quarta-feira, 21 de maio de 2014

"Fim" - Fernanda Torres

O escritor e filósofo inglês Francis Bacon escreveu em uma de suas obras no longínquo ano de 1625 que “os homens temem a morte como as crianças temem ir ao escuro”. Tal assertiva datada de tanto tempo atrás personifica um pouco o temor do ser humano com o perecimento, com o final a que todos estamos sujeitos. Quanto mais velhos ficamos é normal que essa ideia esteja mais presente nos nossos pensamentos e mesmo que não se fique paranoico com isso, vez ou outra esse pensamento surge.

Baseado nesse compromisso inadiável que todos nós temos é que a atriz Fernanda Torres ambienta seu primeiro romance, intitulado não por acaso com o nome de “Fim”. Atriz competente e hábil tanto no teatro quanto na televisão e no cinema, ela já se arriscava na escrita em publicações como a Revista Piauí e a Folha de São Paulo. Essa transição para um romance completo foi então gradual e começou com um conto encomendando pelo diretor Fernando Meirelles (de “Cidade de Deus”) anos atrás.

Lançado no ano passado pela Companhia Das Letras com 208 páginas, “Fim” discorre sobre a morte, não esconde isso de maneira alguma, mas também investe no modo de vida que se leva até chegar a esse dia. As escolhas, loucuras, amores, arrependimentos, brigas. O caminhar rotineiro de cada indivíduo sobre a terra. Para tanto usa um tom debochado, satírico, desvairado e repleto de humor. Esse tom surpreende até mesmo quem já havia lido outro texto seu antes. É sentimental, mas com elevada carga de escárnio.

“Fim” usa o Rio de Janeiro como recinto, um Rio de Janeiro bem diferente do atual. O contraponto entre as épocas é talentosamente utilizado e é importante para ambientar a trama. Trama, que se centraliza em cinco amigos (Álvaro, Sílvio, Ribeiro, Neto e Ciro) que invadem os anos 50 e vivem a mudança acentuada de comportamento que a sociedade passou, assim como já entram nos anos 60 com tudo de bom e de ruim que isso representa. A vida dos personagens viaja pelas demais décadas até o dia anterior do seu falecimento.

O grupo de amigos é composto por um cara certinho, um perito em drogas diversas e álcool, um conquistador nato, um atleta radiante e um reclamão de primeira linha. Atrás dessas vestes iniciais, Fernanda Torres estrutura muito bem cada um com seus defeitos, neuroses, dúvidas e aspirações. Essa estruturação é fundamental para que o romance funcione levando-se a crer fortemente que a autora não é uma mulher de 48 anos e sim um homem que viveu os mesmos regalos e desgostos que os personagens que criou.

Para deixar a coisa mais satisfatória ainda, corta o tempo em fatias e muda o narrador da história frequentemente, não somente passando pelos cinco amigos, como também se difundindo entre esposas, filhos, amantes e até mesmo o capelão do cemitério São João Batista. De modo escrachado e sagaz discorre sobre cenários típicos da cidade e situações que de um modo ou outro todos se sujeitam totalmente ou parcialmente no decorrer da vida. Para a autora Fernanda Torres nada é intocável, tudo merece uma alfinetada aqui e acolá.

No seu romance de estreia Fernanda Torres toma o leitor de assalto e agrada bastante. Fala de uma questão séria como a morte e daquele momento que já se deseja que ela venha em troca da amarga vida atual, depois de tanta coisa experimentada e sentida no passar dos anos. E faz isso sem soar piegas, pelo contrário. Com uma escrita remetendo levemente a nomes como Reinaldo Moraes e Sérgio Sant’Anna versa sobre o usufruto da vida e sua finitude, para no meio disso também versar sobre uma geração que aprendeu que ninguém pode fugir do amor e da morte.

Nota: 9,0

A Companhia das Letras disponibiliza gratuitamente um trecho aqui: http://www.companhiadasletras.com.br/trechos/13662.pdf

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