar sobre uma geração que aprendeu que ninguém pode fugir do amor e da morte.

Nota: 9,0

A Companhia das Letras disponibiliza gratuitamente um trecho aqui: http://www.companhiadasletras.com.br/trechos/13662.pdf

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terça-feira, 20 de maio de 2014

"Capitão América 2: O Soldado Invernal" - 2014

Dois anos após a invasão alienígena retratada em “Os Vingadores”, Steve Rogers já está mais acostumado com o mundo atual e faz o que pode para se manter atento as novidades desse mundo. Como sempre foi um soldado e só sabe funcionar como um seguidor de ordens, está a serviço da S.H.I.E.L.D e, por conseguinte, a serviço de Nick Fury. Na sua cabeça, porém, mesmo que ele entenda que o mundo não é mais tão preto e branco como era, ainda assim faz-se crer que está a serviço do seu país primordialmente.

É esse o cenário de entrada de “Capitão América 2: O Soldado Invernal”, o novo filme sobre o herói estrelado que mais uma vez é interpretado por Chris Evans. A película tem a direção da dupla Joe Russo e Anthony Russo, profissionais com um trabalho mais intenso na televisão em séries como “Commnunity”, e roteiro dos mesmos Stephen McFeely e Christopher Markus (de “Capitão América - O Primeiro Vingador” de 2011), baseado na história desenvolvida nos quadrinhos pelo habilidoso Ed Brubaker.

Se o primeiro bom filme tinha certa missão em preparar o terreno para “Os Vingadores” de 2012 e acabava se atrapalhando um pouco por conta disso, não vemos esse problema agora em 2014. O cenário pós-invasão é perfeito para o desenvolvimento de um roteiro que antes de um ser uma “história de super-herói” é uma narrativa de espionagem, traição, ganância, descobertas e afirmações. É por causa principalmente disso que acaba sendo mais um dos grandes acertos da Marvel na transposição das suas obras para o cinema.

Sem meio saber no princípio as razões e as causas dos acontecimentos a sua volta, o Capitão América se vê atrelado a contradições (precisa quebrar as regras) e sem poder confiar em ninguém. Depois de uma missão junto com a Viúva Negra (Scarlett Johansson arrancando suspiros, como de costume), a S.H.I.E.L.D está na mira de uma invasão interna e o primeiro alvo é Nick Fury (Samuel L. Jackson, com papel decisivo finalmente). Conforme a agência mundial de segurança vai ruindo, novas revelações e parcerias vão se consolidando.

“Capitão América 2: O Soldado Invernal” apresenta mais alguns personagens vinculados ao universo do herói e faz isso de maneira eficaz e sem fanfarra. Aparece o parceiro de sempre Falcão (Anthony Mackie, muito bem), a Agente 13 (Emily Vancamp), assim como os vilões Ossos Cruzados (Frank Grillo) e Batroc (o lutador Georges St. Pierre). Isso, além de trazer no elenco o grande Robert Redford como Alexander Pierce, Sebastian Stan irrepreensível como o Soldado Invernal e apresentar a HYDRA com a dose exata de megalomania.

Os diretores Joe e Anthony Russo, que também serão os responsáveis pelo terceiro filme da franquia, conseguiram fazer um trabalho quase sem falhas. Reuniram uma quantidade elevada de cenas de ações com intrigas e discussões internas sobre moral e dever. Até a série “Marvel’s Agents of S.H.I.E.L.D” que nos episódios da primeira metade era muito abaixo das expectativas geradas, se renovou e melhorou muito quando se alinhou aos eventos do filme. “Capitão América 2: O Soldado Invernal” entra no rol das melhores adaptações já feitas dos quadrinhos para o cinema. Com muito mérito.

Nota: 9,5

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- Cinema: “Os Vingadores” – 2012


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segunda-feira, 19 de maio de 2014

“Will Eisner: Um Sonhador Nos Quadrinhos” - Michael Schumacher

“Eu não tinha ideia de que estava fazendo uma revolução. Sabia que o meu trabalho era diferente porque eu queria que fosse diferente, e que estava falando com um leitor totalmente distinto”.

O pequeno texto acima é uma das citações que o escritor Michael Schumacher usa no início do livro “Will Eisner: Um Sonhador Nos Quadrinhos”. De autoria do biografado, a frase diz muito sobre a personalidade dele, que sempre acreditou no potencial e no alcance da arte que fazia. Lançado lá fora em 2010 ganhou edição nacional pelo selo Biblioteca Azul da Editora Globo no ano passado. Com 410 páginas e tradução de Érico Assis passa a limpo toda a vida deste símbolo da nona arte.

O autor, um biógrafo que já formulou obras sobre nomes como Allen Ginsberg, Eric Clapton e Francis Ford Coppola, entende muito bem do ofício. Sua escrita é limpa e de fácil acesso, além do fato de dosar bem dados históricos com opiniões pessoais. Esses dados oriundos de uma pesquisa tão vasta e cuidadosa quanto se pode imaginar para alguém com uma carreira ativa de mais de 70 anos é o eixo que sustenta todo o livro, permitindo ao autor um terreno independente para expressar suas opiniões, assim como apresentar a de pessoas do mesmo círculo.

Para a sorte de Michael Schumacher, falar sobre a vida de Will Eisner é um trabalho árduo, mas muito prazeroso. E ele consegue transferir esse prazer perfeitamente ao leitor. Nascido no Brooklyn em Nova York em 1917, Eisner passou pela grande depressão na adolescência e isso o moldou para a vida toda. Judeu, sentiu na pele os efeitos da segunda guerra mundial, e sempre combateu nos seus álbuns o antissemitismo. Forçado a ir para a rua muito cedo para ajudar com a renda familiar, sempre foi uma máquina de trabalhar até falecer em janeiro de 2005 aos 87 anos.

Sempre acreditando no potencial da arte que fazia, foi um titã na briga para ver os quadrinhos localizados em livrarias e não somente em bancas, para ver os quadrinhos respeitados e não ridicularizados, para ver os quadrinhos como leitura adulta e séria e não somente infantil e engraçada. Para controlar isso, assim que teve a oportunidade montou o próprio estúdio com 20 e poucos anos para gerenciar a produção e os ganhos, como também controlar o fluxo financeiro de modo geral.

Foi muito criticado posteriormente (e com certa razão) pela mão de ferro que comandava seus estúdios e pela prática adotada no repasse de créditos para os artistas que trabalhavam com ele. De personalidade afável, mas também totalmente avesso a muitas críticas ao seu trabalho, manteve relação cordial com poucos editores. Nos estúdios dele passaram nomes como Bob Kane (criador do Batman), Jack Kirby (o monstro criador do Quarteto Fantástico, Thor, Hulk, Homem de Ferro, Vingadores e tantos outros), Lou Fine e Bob Powell.

Esses primeiros passos da indústria dos quadrinhos são realmente instigantes de se ler. Didático, narra um pequeno universo repleto de intrigas, falsidade, traições e desonestidade. Era como matar literalmente um leão todo dia. Will Eisner começa a galgar espaços maiores quando no começo dos anos 40 idealiza o personagem que mais é vinculado a ele até hoje, The Spirit. Com Spirit sendo publicado em suplementos de jornais, o alcance que ele passou a ter alcançou a casa dos milhões de leitores.

O período de maior ostracismo (mas não de trabalho) é pela primeira vez bem abordado. Depois da segunda guerra (na qual foi convocado e foi), o quadrinista fez a opção de montar uma nova empresa e trabalhar para o governo e empresas privadas. Esse período de muito trabalho, mas pouca criatividade e relevância, foi fundamental para que nos anos 70 se surpreendesse com a novidade das comixs de nomes como Robert Crumb, Art Spielgeman e Gilbert Shelton, e a partir disso impulsionasse a carreira para o patamar que idealizava.

Will Esiner não foi o criador do termo graphic novel, mas definitivamente foi ele que o potencializou. Com histórias pessoais alinhadas a uma arte distinta, potente e comovente criou obras fantásticas como “Um Contrato Com Deus”, “Ao Coração Da Tempestade”, “A Força da Vida”, “Avenida Dropsie” e “Pequenos Milagres”. Depois dessa retomada de produção para o público em geral mesmo obras menores tem seu valor, como “Pessoas Invisíveis” e “Fagin, O Judeu”, até adaptações de clássicos da literatura em um projeto educativo.

Michael Schumacher conduz muito bem a biografia, que é vasta em imagens e fotos, e mesmo ficando clara a sua admiração pelo artista, não deixa de emitir opiniões críticas (ainda que em doses moderadas). Isso fortalece muito o trabalho e faz de “Will Eisner: Um Sonhador Nos Quadrinhos”, uma leitura imprescindível para os amantes dos quadrinhos. Uma leitura sobre um fundamental e formidável artista e a crença de que sempre podia mais. É para acabar de ler, correr para a estante e retirar seus trabalhos de lá novamente.

Nota: 9,0


Site oficial: http://willeisner.com 

domingo, 18 de maio de 2014

“Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz – O Musical” - 17.05.2014 - Assembleia Paraense - Belém (PA)

A vida de Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazuza, desembarcou no teatro em outubro do ano passado. Além do livro e do filme, um musical também serve agora para contar a trajetória de um dos maiores artistas dos anos 80, através de suas icônicas canções. “Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz – O Musical” tem texto de Aloísio de Abreu e direção de João Fonseca, o mesmo do musical sobre o Tim Maia. E durante sua turnê nacional desembarcou em Belém para três apresentações no final de semana.

O lugar escolhido para o espetáculo foi a Assembleia Paraense. Com a ideia na cabeça de conseguir o maior público possível, a produtora não tinha como alocar tal exibição no belo Theatro da Paz ou no Teatro Maria Sylvia Nunes, ambos acolhedores, mas realmente pequenos para o porte que foi imaginada a apresentação. O lugar designado então teve que se adequar colocando cadeiras nos setores escolhidos e divididos, bem como ajustar o espaço no que tange a iluminação e sonoridade.

O resultado disso para o público foi bem infeliz. Primeiro, não tinha ninguém informando qual o lugar de acesso que cada espectador deveria ocupar. Segundo, as cadeiras eram completamente desconfortáveis para se ficar em um período total superior a 3 horas, sem contar o fato do aperto, pois não tinha espaço entre elas (assento de companhia aérea era um sonho, se compararmos) e estavam tudo no mesmo nível de visão. E, só para fechar bem, tinha uma coluna de exibição de luz na frente do palco atrapalhando a visão de todos. Lamentável, ainda mais considerando o salgado valor pago pelos ingressos.

Seguindo para o espetáculo em si, a grande virtude do musical é a maneira que trata livremente do estilo de vida de Cazuza, com as drogas, o álcool e o sexo não sendo escondidos sempre que possível, como no (bom) filme de 2004. O ator e cantor Emílio Dantas tem um timbre muito parecido com o do homenageado, o que ajuda bastante. A sua composição visual de gestos e performance, mesmo que soe caricata e excessiva vez ou outra, convence bem, o mesmo ocorrendo para as interpretações de Ezequiel Neves e Ney Matogrosso.

A vida toda de Cazuza aparece no musical. Do início e da percepção que não era que nem os demais até o final provocado pela AIDS, tudo está lá. A paixão pela poesia e pelos sambas, os tempos de Barão Vermelho, os amores e dissabores, o desbunde total do Rio dos anos 80, a carreira solo, os discursos, a revolta em perder seu estilo de vida por conta de uma doença e o fim esperado. A cenografia de Nello Marrese é simples e funciona de modo prático e os figurinos concebidos por Carol Lobato se adequam bem aos tempos retratados.

Cazuza faleceu em 1990 aos 32 anos e beirou o extraordinário durante a sua vida artística. Há de se questionar sempre toda a loucura e porra louquice, pois se apoiava financeiramente no colo do pai famoso (João Araújo, presidente da Som Livre na época), mas isso é outra história. Se o tom libertário e atrevido era porque havia uma rede de segurança em volta, é impossível afirmar. O que se pode concluir é que como artista foi fundamental para uma geração se conhecer e botar pra fora alguns demônios pessoais e comportamentais em forma de música.

“Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz – O Musical” recria além da história, canções poderosas como “Blues da Piedade”, “Ideologia”, “Preciso Dizer Que Te Amo” e “Por Que a Gente é Assim?”, além de outras não gravadas por ele como “Poema” e “Mais Feliz”. Os atores, apesar do tom demasiadamente forçado em algumas passagens, exibem um trabalho adequado. É um musical digno, uma homenagem que se não é perfeita, não desonra aquilo que se direciona a contar. Só não foi uma experiência melhor devido ao local escolhido para a exibição. Uma pena.

Nota: 6,5

sábado, 17 de maio de 2014

“O Espetacular Homem-Aranha 2 – A Ameaça de Electro" - 2014

Quando “O Espetacular Homem-Aranha” chegou aos cinemas em 2012 a desconfiança era elevada. Reiniciar a franquia do aracnídeo após o sucesso da trilogia comandada pelo diretor Sam Raimi e depois de tão pouco tempo (o último longa saiu em 2007) era no mínimo uma aposta arriscada. No comando desse recomeço estava o diretor Marc Webb de “500 Dias com Ela”. O resultado, como se viu nos cinemas, fazia jus a toda a desconfiança levantada antes e não acrescia praticamente nada na história do personagem na telona.

Apesar disso, o bonde seguiu em frente, e agora em 2014 o segundo filme dessa nova empreitada chegou aos cinemas. “O Espetacular Homem-Aranha 2 – A Ameaça de Electro”, tem a missão de redimir o primeiro trabalho, recolocar a franquia nos eixos e ser uma produção relevante (além, lógico, de gerar um belo lucro aos envolvidos). Na chefia está o mesmo Marc Webb, além do mesmo elenco base que conta com Andrew Garfield como o super-herói lançador de teias, Emma Stone como Gwen Stacy e Sally Field como a tia May.

Na trama, apresentam-se os motivos que fizeram o pai de Peter Parker sumir correlacionando este sumiço com as empresas Oscorp, ao mesmo tempo em que surge um novo vilão, o Electro. Se nos quadrinhos o vilão tem como maior objetivo a obtenção do lucro fácil, aqui ele ganha ares atormentados de adequação social e solidão. Jamie Foxx (“Django Livre”) interpreta o personagem em uma roupagem visual exagerada e burlesca, apesar da boa apresentação visual dos seus poderes quando utilizados.

Peter Parker está no meio disso tudo. Da descoberta da vida anterior do pai, das dificuldades do relacionamento com Gwen Stacy proibido pelo falecido pai da moça e da proteção a sua estimada cidade. A ideia de investir em um lado mais alegre do personagem, tendo como foco as piadas e gracinhas que fazem sucesso nos quadrinhos, fica mais clara que nunca. E apesar de funcionar vez ou outra, não flui bem na maioria do longa, como na passagem que ele atende a um celular enquanto cuida de um problema. Uma tentativa frágil de adequação aos nossos tempos.

Harry Osborn, figura primordial na história do herói e da primeira trilogia, é finalmente apresentando nesta nova fase. Dane DeHann (“Versos de Um Crime”) é o ator que cuida dessa roupagem recente e deixa de fora o alto astral e o estilo playboy do personagem para investir mais nos problemas familiares, repleto de dor e de tormento. A transferência de profundidade do protagonista para os coadjuvantes ocorre novamente e não atrai bons resultados. O Harry Osborn de Dane DeHann é mal construído, grotesco e com entradas forçadas.

Em “O Espetacular Homem-Aranha 2 – A Ameaça de Electro”, Marc Webb apresenta um filme ainda menor que o anterior, que vale somente pelas cenas de ação e pelas viagens do amigão da vizinhança pelos prédios. É muito pouco. Até a presença de Paul Giamatti como um criminoso russo passa batido. Para os fãs existem alguns agrados como o Rino (mesmo que descaracterizado e malfeito) e vislumbres do Abutre. Mas ainda sim é pouco. É longo demais, falta ritmo, falta estilo e boas atuações, e principalmente, falta uma trama a altura do herói.

Nota: 5,0


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sexta-feira, 16 de maio de 2014

“Crazy Diamond – Syd Barrett e o Surgimento do Pink Floyd” - Mike Watkinson e Pete Anderson

Como afirmar se uma vida realmente valeu a pena? São tantos pesos, tantas medidas e tantas considerações que podem fazer parte desse questionamento inicialmente simples, que no fim, nenhuma resposta parece ser a correta. Ter uma vida pacata, sendo um cidadão de bem e feliz dentro da sua tranquilidade, valida uma vida? Ou é necessário criar grandes obras, ser reconhecido no seu círculo e esbanjar criatividade mesmo que em poucos anos de brilho? É bem difícil afirmar.

O inglês Roger Keith Barrett transitou por essas duas pontas. É o que vemos no livro “Crazy Diamond – Syd Barrett e o Surgimento do Pink Floyd”, que a Sonora Editora lançou aqui no ano passado, com 224 páginas e tradução de Maíra Contrucci Jamel. Escrito a quatro mãos por Mike Watkinson e Pete Anderson, a obra teve a primeira edição lá fora em 1991, ganhando novos adornos depois do falecimento do biografado em 2006, na sua acolhedora e querida Cambridge que utilizou como exílio voluntário na maior parte da vida.

“Crazy Diamond” é um trabalho valoroso para os fãs do Pink Floyd e interessante para amantes da arte pop em geral. Trata da formação da banda, quando Syd Barrett conhece Nick Mason, Roger Waters, Richard Wright e David Gilmour, que posteriormente lhe substituiria no grupo. Do estouro local quando os primeiros singles “Arnold Layne” e “See Emily Play” os levaram a programas como o “Top Of The Pops” até a derrocada e a saída da banda em 1968 encontramos um personagem repleto de singularidades.

Ele era o “dono” da banda nesse início. Compunha, cantava e tocava guitarra. Esse reflexo dinâmico pode ser visto no álbum de estreia do Pink Floyd de 1967, o clássico “The Piper At The Gates Of Dawn”. Já no segundo trabalho de 1968, “A Saucerful Of Secrets”, ele pouco participou (uma boa exceção é “Jugband Blues” que fecha o trabalho), e depois da saída a sua criatividade ainda apareceu (mesmo que de modo camuflado e confuso) nos discos solo “The Madcap Laughs” e “Barret”, ambos de 1970.

Características do artista como a inovação e a inclusão de nuances pouco usuais na época, se por si só não podemos afirmar que criaram a psicodelia, foram fundamentais para que esta acontecesse. No entanto, isso tem um preço, e nos anos 60 esse preço vinha pelo poder do ácido, que foi responsável por fazer que Syd Barrett alternasse de humor e visse sua maestria ir embora pouco a pouco pelo demasiado consumo de substâncias do tipo. Substâncias que afloravam o sentimento de inquietude que sempre lhe acompanhara.

Um dos pontos positivos do livro é apontar que sem a saída de Syd Barret do Pink Floyd, a banda nunca teria acontecido da maneira que aconteceu, assim como, que a ideia vendida de que ele fora escorraçado do grupo e rejeitado pelos integrantes posteriormente é mera bobagem. Ele simplesmente não tinha como continuar, aliás, ele não queria continuar. E o Pink Floyd sempre teve que viver com a sua sombra pairando em entrevistas, artigos e matérias de tevê, enquanto ele escolheu a paz da cidade natal para se recuperar e viver.

O trabalho vivaz e a seguinte queda encontra paralelo em outros artistas como Brian Wilson dos Beach Boys, Peter Green do Fletwood Mac, ou, guardadas as devidas proporções, em Arnaldo Baptista dos Mutantes. O preço de viver loucamente a época cobrou seu preço e a volta se tornou uma difícil missão. Para Syd Barrett, essa volta nunca aconteceu. Nunca mais gravou nada depois desse período e nem quis mais conversa, apesar de receber propostas tentadoras de gravadoras dispostas a usufruir do mito criado.

“Crazy Diamond” demonstra não somente a intensidade do artista, como também sua importância, mas fica no ar a questão de como o rock, e por extensão a música pop, cria controversas auras de magnetismo. Como pode provocar tanto fascínio uma obra tão pequena (em quantidade)? E fica mais fascinante ainda ser oriunda de um cara atípico onde as canções falam de temas não muito básicos e tem formatações e construções diferentes do pop costumeiro, ainda que as melodias apontem para esse lado.

Isso, só a música pode explicar. E é aí que reside boa parte da sua graça.

P.S: Para neófitos, uma coletânea dupla chamada “Wouldn’t You Miss Me” de 2001 é totalmente recomendável (e encontra-se aí pela rede).

Nota: 8,0