quinta-feira, 7 de novembro de 2013

"Thor: O Mundo Sombrio" - 2013

“Thor” de 2011 era um filme que agradava mais a aqueles já habituados ao universo do personagem nos quadrinhos do que aos demais. O tarimbado e competente Kenneth Branagh acertou em algumas coisas na direção, como na recriação de Asgard e nas cenas de lutas, entretanto pecou em deixar pairando sobre o longa aquele clima de romance de novela, mesmo que se leve em consideração que lá na essência, a vida desse vingador sempre teve a mesa servida com boas porções dos temas que compõem qualquer produção novelesca.

“Thor: O Mundo Sombrio” é a continuação do filme de 2011. Lançado recentemente por aqui, chega logo após o sucesso do filme dos Vingadores no ano passado e mostra o Loki (Tom Hiddleston, o melhor em cena novamente) sendo preso por Odin (Anthony Hopkins) nas masmorras do reino, fato esse diretamente vinculado ao filme do grupo de heróis. Assim, as coisas parecem que estão tomando jeito e Thor (Chris Hemsworth) vai socando inimigos e arremessando seu martelo em algumas criaturas, para assim retornar com a paz nos Nove Reinos.

Mas, é lógico que a paz ia acabar, senão não teríamos filme, não é? E a trama que é apresentada para que essa tranquilidade recém instaurada termine, novamente arremessa um longa do personagem para o romance barato e trivial como desencadeador de todas as tragédias que se apresentarão. Jane Foster (Natalie Portman, que já foi muito mais bonita do que aqui) assume um papel de destaque total quando uma perigosa e antiga arma invade seu corpo enquanto ela corre atrás de anormalidades em Londres. Anormalidades, também conhecidas pelo nome de Thor.

O ressurgimento dessa arma perdida era o que o elfo negro Malekith (Christopher Eccleston) queria para despertar e traçar a vingança contra Asgard, que teve origem eras atrás pelas mãos de Bor (Tony Curran), pai de Odin, e logicamente, avô de Thor. Essa vingança representa nada mais, nada menos, que o fim do universo como conhecemos e para tentar impedir essas forças maléficas, o Deus do Trovão precisa se aliar com o próprio irmão renegado, o que representa na verdade a única parte realmente boa da continuação dirigida por Alan Taylor.

Sim, mas quem é Alan Taylor? Alan Taylor, o diretor que substitui Kenneth Branagh no comando, tem uma carreira quase inexpressiva no cinema, onde o maior destaque fica por conta de “As Novas Roupas do Imperador” de 2001, porém exibe uma alta rodagem na televisão. Por exemplo, já dirigiu episódios de séries do quilate de “Família Soprano”, “Guerra dos Tronos” e “Boardwalk Empire”. No entanto, essa alta experiência em outra seara não foi suficiente para fazer um bom filme, e até colabora em contrapartida para o péssimo resultado final, pois parece que ele quis fazer algo mais palatável e errou a mão.

Mais do que “Thor” de 2011, “Thor: O Mundo Sombrio” é um filme que só vai ter alguma graça (e olhe lá) para quem é bem fã dos quadrinhos e vai vibrar com as passagens de coadjuvantes como Fandral, Volstagg, Tyr, Hogun e Lady Sif, ou com a inclusão das criaturas de pedras (saca o Korg?), com a boa sacada com o Capitão América ou com a milésima aparição “escondida” de Stan Lee. Além disso, é mais um filme comum de ação, sem nada de excepcional, com uma trama fácil, soluções confusas, romance explorado sem inspiração, e atuações fracas, onde só Tom Hiddleston se sobressai no meio da mediocridade.

Aliás, é por causa de Loki, que ainda pode-se guardar – com receio, é verdade – um pouco de esperança para o próximo filme da franquia.

Nota: 5,0

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sábado, 2 de novembro de 2013

"Gravidade" - 2013

O mexicano Alfonso Cuarón levantou grandes expectativas com o filme “E Sua Mãe Também” de 2001. Na sequência disso desembarcou logo em uma franquia milionária e foi responsável por “Harry Potter e O Prisioneiro de Azkaban” de 2004. Na franquia do famoso bruxinho, conseguiu até imprimir algumas das suas tonalidades prediletas, mas ainda assim era um filme de Harry Potter em toda a essência mais ampla e irrestrita. As expetativas sobre o trabalho do diretor caíram, mas ganharam algum fôlego novamente com “Filhos da Esperança” de 2006.

De lá para cá, Alfonso Cuarón trabalhou com documentários, tevê e produziu alguns filmes. Porém, a próxima carta do diretor a ser arremessada na mesa é “Gravidade” (“Gravity”, no original), lançado recentemente aqui no país. Visitando novamente o universo da ficção científica, mas com aspectos bem mais sucintos e críveis, o mexicano fez um daqueles filmes para se orgulhar. Escrito por ele e pelo filho, “Gravidade” (que deve ser visto obrigatoriamente em 3D pra cima), compensa todas as expectativas geradas em algum momento anterior.

Apesar da fotografia exuberante, o ponto mais alto de “Gravidade” é envolver o espectador no tenso clima que aparece na tela. Fazendo uma analogia rápida com um filme recente, é como se “Santuário” de 2011 do diretor James Cameron fosse elevado à décima potência. Não por acaso, um dos maiores entusiastas do filme foi o idealizador de “Avatar”. Quando os problemas começam a acontecer em pleno espaço, e o filme se converte em um clássico – porém, muito eficiente – de superação pessoal e dos limites, a sala fica em extremo silêncio, coisa raríssima para os dias atuais.

Na trama somos apresentados a Dra. Ryan Stone (Sandra Bullock) e ao Tenente Matt Kowalski (George Clooney), que junto com a voz de Ed Harris no controle da missão em Houston representam quase que a totalidade do elenco. Durante uma missão de reparo e instalação de novas tecnologias, todos são surpreendidos por uma chuva de destroços que arrasa a tudo e a todos. A partir disso, a questão é tentar se virar como pode, se reinventar e ser forte para tentar sobreviver em meio às adversidades apresentadas. Um clichê eterno que no filme não soa nada banal.

Em “Gravidade”, George Clooney exibe sua habitual (ou quase isso) competência e simpatia, no entanto é em Sandra Bullock que Alfonso Cuarón arregimenta todo o trabalho. Com uma atuação na cadência certa entre o desespero e a aceitação, a atriz exibe mais uma vez aquela fagulha de talento que vimos em “Um Sonho Possível” de 2009. Com um papel que exigia muito de qualquer ator, ela ostenta uma forma física impecável e faz a citada fagulha de talento se transformar em uma pequena fogueira. E só por essa façanha, Alfonso Cuarón já merece inúmeros aplausos.

Nota: 8,5

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sábado, 31 de agosto de 2013

Séries - "Vikings"

A busca pelo novo. Por novos lugares, novas cidades, novas oportunidades, novos mares. Quantos e quantos povos não se definiram por isso ou tiveram isso como a peça motivadora para a expansão de seus reinos na idade antiga ou para a própria consolidação de seus países na idade moderna. O History Channel, com a destreza técnica que lhe é peculiar, resolveu escolher um desses povos para servir de base para a primeira série que coloca no mercado televisivo. “Vikings” estreou lá fora em meados de março e chegou aqui no país no começo de agosto.

Com exibição nacional pelo canal NetGeo, “Vikings” tem início por volta do ano de 790 D.C e tem como personagem principal o fazendeiro, guerreiro e saqueador Ragnar Lothbrok (Travis Fimmel da série “The Beast”). A região da Escandinávia, terra abrigada por nações como Suécia, Noruega e Dinamarca, serve como palco para a ambientação histórica, sendo que a série se baseia mais nos avanços e marchas do último país citado. Já com a segunda temporada garantida devido ao sucesso de público nos EUA, a produção transita entre bons momentos e outros nem tanto assim.

Do lado positivo temos a caracterização da época nas vestimentas e lugares, assim como na ideologia, mesmo que esta às vezes tente amenizar algumas atenuantes mais pesadas. A parte da ação também convence, assim como o alicerce que norteia tudo que é a citada busca pelo novo, traduzida na ideia fixa de Ragnar navegar por novos mares e saquear outros lugares. Uma busca pela terra prometida, por assim dizer. Há de se louvar também a boa carga religiosa contrapondo os deuses nórdicos (Odin, Thor, Loki e cia.) e a religião católica, por exemplo. Uma boa visão de como essa parte do mundo pensava e agia.

Porém, no meio da briga de Ragnar contra o todo poderoso Earl Haraldson (Gabriel Byrne de “Os Suspeitos”) para conseguir navegar por outras águas, uma parte incomoda um pouco. Tentando dar um tom mais novelesco e criar tramas para atrair a atenção do público em geral, o roteiro romantiza demais em determinados momentos e retira o foco dos avanços e dramas de conquista para relações chatas e pesarosas. O mesmo erro que o canal já havia cometido com a minissérie “Hatfields & McCoys” (já exibida aqui, mas que continua passando vez ou outra).

Por conta disso, “Vikings” sempre que parece que vai deslanchar acaba caindo de nível e não cumpre tudo aquilo que promete por esse fragilizado desvio de foco. Idealizada por Michael Hirst, também criador de séries como “The Tudors” e “Camelot” e roteirista de filmes como “Elizabeth” de 1999 e “Elizabeth: A Era de Ouro” de 2007, essa romantização já era esperada para quem conhece as produções citadas acima, porém a dose que aqui é aplicada vai mais além e acaba diminuindo bem o resultado final.

Nota: 6,5

Mais informações no site do canal NatGeo: http://www.natgeo.com.br/br/especiais/vikings


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quinta-feira, 15 de agosto de 2013

“The Happiness Waltz” - Josh Rouse - 2013

Dizem que a felicidade não cai bem para um músico. Principalmente quando o seu modo de trabalho quase sempre resulta em canções melódicas, com direito a algumas baladas que fazem beleza e melancolia andarem juntas como irmãs unidas e inseparáveis. Assim, os melhores trabalhos são gerados naqueles anos de incertezas, dúvidas e frustrações. Naqueles anos onde uma parte da vida, seja ela qual for, não se comportou como você achava que deveria. Naqueles anos onde a música era antes de tudo um antídoto contra tudo isso.

Teve muito disso na vida de Josh Rouse, o que o ajudou a construir algumas canções realmente atraentes nesse período. No entanto, há algum tempo ele está de bem com a vida, praticamente desde que optou em mudar para a Espanha e iniciou um novo romance com a também artista Paz Suay. Depois de expressar esse contentamento em álbuns nem tão bons assim como o túrbido “El Turista” de 2010 e o mediano ““Josh Rouse and The Long Vacations” de 2011, chegou a hora de contrapor a afirmativa do primeiro parágrafo e lançar outro grande trabalho.

“The Happiness Waltz” reflete bem esses dias de paz e de serenidade. No décimo registro de estúdio, Josh Rouse esquece os batuques e percussões e parte para aquilo que sabe fazer de melhor, que é compor canções com melodias apuradas, daquelas que grudam na mente. O olhar retorna para os anos 60 e 70, para o folk, para o blue-eyed soul e para o alt-country.  Já quarentão, ele opta por evocar os timbres dos seus melhores registros como “1972” de 2003, Nashville de “2005” e “Subtítulo” de 2006.

Não por acaso a produção do novo álbum ficou sob a responsabilidade do velho comparsa Brad Jones, figura presente nos trabalhos colocados acima. Lançado em março, tem distribuição pela Yep Roc Records, foi gravado no Rouse’s Rio Bravo em Valência e conta com os parceiros das últimas empreitadas Xema Fuertes (banjo, guitarra, piano e vibrafone) e Cayo Bellveser (baixo, órgão), assim como Jim Hoke (flautas e sax), Raul Fernandez (piano) e Esteban Perles (bateria). A esposa Paz Suay ficou responsável pelo design e concepção visual.

São 12 faixas do melhor Josh Rouse que podemos desejar. Da súplica para o retorno da amada e a busca por coisas simples de “Simple Pleasures” até a ensolarada “A Lot Like Magic”, onde sem medo de soar piegas demais afirma que deve-se viver cada dia como se fosse o último. Da singela saudade de “City People, City Things”, até a saudade que também é tema de “The Western Isles”, mas não como um sentimento arrasador e mais como boas lembranças voltando a aparecer na cabeça.  

“It’s Good To Have You” apresenta um homem apaixonado pela mulher e achando prazer nas coisas cotidianas, mesma impressão de “Start Up Of Family” que versa sobre momentos ruins e a hora certa de montar uma família. “Purple And Beige”, mais leve, fala novamente sobre estar bem, se sentir bem, assim como “This Movies”. Bem-estar que fecha com força total na quase natalina faixa título que encerra o álbum falando de cartões postais, primaveras, sorrisos e calmaria.

“The Happiness Waltz” exibe novos parceiros de composições e arranjos e equilibra felicidade e saudade (de casa quando sai para shows ou da velha pátria) em uma balança que não pende necessariamente para nenhum dos lados. O resultado é um disco sedutor que só depois de algum tempo percebe-se que foi esquecido no player e já está tocando direto. Certa vez o filósofo francês Émile-Auguste Chartier escreveu que “a felicidade não é fruto da paz, é a própria paz”, e é com suavidade e com essa frase no bolso que Josh Rose parece caminhar atualmente.

Nota: 9,0

Site oficial: http://www.joshrouse.com

Textos relacionados no blog:
- Música: “Josh Rouse and The Long Vacations” (2011) – Josh Rouse and The Long Vacations
- Música: “El Turista” (2010) – Josh Rouse
- Música: “Country Mouse, City House” (2007) – Josh Rouse

Assista ao clipe de “Julie (Come Out Of The Rain)”:


segunda-feira, 5 de agosto de 2013

"Inferno" - Dan Brown

Florença e Veneza. Duas cidades italianas em que a arte pulsa em diversas formas a cada esquina, cidades que são os berços principais da renascença italiana entre os séculos XV e XVI. Some-se a isso uma história onde um herói improvável acaba no meio de uma trama envolvendo uma corporação imensa e um louco de plantão que visam soltar uma catástrofe na sociedade que nós conhecemos. Coloque também uma bela mulher, algumas informações classudas sobre pintura, literatura e arquitetura e logo teremos um livro interessante, correto? Não, não está correto.

Ler “Inferno”, o novo romance de Dan Brown com o professor Robert Langdon como protagonista é uma aventura para pessoas extremamente corajosas, para aqueles com estômago forte para consumir qualquer tipo de petisco, independente da sua qualidade e gosto. Depois do fraquíssimo “O Símbolo Perdido” que sucedeu o bom “Anjos e Demônios” e o razoável (porém de estrondoso sucesso comercial) “O Código Da Vinci”, o autor consegue piorar o que já era ruim. A ladeira que “O Símbolo Perdido” se prestava a descer ganha mais alguns quilômetros para que “Inferno” siga adiante.

Com 448 páginas, tradução conjunta de Fabiano Morais e Fernanda Abreu e lançamento pela Editora Arqueiro (um braço da Editora Sextante), “Inferno” coloca o professor Langdon nas cidades referidas acima e se estende por outras como Istambul. Com amnésia parcial, esse híbrido de aventureiro, detetive e renomado catedrático, busca solucionar mais um grave problema provocado por um gênio da genética, que assustado com os rumos do planeta devido ao aumento da população mundial, acaba por se vestir com as roupas de salvador da pátria e aciona uma radical solução para a questão.

Dan Brown apresenta Robert Langdon novamente com a sua claustrofobia, relógio do Mickey Mouse no pulso (perdido aqui) e paixão pelas artes e símbolos antigos. Ao seu lado coloca outra bela mulher (desta vez a médica Siena Brooks) e assim entra no redemoinho de informações culturais, viradas de cenários e descobertas que beiram o impossível. Tudo isso embalado com o clássico livro “A Divina Comédia” de Dante Alighieri (que se pudesse ressuscitar com certeza daria uns petelecos na cabeça do autor) como guia para que as pistas apareçam uma a uma e ajudem a destravar o cenário proposto.

Mesmo usando duas cidades repletas de história como suporte principal, além das inúmeras informações sobre quadros, prédios e livros, “Inferno” não agrada em nenhum momento e mostra esgotamento e cansaço da temática. A tentativa de ganhar conotações mais sérias e fazer o leitor “pensar” sobre a questão da superpopulação mundial é risível e carente de argumentos novos. Esse ciclo de repetição que agrada em outros livros que ostentam um personagem constante não funciona nesse caso, pois Robert Langdon não tem tanto charme e carisma assim. E muito menos as palavras do seu criador.

P.S: Inferno é escapar dos trocadilhos óbvios com o nome. J

Nota: 2,5

Leia um trecho disponibilizado pela Editora Arqueiro, aqui.

Textos relacionados no blog:

- Literatura: “O Símbolo Perdido” – Dan Brown

quarta-feira, 31 de julho de 2013

"Laços" - Vitor Cafaggi e Lu Cafaggi

É simplesmente inegável o poder que as criações de Mauricio de Sousa exerceram sobre a maior parte das crianças que viveram nos anos 80 e 90. Sim, esse fascínio também se estendeu por décadas anteriores e posteriores, mas pode-se afirmar que foi nessa faixa de anos citada que os personagens realmente se consolidaram. Depois foi cada vez mais necessário se adequar a novos tempos (e isso foi feito sabiamente, cabe ressaltar) e transformar um pouco a linha evolutiva de cada um.

Usando essas décadas como referência básica é que os irmãos Vitor e Lu Cafaggi (de “Puny Parker” e “Mixtape”, respectivamente) criaram “Laços”, o segundo álbum do projeto Graphic MSP, que objetiva dar uma oxigenada nos cinquentões personagens transferindo essa releitura para novos artistas. “Astronauta Magnetar” trouxe o viajante espacial como protagonista no ano passado sob a batuta de Danilo Beyruth alcançando um ótimo resultado. Agora é a vez de Cebolinha, Mônica, Cascão e Magali entrarem na onda.

“Laços” é uma aventura por essência e ao acabar de ler é impossível não tecer comparações com a atmosfera de filmes como “Os Goonies” de 1985 dirigido por Richard Donner ou “Conta Comigo” de 1986 dirigido pelo Rob Reiner. Remete-se até mesmo a coisas mais recentes como o excelente longa “Super 8” de 2011, onde o diretor J. J. Abrams, não por acaso, usa esse clima oitentista com bastante propriedade como um dos principais ingredientes. Contudo, “Laços” ainda consegue ir bem além.

Lançado pela Panini Comics com 82 páginas e formato grande em versões de capa dura e brochura, a história retrata um tempo diferente, um tempo que hoje ainda só se encontra vivo em grandes proporções em cidades menores. Um tempo em que as crianças brincavam e corriam pela rua arrumando confusões e não ficavam o dia todo vidradas em computadores e games. Sim, os tempos são outros e diversas situações atuais levam a isso, porém o charme desse tipo de ambientação ainda promove boas emoções.

“Laços” narra o início da amizade do quarteto de ferro de Mauricio de Sousa e os envolve em uma missão para encontrar o Floquinho, o cachorro do Cebolinha, que sumiu do nada. Com uma arte extremamente viva e capaz e um roteiro que dosa muito bem tanto a aventura em si quanto a formação de uma amizade duradora, os autores conseguem a proeza de fazer adultos sentirem uma leve e prazerosa nostalgia no coração, assim como envolver novos leitores nos meandros da turminha mais carismática do país.

P.S: Gustavo Duarte (de “Taxi”) será responsável pelo próximo álbum em quadrinhos da série, com o Chico Bento como personagem principal e que até agora é intitulada de “Pavor Espaciar”.

Nota: 9,0

Textos relacionados no blog:
- Cinema: “Super 8” (2011)

quarta-feira, 19 de junho de 2013

"A Parte dos Anjos" - 2013

Da segunda metade da década passada em diante, o diretor britânico Ken Loach tem engatado uma sequência de trabalhos que além de mostrarem uma qualidade elevada, tem ajudado um pouco a diversificar o seu cinema, como por exemplo, ocorreu com “À Procura de Eric” em 2009 e agora com “A Parte dos Anjos”, lançado esse ano por aqui. A verve engajada e política apareceu de maneira mais forte nesse período em “Rota Irlandesa” (2000) e “Ventos da Liberdade” (2006), mas deu uma relaxada nos outros dois longas citados.

Ken Loach faz cinema desde o final da década de 60 e sempre mostrou uma paixão em mostrar questões sociais e políticas na telona. Isso, de certa maneira, até engessou a própria criatividade e em determinados momentos aparecia como um tema geral a ser explorado de maneira contínua. Isso já não ocorre em “A Parte dos Anjos”, que situado em Glasgow na Escócia até apresenta temas como o desemprego, a falta de oportunidades e a violência, mas opta por outro caminho para conduzir a história em uma aventura bem peculiar.

O filme concorreu a palma de ouro em Cannes e levou o prêmio do júri na edição do ano passado, fazendo de Ken Loach quase um membro honorário do festival, de tanto que ele vem aparecendo por lá com seus filmes. Centrado na figura do jovem Robbie (Paul Brannigan), o roteiro de Paul Laverty, costumeiro parceiro do diretor, apresenta uma história de aprendizado e de busca por um futuro melhor, que apesar de tão explorada anteriormente, aqui é apresentada por um viés diferente, regada ao tradicional uísque escocês.

O longa começa em um tribunal, onde alguns delinquentes e azarados são colocados para prestar serviços comunitários como alternativa aos seus danos. Nesse grupo está Robbie, colocado sob a batuta do paternal Harry (John Henshaw, o nome mais conhecido do elenco). Através dele o jovem perdido e violento conhece as maravilhas do uísque e recebe ajuda na forma de lidar com a namorada que recentemente teve um filho seu. O rapaz vai mudando e assim passa a perseguir um futuro distante daquele círculo de violência que está inserido.

Essa peregrinação por dias melhores ganha tons divertidos e leves, o que conquista o espectador quase que de imediato. O título do filme tem origem em como é chamada a pequena parcela do uísque que vai evaporando nos barris com o passar do tempo, explicada didaticamente em visita a uma destilaria. “A Parte dos Anjos” não é o melhor filme do diretor de filmes como “Kes” (1969), “Terra e Liberdade” (1995) e “Pão e Rosas” (2000), mas é um dos mais simpáticos e bem dosados e assim mantêm o cinema de seu diretor ainda vivo e vibrante.

Nota: 7,0

Textos relacionados no blog:
- Cinema: “À Procura de Eric” (2009)


Assista ao trailer legendado:

quarta-feira, 29 de maio de 2013

"Garota Exemplar" - Gillian Flynn

O poeta e escritor escocês Robert Louis Stevenson classificava o casamento como uma longa conversa entremeada com disputas. Se na verdade é isso ou não, o livro “Garota Exemplar” deixa mais um atestado no caminho dessa afirmação. É o primeiro trabalho da jornalista e escritora Gillian Flynn a ser publicado aqui no Brasil (os inéditos são “Sharp Objects” e “Dark Places”), depois de passar por mais de 20 países e ter alguns milhões de exemplares vendidos. A Editora Intrínseca é a responsável pelo lançamento tupiniquim, que conta com tradução de Alexandre Martins e 450 páginas.

Em “Garota Exemplar” o leitor é convidado a entrar na vida do casal Amy e Nick Dunne. Ela é uma mulher de metrópole, criada em Nova York, com pais que fizeram fortuna com uma série de livros infantis e juvenis baseados na própria filha, onde a protagonista exala todo e qualquer tipo de perfeição que possa existir. Já ele, é um crítico cultural, com gostos meio simplórios e comuns, que acabou perdendo o emprego na revista em que trabalhava devido a transposição do mercado para a internet e a consequente reforma que isso iniciou na segunda metade da década passada.

Por um desses encontros e desencontros da vida os dois se interessaram um pelo outro, preenchendo (pelo menos momentaneamente) algumas lacunas necessárias e se casam. No ponto em que o livro começa estamos no dia do aniversário de cinco anos de matrimônio e as coisas já não andam lá tão bem. A fortuna de Amy foi se esvaindo aos poucos, Nick continuou desempregado e por uma questão que aliou problemas familiares e necessidade pessoal, o casal mora agora em uma casa situada nas margens do Rio Mississippi, longe de tudo aquilo com que se acostumaram.

Gillian Flynn alterna os capítulos individualmente de cada lado e entrecorta presente e passado na primeira parte do livro. Essa construção é necessária para que o leitor entre em uma zona de conforto e ache que já é senhor da trama, para que mais lá na frente sinta o baque e seja convocado a se levantar e deixar essas primeiras impressões de lado. Assim, os dois personagens são bem construídos, expondo suas imperfeições e defeitos, sendo que nesse momento é bem mais fácil se agradar com Amy do que propriamente com o lado masculino do par.

Uma das grandes vantagens de “Garota Exemplar” é deixar seus personagens com um lado ambíguo e duvidoso, optando em navegar em áreas cinzas ao invés do tradicional preto ou branco. Ambos têm coisas para se odiar. Quando Amy simplesmente desaparece na manhã do aniversário de casamento já citado e a procura da polícia começa a apontar para o envolvimento de Nick (deixando de lado a opção de sequestro), é que isso aparece mais, com tons mais traiçoeiros e capciosos onde as demais pessoas envolvidas no caso (família, amigos e público em geral) partilham entre si também dessa faceta dúbia e se entregam facilmente aos seus interesses pessoais.

Mesmo com a tarja estampada de “milhões de cópias vendidas”, que pode assustar o leitor mais exigente por se imaginar o enquadramento como uma literatura banal, “Garota Exemplar” esquiva-se dessa provável regra e é uma boa e surpreendente exceção. Um livro não remete linhas muito lisonjeiras para a instituição casamento e assim passa perto de afirmações como a do ex-presidente norte-americano Abraham Lincoln que definia o casamento como “nem o paraíso e nem o inferno, apenas o purgatório”.

Nota: 7,5

Site oficial da autora: http://gillian-flynn.com


A Editora Intrínseca disponibiliza um trecho gratuitamente para leitura, aqui.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

"Demolidor Noir" - Alexander Irvine, Tomm Coker e Daniel Freedman

Em 2009 a Marvel resolveu criar uma nova linha de quadrinhos baseada nos seus personagens clássicos. A ideia primordial era ambientar essas histórias nos anos 30 e caracterizar estas com um aspecto noir e inspiradas na literatura pulp da época. O noir que como literatura e, principalmente cinema, rendeu ótimos frutos, invadiria assim os quadrinhos com suas tramas policiais com detetives, assassinatos, cores negras, homens dúbios e mulheres provocantes e não confiáveis. A ideia foi dando certo e a Marvel estendeu essa linha para uma gama bem ampla do catálogo.

A Panini Comics começou a publicar esses produtos por aqui e o resultado é sempre mais ou menos satisfatório, apesar de não convencer exatamente pelo brilho do personagem principal e sim por algum outro atrativo, caso dos aspectos sociais e econômicos expostos em Homem-Aranha ou do ritmo de aventura visto em Homem de Ferro. Porém, era meio claro que quem teria mais condições de se adequar a esse estilo era o Demolidor. Era só não estragar tudo como fizeram no horrível filme de 2003.

“Demolidor Noir” foi publicada em terras brazucas agora em 2013 e apresenta as quatro edições lançadas lá fora entre junho e setembro de 2009 em um arco fechado. Com roteiro do escritor Alexander Irvine, arte de Tomm Coker e cores de Daniel Freedman, o homem sem medo é transportado para o período da lei seca, mas continua na Cozinha do Inferno. Lá, ele não é mais um advogado, mas um ajudante do amigo Foggy Nelson, travestido aqui nesta versão em um investigador particular.

O Matt Murdock de “Demolidor Noir” é um homem mais atormentado que de costume, e assim, diferente das outras publicações dessa linha editorial, assume o posto de destaque. Sem encontrar seu lugar, vive sofrendo com dúvidas, inquietações e um sentimento de raiva pela morte do pai que lhe move adiante contra o crime. Seus instintos aumentados são um benefício sem dúvida, mas também uma dor constante, que lhe tiram o sossego e aplicam no seu ego uma confortável e perigosa dose de arrogância.

É essa arrogância que o atira dentro de um caso junto com o rei do crime Wilson Fisk, um novo gângster que tenta lhe roubar o trono e, evidente, uma bela mulher, tão comum nas histórias do Demolidor e do próprio gênero noir. Quando atualmente o personagem passa por mais uma das suas inúmeras (e interessantes) reconstruções pessoais, esse olhar diferente com cores escuras e densas serve para reafirmar o potencial e carisma do Demolidor, mesmo que sempre renegado a mero coadjuvante pela Casa das Ideias.

P.S: Só o uniforme que não ficou lá essas coisas. Perdoável.

Nota: 8,5

Mais sobre os autores Alexander Irvine, Tomm Coker e Daniel Freedman você encontra aqui (http://alexirvine.blogspot.com.br) e aqui (http://www.corvxstudios.com).

terça-feira, 21 de maio de 2013

“Baby’s in Black, o Quinto Beatle: A História de Astrid Kirchherr e Stuart Sutcliffe” - Arne Bellsdorf

 
Uma bonita e triste história de amor. Com enredo inicial que remete a tantos e tantos casos no decorrer dos tempos. Rapaz conhece uma garota, que conhece o rapaz e assim se desencadeia uma atração que torna praticamente impossível não tocar a vida juntos naquele momento. Piegas? Sim, como deve ser o amor. Principalmente na juventude, antes do cinismo e da proteção pessoal se estender como um manto invisível que proíbe novas incursões no futuro. Foi assim a história de Astrid Kirchherr e Stuart Sutcliffe.

Para entender um pouco mais é preciso voltar bem no tempo. Voltar para 1960 quando John Lennon, Paul McCartney, George Harrison, Pete Best e Stuart Sutcliffe desembarcaram na cidade de Hamburgo para levar adiante o sonho de ter uma banda de rock. Ali, no princípio da história da maior banda de todos os tempos, houve também um conto de amor e paixão. Em meio aos bares, prostituas e bebidas, os Beatles tinham uma tremenda prova de fogo e viam o primeiro dos seus integrantes a abandonar o barco.

Stuart não queria ser músico, mas como tinha dentro de si uma efervescência pelo novo, pelo diferente, resolveu deixar a escola de arte e aceitar o convite do amigo John e começar a tocar baixo, mesmo sem saber nota alguma. Quando a banda chega à cidade de Hamburgo, ainda sem Ringo Starr na bateria e com ele no baixo, eis que atravessa no seu caminho a bela fotógrafa Astrid Kirchherr, que aos 22 anos cruzava a Alemanha do pós-guerra exibindo independência e alguns sonhos dentro do jovem coração.

Dentro do sujo bar Kaiserkeller, os dois tem o primeiro contato e a partir disso fica difícil não estar perto um do outro. Com ajuda do amigo Klaus Voormann (que entre outras coisas fez a capa do álbum “Revolver” dos Beatles e tocou baixo em discos de John Lennon e Lou Reed), Astrid passa a se comunicar com o mundo de Stuart no intervalo das apresentações da banda, onde clássicos dos anos 50 como “Roll Over Bethoven” e “Money” são executados dia após dia por aqueles que um dia dominariam a música mundial.

Tudo isso está na boa graphic novel “Baby’s in Black, o Quinto Beatle: A História de Astrid Kirchherr e Stuart Sutcliffe”, escrita e desenhada pelo alemão Arne Bellstorf, que originalmente foi lançada no seu país em 2010. A HQ chegou ao Brasil no final do ano passado pela 8Inverso Graphics com 208 páginas e tradução da dupla Augusto Machado Paim e Cássio Pantaleoni e tem a relação de amor do subtítulo como mote principal da trama, se dando ao luxo de deixar os Beatles como meros coadjuvantes.

Um filme muito interessante sobre essa época pré-Beatles é “Backbeat – Os 5 Rapazes de Liverpool”, registro de 1994 do diretor Iain Softley que conta com uma trilha sonora impecável e arrebatadora (mais aqui: http://www.imdb.com/title/tt0106339). Nele pode-se entrar um pouco mais no universo de Stuart Sutcliffe, que mesmo falecendo em 10 de abril de 1962 por causas até hoje não identificadas totalmente, continua tendo a sua história servindo de inspiração nos nossos dias.

Nota: 7,0

Veja um trecho diretamente do site da editora, aqui.

Site do autor: http://www.bellstorf.com

Textos relacionados no blog:

- Quadrinhos: “O Pequeno Livro dos Beatles” – Hervé Bourhis
- Cinema: “O Garoto de Liverpool” (2010)
- Quadrinhos: “Johnny Cash – Uma Biografia” – Reinhard Kleist