sábado, 31 de janeiro de 2015

"O Irmão Alemão" - Chico Buarque

Chico Buarque não lançava um novo livro desde “Leite Derramado” de 2009, onde mesmo construindo um bom romance estancava ali a sua ascensão como escritor iniciada com “Estorvo” em 1991 e passando por “Benjamim” de 1995 e por aquele que é seu melhor trabalho até então, “Budapeste” de 2003. Esse silêncio literário terminou no final do ano passado quando a Companhia das Letras colocou no mercado as 240 páginas de “O Irmão Alemão”.

Para construir a nova obra, o autor usou a história real de um meio-irmão alemão. Seu pai, o acadêmico e intelectual Sérgio Buarque de Holanda, morou em Berlim nos anos de 1929 e 1930 e de lá saiu antes da subida de Adolf Hitler ao poder deixando para trás um filho que nunca conheceu proveniente de uma aventura amorosa na cidade. Posteriormente, até ajudou de determinada maneira esse filho de nome Sergio Ernst, contudo os sete filhos que teve no Brasil nunca o conheceram, assim como sua esposa.

Em um dia no longínquo ano de 1967 na casa do poeta pernambucano Manuel Bandeira junto com Tom Jobim e Vinicius de Moraes é que Chico Buarque soube da existência do “filho alemão do seu pai”. A partir de então começou a se interessar pelo assunto, até que este assunto cresceu exponencialmente até se tornar o tema do trabalho mais recente. Documentos antigos foram surgindo para dar novas nuances a escrita, assim como uma extensa pesquisa foi coordenada tanto na Alemanha quanto aqui no Brasil para servir de matéria prima ao romance.

Porém, “O Irmão Alemão” não é um livro somente com fatos verídicos. Não, não, bem longe disso. Chico Buarque usa sim muitos fatos da própria família e história para atravessar os turbulentos anos 60, assim como retornar ao passado e finalizar a obra nos nossos dias, mas, esses fatos são misturados com abundância com outros inventados e imaginados pelo autor, resultando assim em um trabalho que mescla realidade e ficção, como também devaneia por caminhos hipotéticos.

Esse artifício de sobrepor realidade e ficção não é novidade na literatura do escritor, ele já utilizou isso outras vezes, todavia, a intensidade aqui ambiciona ser maior, com a soma de prováveis destinos e outras passagens com a inserção de um sonhar ilusório. No livro, o jovem Francisco de Hollander sabe da existência do irmão mexendo em um livro da gigantesca biblioteca do pai, que dá mais atenção aos livros do que a família, e quando direciona um pouco de tempo a isso sempre busca o irmão mais velho.

Quando toma conhecimento desse fato, Francisco (chamado de Ciccio, também) empreende uma busca febril, ousada e com pífios resultados atrás desse irmão que não conhece. Enquanto isso não ocorre vai aumentando a própria cultura caindo de cabeça em autores dos mais diversos quilates e estirpes, além de iniciar suas buscas amorosas e etílicas sempre a sombra do irmão que serve de alavancagem para uma grande parte das decisões que toma, inclusive a de procurar saber o que aconteceu com Sergio Ernst.

É fato o domínio que Chico Buarque tem da escrita e da língua portuguesa e não é novidade para quem já o leu a utilização de palavras pouco usuais no nosso dia a dia, como também variações linguísticas um pouco mais experimentais. Esse expediente em “O Irmão Alemão” transfigura em certos trechos mais do que um escritor soberano da sua literatura, um exercício de pretensão por parte deste, visto que em uma quantidade bem elevada são apenas floreios desnecessários que não acrescentam muito ao objetivo da trama e nem a caracterização dos personagens.

Até mesmo algumas obviedades são percebidas no livro como o claro e límpido antagonismo criado entre os irmãos Hollander para adicionar o interesse pelo meio-irmão alemão e depois a entrada de um fato maior (a ditadura brasileira no caso aqui) para amenizar essa relação, mesmo que a distância. Com capítulos onde as pausas são raras, o autor faz em “O Irmão Alemão” um livro mais interessante que o seu antecessor, porém ainda assim levemente perdido entre o excesso de confiança e a insipidez, e ainda distante do grande livro que sempre se espera de Francisco Buarque de Holanda.

Nota: 7,0

Textos relacionados no blog:
- Literatura: “Leite Derramado”(2009) – Chico Buarque

A Companhia das Letras disponibilizou um trecho gratuitamente, aqui.

Assista a um vídeo do escritor lendo um pouco da própria obra:


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