quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Quadrinhos: "O Árabe do Futuro - Uma juventude no Oriente Médio" e "Louco - Fuga"


Riad Sattouf é filho de uma francesa e um sírio. Seus pais se conheceram no início dos anos 70 quando faziam faculdade na Sorbonne em Paris. Em 1978, Riad nasceu e logo depois o pai aceitou um trabalho como professor na universidade de Trípoli na Líbia e para lá se mandou com a família. É dessa partida que nasce a graphic novel “O Árabe do Futuro – Uma juventude no Oriente Médio (1978-1984)” (L’Arabe du Futur: Une jeunesse au Moyen-Orient, no original), que a Editora Intrínseca publica no Brasil agora em 2015 com 160 páginas e tradução de Debora Fleck. Nela o autor relembra a infância vivida na França e na Líbia, como na Síria para onde a família também foi por causa do trabalho do pai. O pai, aliás, talvez seja a principal figura da obra. Culto, com título de Doutor no currículo e adepto da teoria de que os árabes deveriam estudar muito para assim poder fugir do obscurantismo da religião e almejar um futuro melhor (daí vem o título), contrastava isso com uma ingenuidade demasiada no que tange as questões do oriente. O choque é constante na hq e dá o tom da obra. Tanto de ambiente pois contrasta a França com rascunho socialista de François Miterrand contra a ditadura de Muamar Kadafi na Líbia e Hafez Al-Assad na Síria, quanto comportamental nos costumes díspares e na formatação das duas famílias, com destaques para as avós. O autor que além de quadrinhista é escritor e cineasta tendo publicado vários livros e realizado dois filmes, além de ser colaborador da revista Charlie Hebdo, resolveu cavar as lembranças pessoais depois da guerra civil eclodida na Síria em 2011 e nas consequências geradas por isso para os familiares de lá. “Árabe do Futuro” é um álbum que explora muito o humor do estranho, do diverso, repassando ao leitor a sensação de como seria para uma criança passear nesses mundos. Exibe também uma arte forte com opção de cores direcionadas a cada tópico e um trabalho primoroso no que tange a feições, além de tratar com destreza situações complexas que vem assombrando o mundo nos últimos anos.

Nota: 8,0

Leia um trecho, aqui.


O projeto Graphic MSP já chega ao décimo livro, o quarto somente esse ano. O que começou com “Astronauta Magnetar” lá no final de 2012 desembarca agora em “Louco – Fuga”, sempre mantendo um altíssimo nível de qualidade e deslizando apenas em “Pavor Espaciar” do Chico Bento. Licurgo Orival Umbelino Cafiaspirino de Oliveira, o Louco, é um dos personagens mais lado B de Mauricio de Sousa, tão lado B que foi criado pelo irmão Marcio Araújo em 1973. Em épocas tão difíceis para a arte no país trazia no peito essa ideia de liberdade, ainda que de maneira subliminar. Coube a Rogério Coelho, premiado ilustrador de mão cheia, apresentar o personagem dentro do projeto, sendo que foi ele quem se candidatou e quis fazer uma história em cima de tão excêntrica e exuberante figura. Com o auxílio de Francis Ortolan nas cores e a influência do artista inglês Dave Mckean de “Sandman” na cabeça, Rogério conseguiu uma obra que é um vislumbre visual absoluto. Com 84 páginas e lançamento pela Panini Comics, “Louco – Fuga” pode não ser a melhor hq feita até agora nessa revisitação, mas sem dúvida é aquela com arte mais encantadora. O roteiro inicia com o protagonista ainda criança quando solta um pássaro preso pelos Guardiões do Silêncio (os vilões da trama) que tem como objetivo calar todo o canto e alegria do mundo, tosar a criatividade geral e imprimir a aceitação como moeda única. Reforçando as alegorias de liberdade do personagem, o autor utiliza de metalinguagem para contar uma história surreal que viaja no tempo e deixa no ar a sensação de incerteza, de crível, de realidade, ao mesmo tempo em que se alinha com a fantasia, o sonho, o devaneio. Para reforçar essas ideias não se utiliza daquela ordem normal dos quadrinhos, os quadros em “Louco – Fuga” se unem, mesclam, quebram, mudam de tamanho e atravessam entre si. Com o auxílio mágico da turminha como coadjuvante, temos um álbum respeitável no quesito da fantasia e belíssimo na parte dos desenhos, das cores e da montagem.

Nota: 9,0






Nenhum comentário: