Sempre que algo do Chico Buarque chega às lojas, sejam discos, livros ou o quer que seja, a expectativa é grande. O artista, provavelmente o maior nome vivo da cultura nacional é quase que constantemente sinônimo de alta qualidade. A sua faceta escritor, concebe em 2009 seu quarto livro, “Leite Derramado”, lançado pela Companhia Das Letras e que não consegue superar seu antecessor, por mais que seja prazeroso de ser consumido.
O lado escritor de Chico, vinha em crescente melhoria, desde o seu inicio com o razoável “Estorvo” de 1991, o confuso, bonito e lúdico “Benjamin” de 1995 e o excelente “Budapeste” de 2003. Com “Leite Derramado”, essa curva de alta recebe sua primeira parada, o escritor não consegue trazer uma história de toda fascinante, mesmo que esteja inserida com bons personagens e boas passagens.
É Eulálio d’Assumpção que conduz a narrativa direto de uma cama de hospital, sofrendo ao mesmo tempo em que rememora sua vida. Eulálio tem pouco mais de 100 anos, nasceu em 1907 em berço de ouro, atravessando diversas fases da história brasileira contemporânea, cruzando a Era Vargas, Ditadura e o movimento das Diretas Já, entre tantos outros. Seus antepassados remontam aos portugueses, indo de um barão do Império até a um senador da Primeira República.
Acontece que isto são tempos idos, hoje vive em completa miséria junto com sua única filha, já com oitenta anos e que contribuiu muito no consumo de toda sua riqueza. Ao falar para a filha, enfermeiras ou mesmo sozinho, relembra seu passado de glória, sua queda e os dias do seu eterno amor com Matilde, que lhe abandonou, deixando aberta uma grande ferida. Matilde era uma mulata, que Eulálio como se fosse um pitoresco Dom Quixote, insiste em não ver.
O aspecto mais interessante de “Leite Derramado” é que os fatos narrados se confundem frequentemente, usufruindo da premissa da memória confusa do personagem que as narra, sendo contados sem ordem cronológica, revelando de modo gradativo os fatos que vão preencher as lacunas da trama, contribuindo para que em quase 200 páginas, seja retratado um cenário contundente de decadência e mudança de costumes.
Chico construiu “Leite Derramado" a partir de uma grande canção sua, “O Velho Francisco” e habita sua prosa neste momento em nomes como Machado de Assis e Gabriel Garcia Marquez. Seu novo trabalho continua prezando pela beleza da escrita e cativando o prazer da leitura, no entanto por ser uma obra sua, a expectativa gerada é sempre por algo mais, algo mais este, que infelizmente não consegue aparecer neste livro.
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