quinta-feira, 9 de outubro de 2014

“A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves” - Joca Reiners Terron

Um escrivão de polícia sexagenário, solitário, insone, acima do peso e cheio de manias e devaneios, que depois de um relacionamento fracassado e de um tempo vivendo no exterior, mora agora com o pai, um judeu que chegou ao Brasil antes da segunda guerra, casou com uma negra (para cólera geral da sua comunidade) e montou uma mercearia para sustento da família, mas, que neste momento, sofre de demência e precisa de cuidados. Esse escrivão é o narrador do romance “A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves” do cuiabano radicado em São Paulo, Joca Reiners Terron.

Lançado ano passado pela Companhia das Letras esse é o sexto romance do escritor e apresenta 176 páginas. O título, por si só, já chama bem a atenção, mas isso não é exatamente uma novidade para o autor, é só dar uma olhada nos seus livros anteriores. Nessa obra específica ele mistura suspense, literatura policial e um bom quinhão de terror dentro da capital paulista, em sua maior parte no tradicional bairro do Bom Retiro, um bairro grande, com forte característica comercial (é lá que fica a famosa rua José Paulino) e multicultural, com coreanos, judeus, gregos e bolivianos transitando pelas ruas.

A narrativa de Joca Reiners Terron continua perseguindo o não convencional, o incomum. E em “A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves” essa opção obtém um elevado resultado, podendo até ser classificado como o melhor livro da carreira. Personagens curiosos são criados, como o escrivão, além de um deslocado jovem entregador de mercadinho, um taxista apaixonado por cães de um modo violento e irracional e, o principal destaque, a Sra. X que cuida dentro de uma casa quase abandonada de uma pequena pessoa (denominada como “criatura”) que vive com todas as partes do corpo cobertas para esconder a aparência.

Do outro lado deste exótico universo imaginado (separado, porém ao mesmo tempo ligado), está o animal que empresta o nome ao título e vive no zoológico paulista. Um animal solitário (assim como o narrador), mortífero, repleto de folclore e lendas ao seu redor, em risco constante de extinção e tendo como habitat natural uma região bem diferente da nossa. E que passa por uma situação bem delicada.

A maneira que Joca Reiners Terron une essas figuras tão peculiares e esses dois cenários distintos (quando analisados friamente) é louvável e muito hábil. Ali escondido no meio das frases também insere leves críticas ao preconceito, a xenofobia, a mesquinhez humana e a sociedade de modo geral, principalmente no trato aos viciados em crack. Isso, somado não só ao fato de sair alguns (bons) passos longe do usual, como também por deixar a trama em um constante crescimento, faz da obra algo bem recomendável.

Nota: 8,5

Twitter do autor: http://twitter.com/jocaterron

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