quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

"Forrest Gump" - Winston Groom


Quando “Forrest Gump” estreou nos cinemas em 1994 o sucesso foi imediato. O filme dirigido por Robert Zemeckis (da trilogia “De Volta Para o Futuro”) fez 480 milhões de dólares de bilheteria no mundo e de quebra levou 6 Oscars, entre eles melhor filme, diretor, ator e roteiro adaptado. O roteiro construído por Eric Roth (de “O Curioso Caso de Benjamin Button”) teve como material o livro de Winston Groom lançado em 1986, que tinha vendagem razoável até então e viu tudo se transformar depois do longa, alcançando a marca de mais de um milhão de cópias vendidas.

Ano passado o livro completou 30 anos e a editora Aleph publicou uma edição belíssima da obra que merece um lugar de destaque na biblioteca de qualquer um. Com 394 páginas e tradução caprichada de Aline Storto Pereira a edição ainda é abrilhantada por diversas ilustrações do gaúcho Rafael Albuquerque (de “Vampiro Americano”), um dos quadrinistas de maior destaque do país e conta com textos adicionais, incluindo um excelente ao final que compara livro e filme com muito mérito.

Isso é válido porque depois de ler “Forrest Gump” é impossível não compará-lo ao filme, visto que as diferenças são gritantes (e na maioria dos casos para pior). Lógico que literatura e cinema são coisas distintas e o que funciona em um campo pode não funcionar bem em outro. Realmente, se fosse para imaginar a transição das histórias do personagem principal para a sétima arte o roteiro deveria ajustar todos os excessos que Winston Groom se dá ao luxo de cometer no livro.

No livro, Forrest é um idiota como no filme, mas um idiota completamente diferente, consciente dos seus atos e que sabe bem onde está pisando. Além disso, carrega consigo uma carga satírica e crítica (ao seu modo) para o país e suas instituições como Exército e NASA. Ressalte-se também que o Forrest do livro é um cara com habilidade intelectual em certos segmentos e não aquele virgem pueril e sortudo que o filme de Zemeckis fez cravar na memória de todos.

Essa edição da Aleph é extremamente bem-vinda porque traz a uma gama nova de leitores o texto ácido e repleto de desconstrução que o autor imaginou para o protagonista. Mesmo considerando algumas forçadas além do ponto (principalmente na parte final), “Forrest Gump” ainda é um livro saborosíssimo de ser degustado, que deixa o leitor constantemente rindo sozinho no contraste provocado entre o absurdo e o ingênuo, como instiga pelas cutucadas que distribui para todos os lados.

Na construção que fizeram para o cinema além de adocicarem e amansarem o texto até não poder mais, praticamente todo o cunho político da obra foi retirado para agradar o americano médio, já que em determinada análise o filme nada mais é do que uma representação do “american way of life”, onde até mesmo um idiota sem muito conhecimento pode vencer na vida e virar um milionário. É de imaginar até que o Forrest do filme fosse por exemplo um dedicado eleitor de Donald Trump, enquanto o do livro iria pelo caminho inverso.

Mesmo que a decisão cinematográfica tenha obviamente rendido muitos frutos e o filme seja hoje um clássico com uma trilha sonora esplendorosa, o livro mostra o verdadeiro Forrest Gump imaginado pelo autor, um personagem que carrega até semelhanças com ícones da contracultura como Sal Paradise (de “On The Road” do Jack Kerouac) e passa distante do herói bobo que a maioria conhece. Então, leia o livro, pois vale muito a pena ainda mais nessa caprichada edição.

Nota: 9,0


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