terça-feira, 30 de setembro de 2014

“Rising Stars: Estrelas Ascendentes - A Saga Completa” - J. Michael Straczynski e vários artistas

“Rising Stars é uma história que trata de esperança. De uma esperança acalentada por todos nós, a fé na existência de um mundo melhor. Um mundo que pode ser alcançado pela mera percepção que é possível alcançá-lo se trabalharmos juntos para esse fim”.

O trecho acima foi retirado do posfácio de “Rising Stars: Estrelas Ascendentes – A Saga Completa”, encadernado que a Mythos Editora - através do selo Mythos Books - lançou aqui no final do ano passado, mas que verdadeiramente só começou a ter uma melhor circulação em 2014. Esse fragmento evidenciado foi escrito pelo artista Brent Anderson (de “Astro City”) que trabalhou na parte final da obra idealizada por J. Michael Straczynski.

Publicada genuinamente nos Estados Unidos pela Top Cow em 24 edições entre agosto de 1999 e março de 2005, a série também ganhou um encadernado por lá que é onde esta edição nacional se baseia. Aqui no Brasil a Panini Comics já havia publicado toda essa pequena epopeia em 13 edições entre outubro de 2006 e outubro de 2007 (com direito a uma edição inicial repleta de extras). O autor que criou a série televisiva “Babylon 5” e depois se transferiu para os quadrinhos (Homem-Aranha, Quarteto Fantástico, Superman), assim como para o cinema como roteirista (“Thor”, “A Troca”), tem em “Rising Stars” o seu grande momento na nona arte.

A edição nacional da Mythos é primorosa. São 616 páginas com texto introdutório de Neil Gaiman e uma galeria final de capas e esboços (faltaram só os extras promocionais para revistas como a Wizard, mas isso é o de menos). Apesar do alto valor de capa proposto (R$ 134,90) é o tipo de investimento com custo-benefício garantido para quem gosta de quadrinhos e de boas histórias. Mas, porque isso? Simples, porque “Rising Stars” é uma história sensacional concebida de maneira completa, totalmente amarrada do início ao fim. Porque J. Michael Straczynski usa de vários recursos já imaginados anteriormente, mas usa isso de maneira ímpar criando assim uma nova percepção.

No enredo inicial somos apresentados a 113 pessoas que quando ainda estavam na barriga das mães ou quando estavam sendo geradas são afetadas por uma força desconhecida, um clarão que lhe confere poderes extraordinários (ecos aqui com séries de tevê como “4400” e “Heroes”). Ao nascerem esses dons começam a ficar visíveis e logo o governo os tranca em um acampamento para saber do que essas crianças são capazes, e lógico, saber como tirar proveito disso. Por causa de uma medida judicial o governo se vê obrigado a liberar todos depois de jovens, mesmo a contragosto e sem fazer todos os testes que queriam fazer.

Nesse primeiro momento o que autor apresenta é uma história de formação com laços sendo criados, caráteres sendo constituídos, medos sendo superados, rejeições sendo sentidas e inadequações sociais sendo suprimidas. Do outro lado, os interesses da família e dos donos do poder. Dividido em três atos (“Nascidos na Chama Estelar”, “Guerra de Titãs” e “Deuses e Monstros”), mas sem muito respeito da continuidade temporal, a narrativa vai delicadamente amarrando cada pequeno diálogo e cada pequena imagem, com aquilo que se verá adiante e resultará no ápice da trama.

Denominados como os “Especiais de Pederson” essas pessoas caminham pelas mais diversas áreas em busca de dinheiro, sexo, poder, heroísmo, fama, altruísmo ou vilania. E é dentro desse cenário que “Rising Stars” apresenta seus dois aspectos mais diferenciados. Primeiro, o roteiro realmente foca na maior carga de realidade possível caso isso acontecesse. Não há floreios ou fantasias desnecessárias. Segundo, os personagens idealizados, mesmo aqueles que aparentam ser os mais nobres, tem seus próprios demônios, suas próprias dúvidas, suas próprias ambições pessoais. Isso traz à tona uma maciça carga de ambiguidade que não abre muito espaço para definições simplórias entre certo e errado.

Muito se compara “Rising Stars” a outra obra fenomenal dos quadrinhos que é “Watchmen” do Alan Moore, porém tirando o ponto de partida (o assassinato de um dos especiais) e a inserção de uma carga de veracidade acentuada, pouco sobra nessa confrontação. Até porque o caminho que J. Michael Straczynski usa é outro, a redenção se apresenta em um viés totalmente diferente. Pode-se até afirmar que esta outra estrada adotada consegue até mesmo ir além que “Watchmen” em certas nuances, como a intensidade das conspirações envolvidas, o desgaste emocional dos personagens e principalmente o retrato da sociedade quando confrontada por adversidades.

O único ponto um pouquinho menor de “Rising Stars” é a arte como um todo. Não que afete drasticamente o resultado final, longe disso, mas ela é apenas comum, nada além, o que se comparado ao roteiro acaba ficando desigual. Vários artistas passaram pelas revistas, mas foram Christian Zanier e Brent Anderson que fizeram mais edições. Na questão conceitual tudo é bem resolvido, com experimentações de quadros e inserções de textos pelo meio, o problema é mesmo o traço, que aparece muito trivial em algumas passagens. Porém, como já afirmado, nada que desabone a série.

“Rising Stars: Estrelas Ascendentes – A Saga Completa” de J. Michael Straczynski é sim uma história de esperança, uma história de um mundo melhor possível, mas é muito mais do que isso. É uma história sobre crescimento, escolhas, traições, amores, mudanças, arrependimentos, sacrifício e abnegação. É uma obra que merece plenamente receber os adjetivos de essencial, de obrigatória. Nada mais justo.

P.S: “Rising Stars” daria um filme excelente na mão de um bom diretor. Uma trilogia poderosa. Os direitos chegaram a ser vendidos para a MGM e boatos rolaram, mas nunca passou disso. Uma pena, pois o material se encaixaria perfeitamente no cinema.

P.S (mais um): A Mythos também lançou um encadernado de “Midnight Nation” do Straczynski. Outra obra do autor que vale a pena conhecer.

Nota: 10,0

Twitter do autor: http://twitter.com/straczynski 

domingo, 28 de setembro de 2014

"O Rei de Amarelo" - Robert W. Chambers

No primeiro semestre desse ano a editora Intrínseca lançou uma nova edição de “O Rei de Amarelo” no mercado. A obra escrita por Robert W. Chambers foi publicada pela primeira vez em 1895, mais de 100 anos atrás. O livro de contos que ganhou admiradores e fãs durante o passar dos anos voltou novamente a ser falado por causa da série “True Detective” da HBO, onde o roteirista Nic Pizzolatto se declarou um apreciador dos textos e colocou no corpo da produção televisiva alguns nomes comuns a esta como “O Rei Amarelo” e “Carcosa”.

No total são 10 contos, com os quatro primeiros habitando um universo fantástico e imaginativo e os dois do meio servindo como uma espécie de ponte para o quarteto final, que por sua vez já entra em um mundo mais real e crível, mesmo que de alguma forma o autor escolha fazer leves ligações entre essas duas partes bem distintas. Nas 256 páginas traduzidas por Edmundo Barreiros o leitor é apresentando a esse pequeno ícone da literatura gótica, aliada ali ao sobrenatural e ao terror cósmico. A edição da Intrínseca obedece a sequencia original dos contos, ao contrário de outras publicações anteriores.

O néctar de “O Rei de Amarelo” está na primeira metade, nos cinco primeiros contos, e depois da leitura percebem-se as razões da estima de nomes como Neil Gaiman (o conto “A Demoiselle d’Ys” explica bem isso) e o mestre do terror H.P. Lovecraft (talvez a inspiração para o “Necromicon” tenha nascido aí). Nesse quinhão da obra é apresentado um livro (na verdade, uma peça teatral) que enlouquece ou transforma consideravelmente aqueles que o leem, principalmente o segundo ato. Não é permitido ao leitor saber muito sobre esse exemplar e em cima disso se constrói todo seu poder.

Robert W. Chambers nasceu no Brooklyn e faleceu em Nova York em 1933. Durante um tempo estudou na Académie Julian em Paris, cidade que habita a maior parte dos seus contos. Era além de escritor, também pintor e ilustrador, o que explica sua predileção por inserir vários personagens com esses atributos no trabalho. Inspirado por nomes como Oscar Wilde, Ambrose Bierce e Edgar Allan Poe, os contos utópicos e densos lhe deram respeitabilidade, mas foi escrevendo romances piegas de valor literário quase nenhum que fez o dinheiro que lhe permitiu viver de modo confortável.

A quadra primária de contos formada por “O reparador de reputações”, “A máscara”, “No Pátio do Dragão” e “O Emblema Amarelo” é efetivamente formidável. O horror em relação ao que não se conhece marcha com duras passadas escondido nas palavras e diálogos. A ambientação dos lugares é bastante rica em detalhes e funciona como mais um adendo para as histórias de loucura, medo e apreensão. Já os contos finais batizados informalmente como “quarteto das ruas” (pois todos levam nomes de ruas), estão um degrau abaixo, talvez pelo fato de serem mais concretos, mesmo sendo melhores escritos que aqueles da abertura.

A edição de “O Rei de Amarelo” que a Intrínseca disponibiliza é muito cuidadosa. Além de respeitar a formatação original como já dito acima, traz ainda uma longa introdução do jornalista e escritor Carlos Orsi. Essa abertura é rica e bem elaborada e serve perfeitamente para inserir o leitor no mundo de Robert W. Chambers, como também no mundo do final do século XIX onde foi gerado. Os contos também trazem pequenas notas com explicações e correlações que auxiliam bem na jornada da leitura. Uma jornada estimulante na maior parte do tempo, cabe aqui ressaltar.

Nota: 7,5

No site da editora tem uma entrevista interessante com o Carlos Orsi que fez a introdução do livro. Clique aqui para ler. 

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

"Malcolm" - Fabio Massari e Luciano Thomé

“Malcolm McLaren. Ninguém tem uma opinião fria sobre o homem: ou ele era o ser mais abjeto que já pisou na terra, um oportunista que descartava seus artistas assim que eles não mais lhe serviam, ou era um gênio absoluto, capaz de usar a mídia a seu favor de uma maneira que ninguém, até hoje, aperfeiçoou. Talvez ele fosse as duas coisas ao mesmo tempo.”

O pequeno texto acima está na contracapa de “Malcolm”, álbum em quadrinhos lançado no início desse ano pela Edições Ideal. Foi extraído do posfácio escrito pelo André Barcinski e ilustra muito bem a controversa pessoa de Malcolm McLaren, figura única no mundo do entretenimento dos últimos 50 anos, pelo menos. Falecido em 2010, ele foi empresário, produtor musical, agitador cultural, artista, criador de moda, entre outras coisas mais. E foi essa personalidade ímpar que desembarcou nos estúdios da MTV Brasil em São Paulo durante o ano de 1995.

No mesmo dia o jornalista Fabio Massari foi avisado dessa visita e se preparou para encarar uma missão complicada à primeira vista, mas que se tornou bem agradável durante o curso da entrevista ali feita, que de quinze minutos previstos inicialmente se espalhou por mais de cinquenta. McLaren estava na teoria lançando seu mais recente disco chamado “Paris” (de 1994), mais a conversa se espalhou por assuntos bem diferentes desse, fazendo uma espécie de compêndio da carreira dele até ali.

Na época, só alguns trechos foram ao ar na MTV e a gravação da entrevista ficou guardada pelo Fabio Massari para ser usada posteriormente. O resultado ganhou corpo dezenove anos depois. E em um formato até certo ponto inusitado: em quadrinhos. Feita em conjunta com o quadrinista gaúcho Luciano Thomé, “Malcolm” é um grande acerto. O formato casou muito bem com o teor da entrevista e a originalidade do personagem principal. Méritos a Thomé, que em preto e branco e com um traço quase anárquico, conseguiu repassar visualmente tudo muito bem, com várias inserções externas, caricaturas e referências.

Fabio Massari que já havia lançado em 2013 o livro “Mondo Massari – Entrevistas, Resenhas, Divagações e Etc.”, volta novamente a carga com essa ideia, que é o primeiro projeto da coleção que administra (e leva o seu nome) dentro das Edições Ideal. O segundo livro dessa muito bem-vinda coleção inclusive já saiu, chamado “Nós Somos a Tempestade”, do jornalista Luiz Mazetto, que fala sobre o metal alternativo dos EUA. “Malcolm” tem capa dura e 68 páginas e mostra pensamentos relevantes do seu entrevistado mesmo tanto tempo depois. Mais uma ótima bola dentro do Reverendo.

Nota: 8,0

A editora liberou uma boa parte gratuitamente no seu site. Veja aqui:


terça-feira, 23 de setembro de 2014

"1973 - O Ano Que Reinventou a MPB" - Organização: Célio Albuquerque

Em 1973 o Brasil estava sobre o comando do General Emílio Garrastazu Médici. O golpe militar estava prestes a completar dez anos e o cenário, se por um lado apresentava o (ilusório, em vários aspectos) “milagre econômico”, do outro lado minava mais ainda as liberdades individuais e criativas naqueles anos conhecidos como de “chumbo”. A censura sobre produções culturais estava cada vez mais acentuada e eliminava (na maioria das vezes sem base alguma) frequentemente partes de canções, de discos, de peças, de filmes, de livros.

Apesar disso, o ano de 1973 foi fecundo na parte musical e mesmo com a censura no pé, discos memoráveis foram produzidos nesse ano. O jornalista Célio Albuquerque percebeu isso e idealizou e organizou um livro que disserta sobre esses registros. O resultado é o livro “1973 – O ano que reinventou a MPB”, lançado pela Editora Sonora efetivamente no início desse ano com 432 páginas, comemorando assim os 40 anos da concepção dos álbuns. Com direção editorial de Marcelo Fróes, 50 e poucos discos foram pinçados e resenhados por jornalistas, pesquisadores, músicos e outras pessoas do meio.

A ideia – muito boa na percepção – também se mostrou bem interessante na prática. Mesmo que você não compreenda a inserção de um álbum ou outro, ou não goste do teor do texto e das considerações de algum trabalho, no aspecto geral o livro agrada confortavelmente. Além de servir como um documento histórico desses trabalhos pelas histórias contadas e fichas técnicas completas fornecidas. Dispostos em ordem alfabética por nome do artista (exceção feita a primeira e a última redação), os escritos podem ser divididos em várias pequenas categorias.

Uma dessas categorias é a dos melhores textos. Nela se incluem as palavras de Vagner Fernandes sobre “Clara Nunes”, de Nilton Pavin e Sílvio Atanes sobre “Chico Canta (Calabar, o Elogio da Traição)”, de Antonio Carlos Miguel sobre “Quem é Quem” de João Donato, de Pedro Só sobre “Pérola Negra” do Luiz Melodia, de Sílvio Essinger sobre “Krig-Ha, Bandolo!” do Raul Seixas, além do texto final do Marcelo Fróes sobre discos que não foram lançados em 1973 por algum motivo (mas que seriam desse ano), como o “A e o Z” dos Mutantes e o “Banquete dos Mendigos”, clássico ao vivo com vários artistas.

Por serem textos mais extensos, dá para encaixar um pouco da vida do artista em questão, e quando isso ocorre sempre funciona, como no caso dos discos da Clementina de Jesus (que começou a cantar somente aos 63 anos) e do Elton Medeiros (que mesmo bastante conhecido só gravaria o primeiro álbum aos 43 anos). Uma outra categoria interessante é formada por aqueles discos meio esquecidos que o livro aproveita e joga luz, composta, por exemplo, pelos registros do quarteto formado por Beto Guedes, Danilo Caymmi, Novelli e Toninho Horta, assim como pelo álbum homônimo do Guilherme Lamounier, o “Matança do Porco” do Som Imaginário e o “Matita Perê” do Tom Jobim.

Contudo, existem alguns pequenos problemas no livro. Em uma reduzida leva de textos, os autores (competentes e qualificados, isso não se discute) acrescentam demasiada carga de admiração e paixão pelo álbum escolhido, até mesmo se inserindo em determinados momentos, o que acaba por não funcionar tão bem, deixando o teor meio maçante. Isso acontece nos textos sobre os discos de João Gilberto, Marcos Valle e Maria Bethânia. Em outros o, autor simplesmente não conseguiu fazer o conteúdo fluir, como ocorre em “Araçá Azul” do Caetano Veloso. Acontece.

Para quem gosta de música, e principalmente de música brasileira, “1973 – O ano que reinventou a MPB” é puro deleite. Mesmo que alguns discos você pessoalmente entenda que não mereçam tanto entrar nessa lista por conta do título do livro (casos do disco de sambas de enredo, do João Bosco, do Fagner e do Gonzaguinha), isso não afeta a obra. Passear por palavras sobre clássicos exuberantes como alguns já citados e outros como “Milagre dos Peixes” do Milton Nascimento, “Índia” da Gal Costa, “Nervos de Aço” do Paulinho da Viola e “Todos os Olhos” de Tom Zé, satisfaz bem. É daqueles livros para acabar de ler, guardar na estante mais próxima para futuras consultas e ligar o som para escutar aquilo que foi lido.

Nota: 9,0

Textos relacionados no blog:

- Literatura: “1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer” – Robert Dimery

- Literatura:  “The Art of The LP – Classic Album Covers 1955– 1995” – Johnny Morgan e Ben Wardle

terça-feira, 16 de setembro de 2014

"Bidu - Caminhos" - Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho

A relação entre o homem e o cachorro atravessou os séculos. Milhares de coisas já foram faladas sobre essa amizade, essa cumplicidade. Mesmo aqueles não muito chegados ao animal, tendem a reconhecer esse tipo de afinidade quando a veem. Para o escritor tcheco Milan Kundera (de “A Insustentável Leveza do Ser”), por exemplo, “os cães são o nosso elo com o paraíso”. Além dele, vários outros notáveis já demonstraram uma elevada quantidade de afeto oriunda dessa convivência.

Para Mauricio de Sousa, a relação era tamanha que foi um cachorro o primeiro personagem criado. O Bidu, que apareceu já com o seu dono, o Franjinha. A aparição inicial da dupla foi em uma tirinha inserida no jornal Folha da Tarde em 18 de julho de 1959. Bidu também foi a primeira concepção do autor a ter revista própria (ainda que de vida curta em 1960). O apego ao cachorrinho (que com tempo viria a se tornar azul) só cresceu e ele ganhou toda uma gama de personagens que vivem dentro do seu círculo.

Era questão de tempo então para que essa figura tão importante no universo de Mauricio de Sousa também ganhasse uma nova roupagem no projeto Graphic MSP que a Panini Comics vem publicando. “Bidu - Caminhos” é o quinto volume da série e sucede “Piteco - Ingá” do final do ano passado. A responsabilidade da elaboração dessa nova aparência ficou com a dupla Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho (de “Achados e Perdidos” e “Cosmonauta Cosmo”), que dividem o roteiro e a arte da HQ.

São 82 páginas onde vemos como Bidu conheceu seu dono e eterno amigo Franjinha. Das obras lançadas até agora, pode-se dizer sem medo que essa é a que tem o tom mais infantil de todas, o que necessariamente não chega a ser ruim tendo em vista a abordagem proposta. Como a história une a aventura com algumas outras vertentes, carrega no ar alguma semelhança com “Laços” dos irmãos Cafaggi, onde o quarteto de ferro de Mauricio de Sousa foi apresentado na Graphic MSP (e que ganhará continuação em breve).

Bidu está ali sozinho, sem muitos amigos ainda (mesmo que alguns personagens secundários já apareçam como Duque, Bugu e Dona Pedra) e tentando sobreviver atrás de comida e abrigo, além de fugir dos cachorros maiores e outros perigos de uma cidade. E a jornada que ele leva até conhecer o Franjinha é muito bem traçada, com uma arte limpa e tocante em alguns momentos (como na parte da chuva belamente retratada pela dupla de autores).

“Bidu – Caminhos” tem o tom certo para o personagem, não poderia ser diferente, tinha que ser mais puro e mais singelo mesmo. Vai agradar diretamente aos seus filhos, seus sobrinhos e aos amantes desse animal tão importante para a raça humana através dos tempos. Depois de ler, fica difícil não gostar do que Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho fizeram com o cachorrinho azul, por mais que a identificação pessoal não seja tanta assim.

Nota: 7,0

Textos relacionados no blog:


quinta-feira, 11 de setembro de 2014

"Os Invisíveis" - Grant Morrison e vários artistas

Nos últimos anos um dos projetos mais interessantes idealizado dentro das grandes editoras de quadrinhos foi o “Sete Soldados da Vitória” que o escocês Grant Morrison fez para a DC lá fora em 2005 e 2006 (aqui foi publicado pela Panini Comics em 8 edições no ano de 2007). Usando personagens do segundo, terceiro e quarto escalões ele entrelaçou uma história repleta de nuances e referências. Uniu aventura, magia, ciência, teologia, filosofia e muitas outras coisas que se delineavam como pequenas peças que existiam para funcionar junto com outras de maneira bem peculiar.

Porém, essa junção de personagens ambivalentes, com caracterização bem distinta permeando histórias repletas de outras realidades, assim como com a inserção de alusões aos mais diversos campos imagináveis não era novidade para o autor. Foi em “Os Invisíveis” que Grant Morrison fez seu trabalho mais sublime dentro dos quadrinhos. A série que originalmente foi publicada entre setembro de 1994 e junho de 2000, teve 59 edições espalhadas em 3 volumes e é uma espécie de história sobre “tudo”.

“Os Invisíveis” ganhou status de obra-prima com o tempo e muitos a consideram para Grant Morrison como “Sandman” é para Neil Gaiman, “Transmetropolitan” é para Warren Ellis ou “Watchmen” é para Alan Moore, o que faz bastante sentido. Aqui no Brasil nunca foi lançada na sua totalidade apesar de quatro tentativas feitas anteriormente por empresas distintas. Algumas conseguiram avançar um pouco mais, outras pararam antes da metade. Nas dezenas de sites de scans de quadrinhos que existem por aí, no entanto, muitos leitores tiveram seu contato total com a série.

A Panini Comics, dentro do selo Vertigo, parece agora finalmente querer publicar tudo por aqui (nos EUA houve a republicação completa em sete volumes), para tanto já colocou duas edições no mercado. “Revolução” tem 232 páginas e reúne os números de 1 a 8 dos originais, além de pequenos textos e duas seções de cartas escritas pelo próprio Morrison. Já “Abocalipse” apresenta as edições 9 a 16 e tem 212 páginas, com posfácio do Érico Assis onde ele conta a lendária história da carta que Morrison colocou na edição 16 solicitando aos leitores que se masturbassem em um dia escolhido por ele a fim de que a revista não parasse de ser publicada (a época não era lá muito boa para o mercado dos quadrinhos).

Se isso deu certo ou não, não pode-se afirmar, mas o certo é que as edições continuaram até onde o autor imaginava, e fez com que se tornasse referência tanto para os quadrinhos por conta das múltiplas experimentações narrativas e visuais, como também para outras searas como o cinema (o autor acusou os irmãos Wachowski de lhe copiarem na idealização de “Matrix”), e a televisão (“Fringe”, para ficar em um exemplo, tem ocasionalmente uma ideia ou outra espalhada pela sua superfície).

A trama de um grupo de revolucionários completamente desiguais entre si que lutam contra uma espécie de ordem que comanda o mundo e faz todos pensarem que aquela é a verdadeira realidade, ainda hoje fascina ao se reler essas primeiras edições (e depois só melhora, pode confiar). Personagens como King Mob e Jack Frost carregam aquele poder de se tornarem únicos. A inserção de “tudo e um pouco mais” do autor que nesses volumes iniciais ressuscita a escritora Mary Shelley, o poeta Lorde Byron, o controverso Marquês de Sade e os ex-beatles Stuart Sutcliffe e John Lennon (em uma sacada magistral), deixa a trama mais intrigante ainda.

Tentar descrever a história mais do que isso seria além de uma tarefa (bem) espinhosa, algo que resultaria em um texto imenso, vide o tamanho de correlações, menções e referências que a permeiam e lhe servem como base. O ideal mesmo é ler as revistas e mergulhar dentro da intrincada mente de Grant Morrison. Mas, antes disso, prepare-se, pois a viagem é repleta de loucura, fantasia, encantamento e brilhantismo.

P.S: Muitos artistas foram responsáveis pela parte visual nessas 16 edições citadas acima (o que foi uma constante durante todo o período de existência da série), porém o maior destaque fica com Jill Thompson, brilhante em várias passagens.

P.S (bônus): Bem que “Sete Soldados da Vitória” poderia também ganhar uma republicação em edição especial. Merece bem.

Nota: 9,5


Site oficial do autor: http://www.grant-morrison.com                  

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

"Pessoas Que Passam Pelos Sonhos" - Cadão Volpato

Dois homens completamente distintos em uma primeira análise. Estilos de vida, visuais, profissões, pretensões, residência, países. Nada disso parece levar a crer que pode se formar uma amizade ali. Rivoli é alto, quase um sueco, arquiteto, estudado e mora em São Paulo. Tortoni é de estatura média, comum, taxista meio por acaso, oriundo de família humilde e mora em um subúrbio de Buenos Aires. Mas, por caminhos flutuantes a vida desses dois personagens se une em “Pessoas Que Passam Pelos Sonhos”, o novo livro de Cadão Volpato.

Publicado no ano passado pela Cosac Naify em um formato menor, muito bonito e com tratamento visual igualmente esbelto, o livro tem 318 páginas. É o sexto trabalho de Cadão Volpato na área da literatura. Anteriormente, tinha lançado quatro livros de contos e um infantil. Músico (da excelente banda Fellini, entre outros projetos), ilustrador, jornalista e apresentador de tevê, o autor hoje com 57 anos sempre se mostrou uma figura de inteligência natural e com uma maneira bem distinta de enxergar o mundo.

Essa maneira um pouco diversa de enxergar as coisas está presente em “Pessoas Que Passam Pelos Sonhos”. Nele, Volpato compõe os dois personagens isoladamente no início, os ambientando em suas cidades, convicções, famílias, desejos e insatisfações. Depois os une em uma viagem insólita para a Patagônia atrás de um hotel no final do mundo. Essa jornada meio sem sentido rende momentos que variam entre o desesperador e o fantasioso e serve para moldar uma amizade instantânea que daquele momento em diante parece distraída a continuar.

Dividido em três atos, o livro tem a ditadura no Brasil e na Argentina nos anos 60 e 70, como um espírito do mal que está ali influenciando atos, definindo rumos e destroçando aspirações de um futuro. Esse tema espinhoso e complicado de ser tratado ainda nos dias de hoje é colocado de modo sábio pelo autor, que o deixa ali na escuridão, nas entrelinhas, naquilo que não é escrito. Com sentenças curtas e muitos detalhamentos, a narrativa em terceira pessoa se constrói pouco a pouco ao se espalhar por amigos e familiares, como também por desconhecidos quase delirantes.

Em seu primeiro romance puro, Cadão Volpato usa pessoas comuns e nada extraordinárias para arquitetar algo que não é fácil de ser lido ou digerido com rapidez. O leitor precisa prestar atenção nos detalhes, nas leves convergências que a trama vai sugerindo, nos sonhos que vão sendo deixados no meio do caminho por cansaço, azar ou por fatos ríspidos do famigerado destino. Também podemos levar a palavra “sonho” para os pensamentos quebradiços que os personagens se agarram em certas passagens. E é justamente esses fatores que fazem da sua criação um livro lírico e encantador.

Nota: 8,0

Site oficial do autor: http://www.cadaovolpato.com.br