quarta-feira, 27 de setembro de 2017

"Damage And Joy" - The Jesus And Mary Chain


Aviso antes de prosseguir: esse é um texto com extremas doses de saudosismo e nostalgia. E isso não é necessariamente ruim. Pelo contrário.


Há um tempo nem tão distante assim era comum pegar um disco e dedicar dias e dias para ouvir, estabelecendo ligações entre a ordem em que as músicas estavam dispostas, e, caso gostasse, voltar esse álbum várias e várias vezes no som. Isso servia não somente para prestar atenção mais detalhada nas letras, como também descobrir sons ocultos aqui e ali que passaram batidos nas audições anteriores.

E isso não era feito somente na época que o vinil dominava, não precisa se exibir um saudosismo de boutique aqui. Isso foi feito nos cassetes, nos cd’s e até mesmo naqueles mp3’s baixados pela madrugada. Os trabalhos é que ditavam isso. Lógico que pode ser feito tranquilamente na época do streaming, mesmo sabendo que não é assim. Os discos cheios perderam o sentido, essa é verdade. Faixas são pinçadas aqui e ali, colocadas em playlists, em vídeos feitos para visualizações ou divulgados em redes sociais, mas o disco, o conceito em si, pobre coitado, quase não é apreciado mais.

E eis que em 2017 dois irmãos escoceses já veteranos da cena musical, que passaram por todas as fases acima citadas, lançam uma obra que reverte tudo isso e apresenta de novo o prazer de se escutar um álbum do início ao fim, saber o número de cada faixa, antecipar os acordes de cada canção que virá. Falo de Jim e William Reid e seu “Damage And Joy”, sétimo disco de inéditas de uma carreira que desde 1985 nunca foi palco de trabalho ruim e ainda jogou pequenos clássicos no caminho como “Psychocandy” de 1985 ou “Stoned & Dethroned” de 1994.

O Jesus And Mary Chain não lançava nada desde “Munky” de 1998 e “Damage And Joy” supre essa longa ausência com 14 faixas em pouco mais de 53 minutos. Logo na primeira canção já sabemos que se trata de um disco da banda. Impossível não perceber. É “Amputation” com suas guitarras, microfonias ao fundo, ritmo, backing vocals chicletudos e ótima melodia cantada por Jim de uma letra ácida e raivosa. Não é um disco que exala novidades, longe disso. É 100% do que se acostumou a ouvir da banda e isso é bom.

Após o término de “Amputation” temos um exemplo de cada faceta que o grupo ofereceu dentro do seu universo específico de sonoridade. Tudo em nível elevado que podia muito bem se ver contido em qualquer outra época em que estiveram na ativa. Se com “War on Peace” o ritmo cai um pouco remetendo ao ótimo “Darklands” de 1987, a dobradinha “All Thing Pass” e “Always Sad” resolve tudo em duas pequenas pérolas que já devem automaticamente constar em futuras coletâneas.

“Damage and Joy” também conta com uma produção extremamente azeitada e precisa. Como de costume nos últimos trabalhos há convidadas que dividem o vocal com Jim Reid. Bernadette Denning faz o dueto em “Always Sad”, Isobel Campbell engradece “Song For a Secret” e a formidável “The Two Of Us”, a irmã Linda Fox está em “Los Feliz (Blues And Greens)” e na mais dançante “Can´t Stop The Rock” que fecha o trabalho e Sky Ferreira surpreende na balada “Black And Blues”.

Com lançamento pela Artificial Plastic Records e todas as faixas compostas pelos irmãos Reid (em separado ou juntos), “Damage And Joy” é um disco que destoa completamente dos nossos dias. É um disco que faz o ouvinte se apegar, não querer deixar ele em nenhum momento, um disco para decorar as letras e cantar junto. E mais importante: funciona tão bem para os fãs antigos como tem potencial para angariar novos adeptos do som característico e tão copiado da banda.

Quem diria que em pleno 2017 o amor e a paixão por um disco específico e o prazer de escutá-lo inúmeras vezes fosse ressuscitado por dois irmãos briguentos que sempre andaram bem a margem do mainstream e do sucesso (e na verdade nunca fizeram questão nenhuma disso). Escute “Damage and Joy”. Escute e por mais ridículo e clichê que isso possa aparecer: Se apaixone. Simples e fácil assim.

Nota: 9,5

Assista “The Two Of Us” em uma execução ao vivo:


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