É difícil distinguir os limites
de cada religião, aquilo que se convenciona como permissível ou simplesmente
relacionado aos seus próprios dogmas. Esses limites tem as suas consequências legais,
sociais e morais e não é nenhuma novidade essa religião ser usada de modo
controverso e inexplicável, como também para justificar atos injustificáveis. O
autor britânico Ian McEwan (de livros como “Reparação”, “Sábado” e “Na Praia”)
é um contumaz crítico do teor medieval de algumas práticas religiosas e deixa
isso bem claro no mais recente trabalho.
“A Balada de Adam Henry” (“The
Children Act”, no original) foi lançado lá fora no ano passado e ganhou
edição por aqui no mesmo ano pela Companhia das Letras, com 200 páginas e
tradução de Jorio Dauster. No livro, Ian McEwan envolve habituais temas seus
como os erros pessoais, as falhas da sociedade em geral e a fragilidade e o
cansaço do casamento como instituição “sagrada”, com uma esfera jurídica que
serve para dar vazão as críticas fortes que faz em direção a regras religiosas.
A personagem principal do livro é
a juíza Fiona Maye, que trabalha na vara de família e decide casos que envolvem
divórcios, guardas de filhos, heranças e coisas do tipo. Ou seja, vive diariamente
com uniões destruídas e brigas vorazes. Próxima de completar 60 anos tem um
casamento normal, pelo menos até onde ela enxerga. É quando seu marido a
surpreende com a decisão de ter uma aventura amorosa com uma mulher mais nova
com a desculpa de que as coisas entre eles esmoreceram e não têm mais sentido.
É nesse cenário que surge Adam
Henry, um jovem ainda menor de idade (mas apenas a três meses da maioridade),
que está com leucemia e precisa urgentemente de uma transfusão de sangue. O
problema é que tanto Adam, quanto os seus pais, são Testemunhas de Jeová, e a
religião deles não permite a transfusão de sangue, pois acreditam que isto fere
os preceitos de Deus e é melhor que se cometa o sacrifício e morrer do que
burlar esses preceitos e “sujar” o sangue e por consequência a própria alma. O
hospital não acata isso e parte para a briga judicial na qual Fiona é a juíza.
Em “A Balada de Adam Henry”, Ian McEwan confronta os absurdos
religiosos com o poder de cada um decidir o que é melhor para si. Contrapõe
desejos reprimidos (maternais e sexuais) e o conforto ilusório (ou não) de uma
relação duradoura. São terrenos espinhosos para serem visitados esses que o
autor opta em tratar, contudo ele faz isso com bastante destreza e o requinte
na escrita que lhe é peculiar, o que só confirma o talento e sua posição como
um dos grandes romancistas da atualidade.
Nota: 8,5
A Companhia das Letras
disponibilizou um trecho gratuitamente para download. Passe aqui.
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