segunda-feira, 24 de novembro de 2014

"O Cão Que Guarda As Estrelas" - Takashi Murakami

“O cão que guarda as estrelas” é uma expressão utilizada no Japão para descrever alguém que deseja algo impossível para si. A origem dessa expressão vem da imagem do cachorro, que sem motivo aparente, fica olhando longamente para o céu como se desejasse alguma estrela. Foi usando esse nome (“Hoshi Mamoru Inu”, no original) que o conceituado artista gráfico japonês Takashi Murakami intitulou seu primeiro mangá lançado em 2008 e agora publicado aqui no país.

A Editora JBC é a responsável por essa publicação em formato pequeno (14,8 x 21cm), 132 páginas e tradução de Denis Kei Kimura. Premiada no seu país de origem, como também nos Estados Unidos, a obra de Takashi Murakami virou filme na sua terra natal em 2011 pelas mãos do diretor Tomoyuki Takimoto, mas ainda não chegou no Brasil em nenhum formato oficial. O que é uma pena.

No livro conhecemos Happy, um cachorrinho que passa a fazer parte de uma pequena família composta por pai, mãe e filha, que é quem lhe dá o sugestivo nome. Com o decorrer do tempo logo se afeiçoa mais ao patriarca que o leva frequentemente para passear. Essa introdução ambienta os costumes e rotinas da família, assim como a personalidade de cada um. Anterior a essa introdução o autor mostra a polícia achando um carro com um corpo humano e outro canino.

Assim, logo no início do mangá já sabemos como a história vai acabar, então Takashi Murakami retroage para contar tudo desde o princípio, usando para tanto o olhar do cachorro, que serve como narrador e dá uma perspectiva completamente distinta para o álbum. “O Cão Que Guarda As Estrelas” é sobre amizade, companheirismo, sinceridade, solidão e simplicidade e usa para isso um homem que parece ter sido deixado para trás pela família, pelo trabalho e até por ele mesmo, pode-se afirmar.

Quando o pai descobre que tem uma grave doença e perde o emprego, a mulher lhe deixa e a filha passa a viver a própria vida. Assim, ele vende o que tem, coloca tudo dentro de um carro e resolve rumar para o sul, para o interior de onde veio, tendo como fiel escudeiro o cachorro Happy. Nessa viagem os dois fortalecem os laços e partem sem missões ou tarefas complicadas. São várias as analogias e conexões feitas com o dia normal de cada um, repassando mensagens despretensiosas por entre as páginas.

“O Cão Que Guarda As Estrelas” tem uma parte final subsequente ao achado do carro e a história de como ele chegou até esse ponto. Essa parte representada pelo agente social Okutsu que busca realizar o enterro do corpo e em descobrir se este é um indigente ou não, é um adendo mais emocionante ainda e fecha o livro com a famosa “chave de ouro”. Mesmo com um traço comum e sem floreios, Murakami compôs em 132 páginas uma obra que tem o poder de amolecer o mais duro dos corações (e sem deixar a pieguice tomar conta). 

Prepare o lenço.

Nota: 8,5

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

"Máquina de Armas" - Warren Ellis

John Tallow é um detetive que já está meio cansado de tudo. Não exibe mais o idealismo e nem a audácia de quando entrou para o Departamento de Polícia de Nova York. Prefere ignorar maiores complicações nas ruas da cidade e sempre que possível parar um pouco para ler um livro ou escutar um disco, já que a vida social é praticamente inexistente. Esse posicionamento, no entanto, muda quando seu parceiro James Rosato recebe um tiro na cabeça e morre dentro de um prédio antigo.

Nesse chamado que causou o assassinato, a dupla de policiais se deparou com um dos moradores completamente nu e transtornado envolvido a um desespero sem sentido aparente, que portando uma espingarda disparou o tiro fatal, sendo logo após também alvejado pelo detetive sobrevivente e morrendo. Na sequência, ainda sem saber muito bem o que aconteceu, John Tallow invade um dos apartamentos e se depara com uma imensidão de armas espalhadas por todos os cantos.

Esse é o mote inicial de “Máquina de Armas” (“Gun Machine”, no original), primeiro livro do britânico Warren Ellis a ser publicado no Brasil. O thriller policial com generosas quantias de suspense tem lançamento pela Editora Novo Século (em parceria com o site Omelete), 312 páginas e tradução de Cinthia Alencar. O escritor, um dos grandes nomes dos quadrinhos das últimas duas décadas e responsável por obras como “Transmetropolitan”, “Planetary” e “Frequência Global”, se arrisca também em um romance.

Depois dessa parametrização inicial, o detetive John Tallow percebe que todas as armas dispostas no quarto são referentes a casos não solucionados no período dos últimos vinte anos. Para conseguir desvendar esses crimes e com a cabeça a prêmio a todo momento ele conta com a ajuda de dois peritos forenses meio lunáticos chamados Scarly e Bat. O trio percorre a cidade e registros históricos atrás de um assassino mortal que também exibe suas próprias demências se vinculando a antigas histórias de povos nativos dos Estados Unidos.

Em “Máquina de Armas” percebemos as mesmas qualidades já vistas nos quadrinhos de Warren Ellis no que tange a frases cortantes, conversas sagazes e personagens repletos de suas próprias loucuras e excentricidades. Essa configuração amarrada a cidade de Nova York, mais precisamente a Manhattan, cria um livro que tem a qualidade de ser consumido rapidamente, sem desejo de se deixar para outra hora. Além disso, o trio principal de personagens funciona muito bem e exibe fôlego suficiente até mesmo para uma empreitada futura e isso representa talvez o maior elogio que pode-se fazer a essa boa trama.

P.S: Entre as boas tiradas do livro está uma simplesmente impagável com a banda Animal Collective. Vale conferir.

Nota: 7,0


Twitter do autor: http://twitter.com/warrenellis

terça-feira, 4 de novembro de 2014

“Boyhood – Da Infância à Juventude” - 2014

Assistir a “Boyhood – Da Infância à Juventude”, o novo filme do diretor Richard Linklater lançado recentemente é em determinados aspectos uma volta no tempo, considerando que hoje você esteja com seus 30 e tantos anos. Com roteiro também do diretor, o filme foi elaborado durante 12 anos (começou em 2002), sendo que a cada ano os atores reservavam alguns dias na agenda para se dedicar ao projeto (no total, foram menos de 2 meses de filmagem nesse período todo).

Nas 2 horas e 45 minutos do longa testemunhamos o crescimento de Mason Jr. (Ellar Coltrane, que começou as filmagens com 6 anos e terminou com 18), conjuntamente com a irmã Samantha (Lorelei Linklater, filha do diretor). Filhos de pais separados interpretados pela Patricia Arquette e pelo velho amigo Ethan Hawke, os jovens irmãos atravessam todas as agruras e satisfações de uma época tão definidora para a vida de cada um, tão formadora de caráter.

Essa pequena odisseia que ultrapassa tantos dias invade a escola, a troca de cidades, a mudança de amigos, o início da puberdade, as primeiras paixões e desilusões, a formatura do colegial, a saída de casa, a entrada na faculdade e todo um novo mundo se apresentando no horizonte próximo. Durante esse processo o roteiro pontua a importância das escolhas, as dúvidas sobre qual caminho tomar, a inconsequência de alguns atos e a transposição de prioridades.

Por isso que representa para quem já passou tem algum tempo dessa fase, um leve retorno para outros dias. Impossível não lembrar a própria vida quando o filme acaba e se identificar com certas situações vistas. Para quem ainda está nessa fase ou recém-saída dela o impacto de “Boyhood” tende a ser maior ainda, podendo ser devidamente enquadrado como o filme de uma geração. Não será surpresa se daqui a uma década pessoas de 20 e tantos anos apresentarem este como o “filme das suas vidas.”

Richard Linklater já merecia tranquilamente um lugar de destaque no cinema por conta da sua trilogia composta por “Antes do Amanhecer”, “Antes do Por-do-Sol” e “Antes da Meia-Noite”, mas dá para ousar dizer que agora ele foi mais longe. Por toda a forma que foi composto e pelos inspirados diálogos, “Boyhood” impressiona pela manutenção do foco e das linhas adotadas pelo roteiro, assim como pela atuação dos atores principais envolvidos desde o começo de toda essa grande obra.

Para deixar tudo ainda mais emocionante, a trilha sonora é exuberante e viaja pelos anos acompanhando a ideia central que faz o mesmo com fatos do esporte, política e cultura. Como pano de fundo sonoro (e coadjuvante em algumas passagens) temos nomes como The Flaming Lips, The Hives, Cat Power, Wilco, Foo Fighters e Black Keys além dos brazucas Luísa Maita e Moreno Veloso e uma fantástica história sobre um tal “Black Album” dos Beatles.

Em “Boyhood”, Richard Linklater acertou mais uma vez. Palmas para ele.

Nota: 9,5

P.S: Sobre a história do tal “Black Album”, passe aqui e veja mais sobre ela.

Assista a um trailer legendado:

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

“Video Games: O Filme” - 2014

É cada vez maior o número de pessoas que já utilizaram algum jogo eletrônico na vida. Isso inclui desde aqueles que jogavam Atari nos anos 70/80 até os que jogam hoje em consoles de última geração passando por toda uma gama de pessoas que na tela do computador ou do celular se divertem em algum joguinho gratuito, simples e viciante. O mundo dos games nunca foi tão vasto, tão rico e tão presente como nos dias atuais e a sua evolução é cada vez mais acentuada.

“Video Games: O Filme” (“Video Games: The Movie”, no original) é um documentário lançado esse ano (está disponível no Netflix) e ambiciona mostrar essa evolução. Dirigido e escrito por Jeremy Snead em seu primeiro longa-metragem, conta com a narração de Sean Astin (o eterno Sam de “O Senhor dos Anéis”). Divide-se entre animações dos jogos e depoimentos de notáveis do ramo como Nolan Bushnell, co-fundador da Atari (junto com Ted Tabney), além de entusiastas como o ator Zach Braff e o escritor Ernest Cline (de “Jogador No. 1”).

O documentário foca principalmente nos jogos para consoles e atravessa as décadas indo e voltando sem muita preocupação. Volta lá atrás nos anos 60 para o jogo que é considerado o primeiro de todos, o “Spacewar”, elaborado no MIT por Steve Russell para jogar em um computador chamado PDP-1. Fala do clássico “Pong” e outros tão clássicos quanto ele como “Space Invders”, “Pac-Man”, “Zelda” e “Asteroids”. Fala também de empresas como a Sega e a Nintendo e consoles como o Playstation e Xbox.

“Video Games: O Filme” acerta bem quando focaliza no mercado dos games, no poder financeiro oriundo deste e dos milhões gastos anualmente com inovação. Faz-se destacar que esse mercado aprendeu com a crise da metade dos anos 80, quando houve uma saturação e uma oferta muito maior que a demanda culminando no histórico caso das milhares de cópias do jogo baseado no filme “E.T” arremessadas em lixões nos Estados Unidos.

Acerta também quando invade a área da cultura geek, dos torneios de games, das feiras, do relacionamento com os fãs e principalmente na mudança de panorama social para quem joga. No final tenta apontar um caminho (ainda que sem muito êxito) para onde os videogames estão indo e o que esperar daqui a 10, 20 anos. Interatividade total? Cenários futurísticos de inserção física ou mental? São perguntas que ficam no ar, apenas com a certeza de que o mercado não deixará de avançar e já se mostra mais que consolidado.

Porém, “Video Games: O Filme” peca também em vários aspectos. O primeiro é olhar principalmente para os consoles e esquecer outras plataformas, um erro grave para um documentário que visa traçar um cenário amplo e irrestrito. Segundo, os depoimentos são sempre a favor, sempre com coisas positivas e números que favorecem os games. Em uma narrativa imparcial isso deveria ser feito de outra maneira. Mesmo assim, vale para quem quer entender mais desse universo já enraizado nos nossos tempos.

Nota: 6,0

Textos relacionados no blog:

- Literatura: “Jogador No. 1” – Ernest Cline

Assista a um trailer: