terça-feira, 28 de novembro de 2017

Séries: "Ozark" e "Preacher"


Marty Byrde (Jason Bateman) e Bruce Lidell (Josh Randall) tem uma bem-sucedida empresa de consultoria financeira em Chicago. O primeiro tem estilo calmo, é mais técnico e leva uma vida boa, mas sem grandes esbanjamentos. Já o segundo é expansivo, falador e gosta de exibir o dinheiro que ganha e se gabar disso. Por trás desse sucesso todo e transformação de pequeno empreendimento para algo maior está um dos maiores cartéis de droga do México, que tem seu dinheiro lavado e convertido em limpo pela empresa da dupla. Quando Lidell dá o passo maior que a perna e desvia grana dos mexicanos, Byrde entra em uma fria, onde para ganhar tempo e se salvar muda com a família de Illinois para o Missouri, na pacata região do lago que empresta o nome a série. Criada pela dupla Bill Dubuque e Mark Williams que trabalharam juntos em filmes como “O Contador” e “Um Homem de Família”, “Ozark” tem 10 episódios na primeira temporada (uma segunda já foi confirmada) que foram disponibilizados de uma vez só no Netflix em julho desse ano. Mais um dos produtos originais da plataforma, a série rendeu comparações imediatas com “Breaking Bad”, mas envereda por outros caminhos e com atitudes bem diversas do personagem principal. Jason Bateman está surpreendente no papel, com uma performance que não estamos muito habituados a ver nos filmes em que estrela. Junto a ele como esposa está a sempre ótima Laura Linney que tem importância direta no desenrolar de tudo. Com elenco de apoio bem utilizado e atuações consistentes, “Ozark” é uma daquelas séries que trazem a capacidade de prender o espectador na poltrona episódio após episódio. Com ótima fotografia usando tons escuros e sombrios para dar o tom tenso, temos uma das melhores produções que debutaram nesse ano.

Nota: 8,0


“Preacher” é uma das histórias mais incríveis dos quadrinhos. Com roteiro de Garth Ennis, arte de Steve Dillon e capas de Glenn Fabry foram 66 edições normais e mais 6 especiais (sim, 666), todas já publicadas aqui pela Panini. No primeiro semestre do ano passado uma série televisiva adaptando a obra estreou nos Estados Unidos em produção do canal AMC. Criada pelo astro Seth Rogen em parceria com Evan Goldberg e Sam Catlin, pretendeu levar para a telinha o bizarro e estrondoso universo concebido por Ennis e Dillon com muita acidez, violência e humor negro. Tarefa nada fácil, diga-se, afinal como levar tudo para a televisão? O resultado podemos conferir na plataforma digital Amazon Prime onde a primeira temporada está disponível (a segunda já acabou nos EUA mas ainda não foi liberada). A saída para deixar a trama mais palatável foi suavizar um pouco os temas e fatos, mudar a história parcialmente, inserir novos personagens coadjuvantes e estender por toda a temporada inicial o arco que se resolve logo de início nos quadrinhos. A história do pastor Jesse Custer (Dominic Cooper) que recebe uma entidade sobrenatural repleta de poderes chamada Gênesis e a partir disso se vê em guerra com o paraíso e outras coisas mais, realmente seria impossível de se ver na totalidade. Do lado da ex-namorada Tulip (Ruth Negga) e do amigo Cassidy (Joseph Gilgun em exuberante atuação), Custer tem que achar novamente (ou não) o lugar da sua fé na pacata Annville no Texas. A decisão dos criadores foi deixar toda a temporada inicial na cidade, coisa que nos quadrinhos não ocorre. Contudo, apesar do ritmo lento para quem conhece a obra, tudo flui bem. As blasfêmias, personagens estranhos, ironias e maluquices aparecem em boa quantidade preparando terreno para que na segunda temporada a coisa aconteça para valer e se torne ainda mais feroz. Imperdível.

Nota: 9,0

Assista aos trailers legendados:


domingo, 26 de novembro de 2017

Literatura: "O Livro dos Baltimore" e "Piano Vermelho"


Um som poderoso que causa danos tremendos a quem escuta aparece na África sem maiores explicações. O exército norte-americano fica preocupado com o que pode ser uma nova arma a ser utilizada contra o país e por conta desse poder todo pensa evidentemente em reverter isso a seu favor. O cenário é os anos 50 e depois de algumas tentativas de descobrir mais sobre o som o exército resolve apelar para músicos que também são soldados e serviram na segunda guerra mundial. Esses músicos formam os Danes, uma banda localizada em Detroit que teve um grande sucesso e hoje paga as contas gravando outras bandas no próprio estúdio. Essa é a premissa de “Piano Vermelho” (Black Mad Whell, no original), lançado lá fora esse ano e que ganha edição tupiniquim pela editora Intrínseca com 320 páginas e tradução de Alexandre Raposo. Obra do escritor e músico Josh Malerman é o sucessor de “Caixa de Pássaros”, um thriller psicológico que rendeu boas vendas e críticas. Intercalando passagens ocorridas na África e as que vieram após isso, o autor tenta montar um mosaico de mistério sobre o que realmente representa o som, contudo faz isso de maneira nada objetiva, inserindo capítulos que servem somente para crescer o número de páginas e nada mais. A narrativa simples e sem muitos floreios – que podia ser um mérito quanto ao ritmo – não rende o esperado e deixa a obra com aquele sabor de descartável. Para dizer que não há bons momentos, a amizade dos membros dos Dunes rende bem e podia ter sido mais explorada em contrapartida ao mistério que expõe. E depois de heroicamente se chegar ao final do livro, a revelação do tal mistério é bem chinfrim, convenhamos. Emulando questões temporais, existenciais e pessoais, aumenta ainda mais o sentimento de tempo perdido quando se chega ao final do último parágrafo.

Nota: 3,0

Leia um trecho diretamente do site da editora, aqui


O suíço Joël Dicker alcançou o sucesso com o livro “A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert”, que vendeu mais de 3 milhões de cópias no mundo. Vários superlativos lhe foram direcionados e mesmo que não fosse para tanto, a obra é realmente interessante e exibe diversas qualidades. Normal então conferir com certa expectativa se essas qualidades seriam mantidas no trabalho seguinte intitulado “O Livro dos Baltimore” (Le Livre des Baltimore, no original). Publicado na França em 2015 recebeu edição nacional no início desse ano pela editora Intrínseca com 416 páginas e tradução de André Telles. Nele, temos o retorno do personagem principal Marcus Goldman. A trama se desenvolve antes dos fatos narrados em “A Verdade” e por mais que tenham relação indireta com esse, se constitui em uma história independente e diferente. Sai o policial e entra a crônica familiar, mas com o clima de mistério ainda presente. Enquanto se refugia na Flórida para escrever o novo romance, Marcus se depara com lembranças e coincidências que o remetem a infância e adolescência onde cresceu dividido na sua casa em Montclair e na casa dos tios ricos de Baltimore, onde criou grande afeição com dois primos e mais tarde com Alexandra, que se juntou a trupe até que o caminhar da vida se incumbisse de deixar esses dias mágicos cada vez mais no passado, culminando em um drama que mudou tudo. Em “O Livro dos Baltimore” Joël Dicker transita pelo romance de formação em flashbacks constantes, enquanto por outro lado enverada pela busca de redenção e afirmação pessoal. Ira, segredos, ego, inveja e paixão são bem presentes no livro que no geral fica bastante aquém do seu antecessor, cansando em determinadas passagens e não resolvendo de maneira satisfatória as camadas que expõe, sendo, dessa maneira, apenas um livro comum como tantos por aí.

Nota: 6,0

Leia um trecho diretamente do site da editora, aqui.

Sobre “A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert” no blog, passe aqui

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Literatura - "Um Estranho Numa Terra Estranha" - Robert A. Heinlein

“O maior perigo para o homem é o próprio homem”.

A frase acima por mais que tenha estilo de filosofia barata não deixa de ser uma grande verdade. Ela está em “Um Estranho Numa Terra Estranha” (Stranger in Strange Land, no original), obra bem importante da ficção científica escrita pelo americano Robert A. Heinlein em 1961. O livro ganha esse ano nova edição nacional pelas mãos da editora Aleph, com 576 páginas e tradução de Edmo Suassuna contendo um devotado prefácio do Neil Gaiman.

O livro que nasceu primariamente do desejo do autor em escrever algo mais “adulto”, pois fazia muitas obras juvenis nos anos 50, conseguiu ir bem longe. Ganhou o prestigiado prêmio Hugo (assim como outras três obras de Heinlein como “Tropas Estelares”), virou referência na contracultura dos anos 60 e gerou muita, mas muita discussão sobre os temas nele envolvidos.

No livro a humanidade chegou as estrelas, mais precisamente a Marte. 30 anos depois da primeira expedição ao planeta vermelho outra espaçonave chega e se depara com um improvável sobrevivente. Um humano, nascido em solo marciano, que foi criado diante das concepções e ideias dos habitantes do lugar. Autorizado por esses anciões retorna a Terra para conhecer seu lar, digamos assim.

Assim que Valentine Michael Smith (esse é seu nome) põe os pés na Terra, ainda tentando adequar a fisiologia as mudanças, cai logo nos braços do governo que logicamente busca adequar essa nova realidade da maneira que melhor sirva aos próprios interesses. Porém, quando um repórter xereta chamado Ben Caxton e uma enfermeira chamada Gillian Boardman entram no seu caminho, as coisas ficam um tanto mais complicadas.

Nessa primeira parte de adequação diversos temas surgem com destaque. A questão econômica é uma devido ao fato desse sobrevivente ser dono ou beneficiário de várias coisas, inclusive até mesmo de Marte pelas esdrúxulas leis terráqueas. No meio das burocracias estapafúrdias, percebe-se de imediato que o autor não terá piedade com isso. Depois que Jubal Harshaw aparece na trama isso vai além junto com suas excentricidades, polêmicas e mau humor.

A partir desse ponto o autor foca a metralhadora com mais ferocidade para dois controversos temas: religião e sexo. Heinlein que nunca acreditou em Deus e teve várias visões políticas durante os anos, nunca apreciou quaisquer governos na plenitude. Foi um escritor repleto de contradições. Ao mesmo tempo que detonava os temas acima, por exemplo, e expunha conceitos libertários no que tange a questões individuais, apresentava outros que iam contra isso, além da misoginia sempre presente no texto.

Mesmo publicado em 1961, a essência de “Um Estranho Numa Terra Estranha” foi calcada nos anos 50 e é de lá que vem os conceitos que ele tenta quebrar ou involuntariamente até amplifica. Há de se imaginar o choque causado por isso na época. Lido hoje o livro causa rebuliço um pouco menor e até incomoda por outras questões (como o tratamento das mulheres na trama, ainda que sejam de vital importância), apesar de se entender que isso é retrato do tempo em que foi gerado.

Contudo, naquilo onde é mais animalesco e brutal, a obra de Heinlein é devastadora, não deixando pedra sobre pedra. Revertendo conceitos religiosos a cada momento e explorando a farsa embutida em quantidades generosas dentro das igrejas e principalmente das pessoas que as comandam e que revertem qualquer coisa em “divina” desde que lhe sirvam bem, o livro explora e explode questões ainda bem vívidas dentro do nosso mundo. Mesmo tanto tempo depois.

Nota: 8,0

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Green Day - São Paulo - Arena Anhembi - 03.11.2017


A diversão é (ou pelo menos deveria ser) parte fundamental da vida. Diversão simples, até mesmo besta, sem maiores pretensões, que faz um bem danado nem que seja por um curto espaço de tempo. Alivia um pouco o espírito, liberta alguns sorrisos no rosto, deixa a costa um pouco menos pesada para a rotina do dia seguinte. E foi essa diversão que o Green Day entregou para mais de 25 mil pessoas no último dia 3 de novembro em São Paulo.

A última vez que a banda havia tocado no país foi em 2010, ainda carregando o status de grande grupo que veio depois do álbum “American Idiot” de 2004 que vendeu trocentas milhões de cópias e os elevou ao patamar de tocar em estádios cada vez maiores. Cenário diferente de agora, culpa de alguns discos fracos e sem muita vibração como a trilogia formada por “¡Uno!”, “¡Dos!” e “¡Tré!” lançada em 2012.

Mesmo sem causar o mesmo alarde e comoção de outrora, o Green Day absorveu todas as artimanhas de como fazer um show voltado para a felicidade do seu público e se mantêm relevante no cenário, apesar dos descuidos da carreira. A turnê que veio em decorrência do álbum “Revolution Radio” do ano passado - onde a banda volta a flertar com os bons momentos em pelo menos metade das faixas - tem superprodução, com direito a fogos, explosões e papel picado no ar.

A abertura da apresentação na Arena Anhembi (o sambódromo paulista) ficou por conta dos californianos The Interrupters que em meia hora mostraram vigor e simpatia com seu ska punk bem ajustado em canções como “By My Side”. Mas foi quando “Bohemian Rapsody” do Queen começou a tocar nos alto falantes, sucedida por “Blitzkrieg Bop” do Ramones, que a plateia começou a se agitar. O já conhecido coelho rosa maluco incitava gritos e risos fazendo das suas. Estava chegando a hora.

Billie Joe Armstrong, Mike Dirnt e Tré Cool acompanhados de outros três músicos começaram com a porrada de “Know Your Enemy” do disco “21st Century Breakdown” de 2009, faixa que há muito serve para essa função. Na sequência gastou sabiamente logo duas canções do disco mais recente, “Bang Bang” e “Revolution Radio”, para engatar uma sequência do “American Idiot” formada por “Holiday”, “Letterbomb” e “Boulevard Of Broken Dreams”, cantada em uníssono.

Com o público já devidamente na mão entre gracejos, gritos e correria pelo palco, a banda ainda soltou “Longview” do multipremiado “Dookie” de 1994 e mais “Youngblood”, uma das boas faixas do último trabalho, antes de engatar em fila um grupo de músicas ao mesmo tempo surpreendente e devastador. Billie Joe dedicou “2000 Ligth Years Away” do longínquo “Kerplunk” de 1992 aos fãs “old school” e de lá partiu para fazer a alegria dessa turma que vibrando se jogava de modo desajeitado e destreinado em rodas de pogo.

Foi um show dentro do show, por assim dizer. Teve “Armatage Shanks” do “Insomniac” de 1995, “J.A.R” e “F.O.D” do já citado “Dookie”, “Scattered” e “Nice Guys Finish Least” do “Nimrod” de 1997 e “Waiting” do “Warning” de 2000. Outras duas vieram ainda do “Dookie”: “When I Come Around” e “Welcome To Paradise”. Ao final, respirar era difícil e o suor escorria feliz pelo corpo. Antes do primeiro bis teve, entre outras, o hitzaço “Basket Case” (ainda que “She” tenha ficado só na vontade).

O primeiro bis teve duas faixas do “American Idiot”: a título e “Jesus Of Suburbia” em grande versão. E na volta para encerrar com o segundo bis Billie Joe veio só ao violão, para acalmar alguns ânimos ainda exaltados, e tocou “21 Guns” do “21st Century Breakdown” e mais outro grande hit, “Good Riddance (Time of Your Life)” do “Nimrod”. Assim, com duas horas e meia de duração mais ou menos, acabava outra passagem da banda por terras paulistas.

Em tempos onde tudo é histórico, e todos mitam a cada momento, o Green Day fez em São Paulo a coisa mais simples e funcional que uma banda de rock pode fazer: divertiu. Sim, jogam muito com o público - talvez em demasia até - com subidas ao palco, microfones direcionados para cantar passagens, presepadas em excesso como no medley que reuniu de The Doors a Beatles, mas honestamente: que se dane. Faz parte do jogo e eles sabem disso. Precisa ser muito rabugento para no mínimo não soltar uns sorrisos nessas horas. E se quiser ir ao banheiro ou comprar uma cerveja essa é a hora.

No meio da apresentação ainda teve tempo para Billie Joe criticar o famigerado presidente americano Donald Trump, abraçar uma bandeira LGBT em vários momentos, falar contra a perturbação de saco de celulares e fotos: “não precisamos de Facebook”, “viva o presente”. Tempo para mostrar a verve crítica que também é parte integrante da banda, enquanto vez ou outra afirmava: “ainda estamos vivos”.

Sim, estão vivos e bem vivos, para alegria dos fãs das mais diversas idades que o Anhembi abrigou em uma noite pra lá de bacana de sexta-feira.

P.S: Lado negativo como sempre e sem mudanças é o perrengue que se passa nas saídas de shows que terminam depois que o metrô fecha. Além de desrespeito ao público mostra a incompetência de gestão atrás de gestão que não consegue solucionar o problema para grandes eventos. Ridículo.

As fotos são de Marcelo Brandt do site G1. Mais aqui: https://goo.gl/AUXkMn