quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

"Treme" - Uma série que você precisa assistir

Era final de agosto de 2005 quando um furacão de alto nível (o maior das últimas quatro décadas) oriundo de uma tempestade tropical, arrasou a cidade de New Orleans, no estado da Louisiana nos Estados Unidos. Outras cidades de estados como o Mississipi, o Alabama e a Flórida também foram afetadas, mas em nível menor se comparadas a New Orleans. O Katrina (como foi chamado) foi devastador e carregou além de vidas e bens, a autoestima dos habitantes da região.

Durante a tempestade e os dias que seguiram, o que se viu foi uma sequência de erros inacreditáveis das administrações públicas (principalmente do Presidente Bush), com abusos ocorrendo tanto por parte da polícia quanto das gangues que se aproveitaram da desgraça. Na reconstrução da cidade, mais absurdos na retomada das casas, nas relações com as empresas de seguros e com a “Indústria do Desastre”, sempre atuante no país com seus acordos e negociatas.

Focada nessa reconstrução é que foi arquitetada “Treme”, série da HBO que começou a ser exibida em 11 de abril de 2010 e foi finalizada agora em 29 de dezembro de 2013, depois de quatro temporadas e 36 capítulos. Idealizada por David Simon (da ótima “The Wire”), com a parceria de Eric Overmyer (roteirista de várias séries como a própria “The Wire’”), “Treme” historicamente se inicia alguns meses depois da passagem do furacão e termina no Mardi Gras de 2009.

Um dos grandes berços do jazz e reconhecida por sua música em geral e gastronomia, “Treme” aborda o drama de se erguer novamente sem esquecer esses pontos e em todos os episódios a música exerce um papel fundamental, já atracada no próprio nome, que representa um dos bairros mais musicais e festeiros (e pobres) da cidade. Não obstante, alguns dos personagens principais são músicos como os trompetistas Delmond Lambreaux (Rob Brown) e Antoine Batiste (Wendell Pierce) e a violinista e cantora Annie Tee (Lucia Micarelli).

A culinária, outra característica da região, é representada pela chef Janette Desautel (Kim Dickens de “Obrigado Por Fumar”). Entre os vários polos de apresentação que ainda podemos recortar temos a briga em manter as tradições culturais de Albert Lambreaux (Clarke Peters de “Person Of Interest”), a busca pelos direitos civis contra a corrupção policial da advogada Toni Bernette (Melissa Leo de “O Vencedor”) e do detetive Terry Coulson (David Morse de “Guerra Ao Terror”) ou os negócios obscuros de empreiteiros como Nelson Hidalgo (Jon Seda).

Amarrando despretensiosamente todas essas pontas (ou a maioria delas) está o DJ Davis McAlary, personagem interpretado por Steve Zahn de “Roubos e Trapaças”, um idealista, sonhador e apaixonado pela cidade. John Goodman (de “Argo”), como um professor e marido de Toni Bernette também é um grande papel, mas infelizmente só participa da primeira temporada, o que é válido por outro lado pois abriu novas possibilidades narrativas envolvendo tanto o crescimento pessoal quanto revoltas próprias.

Além de todos esses fatores, quase sempre os episódios exibidos são exímios, tecnicamente falando. Diretores como Tim Robbins (“Os Últimos Passos de Um Homem” de 1995), Agnieszka Holland (“Filhos da Guerra” de 1990 e “O Jardim Secreto” de 1993) e Brad Anderson (“O Operário” de 2004), são alguns dos nomes responsáveis. E a parte musical, bom, a parte musical é puro deleite, pura satisfação. Trafegam nos capítulos artistas como Elvis Costello, Allen Toussaint, Dr. John, Kermitt Ruffins, Trombone Shorty, John Boutté, Steve Earle e Irma Thomas, entre tantos outros.

“Treme” alcança algo extremamente complicado que é unir bem várias vertentes e muitos personagens fortes com real participação na trama, de modo equilibrado. O drama junto com a comédia, a pesada crítica social com a corrupção política, a música com o cotidiano, a dúvida com o entusiasmo, o aprendizado com fracasso. E no meio disso tudo, como talvez a grande protagonista de todo o enredo, a cidade em si, a terra de um povo, o chão de sonhos e decepções que é New Orleans.

Mesmo com a quarta e última temporada tendo apenas cinco episódios e acabando antes do idealizado, o final não deixa muito a desejar e preserva o gabarito de qualidade visto durante as temporadas. Poucas vezes uma série exibiu esse nível de qualidade de modo tão constante. Depois de assisti-la é impossível não se apaixonar por New Orleans, pelo seu povo, sua comida e sua música. É uma pena que “Treme” tenha chegado ao fim, mas assim como seus personagens cansaram de mostrar, é preciso seguir em frente.

P.S: Também é uma pena que “Treme” não tenha sido tão alardeada aqui no Brasil. Das quatro temporadas só a primeira está disponível em DVD. Quem quiser assistir, ou acompanha pela HBO os capítulos soltos em reprises (a espera de uma maratona) ou vai ao serviço online “HBO GO”, onde tudo está disponível. Ou ainda, importa as temporadas. Acredite, vale o esforço. Completamente.

Nota: 10,0

Abaixo, alguns momentos musicais de “Treme”:

DJ Davis com “Shame, Shame, Shame”:


Irma Thomas, Allen Toussaint e Antoine Batiste com “Time Is On My Side”:


Vários em “Will The Circle Be Unbroken”:


Nenhum comentário: