sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

"A Balada de Adam Henry" - Ian McEwan

É difícil distinguir os limites de cada religião, aquilo que se convenciona como permissível ou simplesmente relacionado aos seus próprios dogmas. Esses limites tem as suas consequências legais, sociais e morais e não é nenhuma novidade essa religião ser usada de modo controverso e inexplicável, como também para justificar atos injustificáveis. O autor britânico Ian McEwan (de livros como “Reparação”, “Sábado” e “Na Praia”) é um contumaz crítico do teor medieval de algumas práticas religiosas e deixa isso bem claro no mais recente trabalho.

“A Balada de Adam Henry” (“The Children Act”, no original) foi lançado lá fora no ano passado e ganhou edição por aqui no mesmo ano pela Companhia das Letras, com 200 páginas e tradução de Jorio Dauster. No livro, Ian McEwan envolve habituais temas seus como os erros pessoais, as falhas da sociedade em geral e a fragilidade e o cansaço do casamento como instituição “sagrada”, com uma esfera jurídica que serve para dar vazão as críticas fortes que faz em direção a regras religiosas.

A personagem principal do livro é a juíza Fiona Maye, que trabalha na vara de família e decide casos que envolvem divórcios, guardas de filhos, heranças e coisas do tipo. Ou seja, vive diariamente com uniões destruídas e brigas vorazes. Próxima de completar 60 anos tem um casamento normal, pelo menos até onde ela enxerga. É quando seu marido a surpreende com a decisão de ter uma aventura amorosa com uma mulher mais nova com a desculpa de que as coisas entre eles esmoreceram e não têm mais sentido.

É nesse cenário que surge Adam Henry, um jovem ainda menor de idade (mas apenas a três meses da maioridade), que está com leucemia e precisa urgentemente de uma transfusão de sangue. O problema é que tanto Adam, quanto os seus pais, são Testemunhas de Jeová, e a religião deles não permite a transfusão de sangue, pois acreditam que isto fere os preceitos de Deus e é melhor que se cometa o sacrifício e morrer do que burlar esses preceitos e “sujar” o sangue e por consequência a própria alma. O hospital não acata isso e parte para a briga judicial na qual Fiona é a juíza.

Em “A Balada de Adam Henry”, Ian McEwan confronta os absurdos religiosos com o poder de cada um decidir o que é melhor para si. Contrapõe desejos reprimidos (maternais e sexuais) e o conforto ilusório (ou não) de uma relação duradoura. São terrenos espinhosos para serem visitados esses que o autor opta em tratar, contudo ele faz isso com bastante destreza e o requinte na escrita que lhe é peculiar, o que só confirma o talento e sua posição como um dos grandes romancistas da atualidade.

Nota: 8,5

A Companhia das Letras disponibilizou um trecho gratuitamente para download. Passe aqui.

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