quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

"Alabama Monroe" - 2014

Uma doença grave carrega com ela o destrutivo poder de desestabilizar qualquer relação familiar, amorosa ou cotidiana. O câncer então é mestre em fazer coisas desse tipo e quem já conviveu com uma situação assim entende bem esse cruel poder. Em “Alabama Monroe” (The Circle Broken Breakdown, no original), mesmo sem ser o sustentáculo principal com que o filme belga se apoia, é uma peça importante e funciona como delineador das ações que impulsionam o longa adiante.

Lançado originalmente em 2012, a obra do diretor Felix Van Groeningen ganhou uma indicação ao Oscar desse ano na categoria de melhor filme estrangeiro depois de ganhar prêmios em festivais prestigiados como o de Berlim e o de Tribeca. Aqui no Brasil passou pelo Festival de Cinema do Rio de Janeiro no ano passado, mas só estreou mesmo agora em 2014. O trabalho é baseado em uma peça de Jonan Heldenbergh em parceria com Mieke Dobbels, com roteiro adaptado pelo diretor em parceria com Carl Jools.

Em “Alabama Monroe” conhecemos Didier Bontinck (Jonan Heldenbergh), um músico de bluegrass apaixonado pela América e por esse ritmo irmão do country, e Elise Vandevelde, uma tatuadora que exibe no próprio corpo inúmeras figuras. Os dois se encontram e passam a namorar, viver juntos e tocar na banda que Didier mantêm com amigos. O resultado desse amor arrebatador e companheiro é a pequena e formosa Maybelle (Nell Cattrysse), que resulta em uma dedicação forte e afável de seus pais.

A história então sugere um conto de fadas. O casal se ama, mora em uma pequena fazenda em uma região rural, produz uma música pela qual são apaixonados (ele, pelo menos é) em um país com nenhuma tradição no estilo e tem uma linda e engraçada filhinha. Isso até Maybelle ficar doente e a partir disso tudo começa a desabar pouco a pouco, com o clima mais pesado a cada dia. Para contar essa história o diretor Felix Van Groeningen entrecorta passado e presente em um intervalo de mais ou menos sete anos, o que deixa tudo mais aflitivo.

No meio desse drama enternecedor, “Alabama Monroe” foca em vários aspectos como a quebra da estúpida crença reacionária de que pais músicos e tatuados não são bons pais, no papel da religião como inibidora de descobertas científicas, e na inevitável transposição de culpa entre as partes. Como disse Raul Seixas na sua canção “Por Quem os Sinos Dobram”: “é sempre mais fácil achar que a culpa é do outro”, mesmo que não acha culpa a ser achada. Esses pontos são bem explorados e não transformam o filme em um dramalhão novelesco.

Do lado mais aprazível da película entra a parte musical, muito bem executada (a banda existe e faz shows na Bélgica) e coordenada pelo compositor e arranjador Bjorn Eriksson. Circulam pequenas pinturas como “Will The Circle Be Unbroken” de A.P. Carter, “Cowboy Man” de Lyle Lovett ou “If I Needed You” de Townes Van Zandt. Com isso, apesar de alguns caminhos mais óbvios na segunda metade de exibição, “Alabama Monroe” se constitui em um filme prodigioso onde música e dor conversam com inevitável intimidade.

Nota: 8,0


Assista ao trailer legendado:

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

"Todo Aquele Jazz" - Geoff Dyer

“A música jazz é uma inquietação acelerada”, assim apontou a falecida escritora francesa Françoise Sagan de “Bom Dia Tristeza”. Essa inquietude é presente não somente na formatação dos improvisos feitos em cima de cada frase de um instrumento ou na construção de arranjos sofisticados e únicos, como também pode ser transferida para a vida da maioria dos músicos que criaram e consolidaram o gênero em suas vertentes mais ricas e poderosas.

O romancista e ensaísta inglês Geoff Dyer é um dos muitos amantes do estilo e em 1991 lançou um livro sobre o tema chamado “But Beatiful: A Book About Jazz”. Essa obra ganhou reimpressão em terras nacionais no ano passado pela Companhia das Letras com 240 páginas e tradução de Donald M. Garschagen. O autor que tem livros sobre diversas outras áreas como fotografia e viagens, exibe aqui amplo conhecimento e uma paixão expressiva sobre o tema.

“Todo Aquele Jazz” é um livro de ficção que toma como embasamento de criação alguns fatos reais da vida dos músicos retratados. Usa como matéria-prima inicial fotografias antigas que o autor teve acesso ou já conhecia, e a partir disso passou a imaginar aspectos mais extensos. Ícones do jazz são retratados em cada capítulo, como Thelonious Monk, Charles Mingus, Chet Baker, Lester Young, Bud Powell, Art Pepper e Ben Webster, além do extraordinário Duke Ellington permeando todos esses capítulos em passagens curtas.

As histórias que Geoff Dyer fabrica são permeadas por dores, decepções, passividade e uma melancolia diretamente vinculada aos tempos áureos em que o brilhantismo e a energia ainda eram as moedas correntes dessas vidas. Não obstante, esse reflexo espelhado que ele exibe nas páginas vem justamente depois da absorção das inovações do ritmo, assim como naquilo que sempre teve em volta do jazz na maioria das vezes como o álcool, as drogas e as mulheres.

A viagem invade os anos 20 e chega até os anos em que esses baluartes mantiveram sua existência, isso de modo sucinto, sempre se apegando ou ao momento de declínio físico, mental e criativo, ou de ostracismo em algum país longe da América. Essa viagem mesmo sendo pesarosa e triste em determinadas situações não deixa de ser idílica e poética em diversas outras passagens, devido principalmente a sapiência do autor e a maneira como escreve.

De todos os capítulos, aqueles que focam em Thelonious Monk, Charles Mingus e Art Pepper são os mais exuberantes. Magia, loucura e incompreensão andam de mãos dadas nesses pequenos contos. Para envolver ainda mais o leitor as fotos comentadas nas páginas do livro poderiam estar presentes. Porém, isso é mero detalhe e “Todo Aquele Jazz” ainda encerra com um ensaio formidável justamente sobre o estilo de vida que os músicos levavam (por opção própria ou não) e sua contraposição na criação de pequenos clássicos, além de uma estupenda discografia selecionada para correr atrás depois.

Nota: 9,0

A editora disponibiliza um trecho gratuito para visualização, aqui.

Textos relacionados no blog:

- Literatura: “Pops – A Vida de Louis Armstrong” – Terry Teachout
- Quadrinhos: “Bourbon Street –Os Fantasmas de Cornelius” – Philippe Charlot e Alexis Chabert

Essa é a única foto que está no livro e mostra Ben Webster, Red Allen e Pee Wee Russell.

domingo, 26 de janeiro de 2014

"O Lobo de Wall Street" - 2014

22 anos, muita disposição, uma boa dose de inteligência e perspicácia, ambições mil e o mundo inteiro pela frente. Foi assim que o jovem Jordan Belfort desembarcou em Wall Street na segunda metade dos anos 80, logo em uma tradicionalíssima empresa do ramo. De cara se deslumbrou com o cenário, com as chances de ficar milionário e com o funcionamento enérgico do negócio. Porém, quando ia começar a deslanchar, o mundo ruiu. Em uma segunda-feira de 1987 conhecida como “black monday”, a bolsa de New York caiu muito e ele foi demitido pela empresa que acabou fechando.

O renascimento e o subseqüente crescimento profissional de Jordan Belfort perfazem a idéia inicial de “O Lobo de Wall Street”, o novo longa do diretor Martin Scorsese em cartaz em todo o país. O filme é inspirado no livro de mesmo nome do corretor que durante os anos 90 enriqueceu a custa de diversas fraudes e desrespeito as leis do mercado financeiro e do próprio conceito de ética profissional, podemos assim dizer. Essa jornada de ambição é regada por vícios e loucuras das maiores estirpes possíveis, uma montanha-russa de álcool, sexo, drogas e uma completa e absoluta falta de princípios e de escrúpulos.

Scorsese é um diretor que adora esse tipo de personagem, que vive na margem das regras gerais da sociedade. Foi assim em alguns dos seus grandes trabalhos, como por exemplo, em “Taxi Driver” (1976), “Os Bons Companheiros” (1990), “Cassino” (1995) e “Os Infiltrados” (2006). Em maior ou menor escala, esse tipo de figura acaba arrebatando o diretor e ganha uma aura de fascínio que envolve o espectador de maneira com que ele esqueça naquele momento de exibição da diferença entre certo e errado, de legal e ilegal, de correto e indevido. Isso incessantemente é usado como um trunfo e não é diferente com o Jordan Belfort de Leonardo DiCaprio.

Depois que resolve ressuscitar no mercado financeiro dentro de um segmento ínfimo e sem nenhuma profissionalização com muita esperteza e nenhuma honradez, o protagonista feito por DiCaprio cria uma empresa e volta para o jogo sendo amado e admirado por indivíduos que são como ele, ou seja, não estão nem aí para as leis e só querem saber de dinheiro no próprio bolso. A leve tentativa de humanizar essa situação na última parte do filme de quase três horas de duração além de ser apática, leva nos a deduzir que o próprio diretor quis se redimir do descomedimento que lhe absorve em algumas passagens.

“O Lobo de Wall Street” exibe muito daquilo que Scorsese tem de melhor, isso é inegável. Empolga mesmo em certas etapas. É enérgico, engraçado e levanta a discussão sobre até onde o ser humano pode chegar quando tem dinheiro e poder envolvido. Porém, quando se trata de um filme de um diretor tão representativo como ele tem que se tomar muito cuidado para não cair em duas correntes óbvias: a) Por ser Scorsese, logicamente é um novo clássico, ou b) Por ser Scorsese, já vimos isso antes e de uma maneira melhor, pois dele sempre pode se esperar muito mais. Nem isso, e nem aquilo, ficaria de melhor grado nesse caso específico.

Pois se “O Lobo de Wall Street” tem muito do melhor Scorsese que podemos ter, representado aqui nos personagens, diálogos, situações quase surreais e atuações deslumbrantes de atores como Leonardo DiCaprio, Jonah Hill e Matthew McConauguey, também tem um pouco daquilo que é falho ao diretor como o exagero de algumas tomadas e o alongamento desnecessário de um tema já exaurido. Isso transforma o último quinto do filme em uma obra menor do que fora até ali e diminui o resultado final, já que “O Lobo de Wall Street”, assim como seu personagem principal, funciona muito melhor quando está alucinado e frenético do que em momentos de drama e de calmaria.

Nota: 8,0


Assista ao trailer legendado:

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Séries - “Marvel’s Agents of S.H.I.E.L.D.”

Depois do sucesso do filme dos Vingadores e dos personagens envolvidos diretamente nele, a Marvel resolveu se aventurar também no lucrativo mercado dos seriados televisivos. Sim, nesse mundão ninguém é lá muito besta e sendo assim o gancho para começar um novo produto foi devidamente aproveitado. Para essa missão, a empresa utilizou a sua agência de controle mundial, a S.H.I.E.L.D. (Strategic, Homeland Intervention, Enforcement and Logistics Division), criada pelos respeitados Stan Lee e Jack Kirby na segunda metade dos anos 60.

“Marvel’s Agents of S.H.I.E.L.D.” estreou em setembro do ano passado e já passa dos 10 episódios da primeira temporada nesse momento. Produzida pelos estúdios da ABC em parceria com a Marvel, a série foi elaborada pelo experiente Joss Whedon (diretor do filme dos Vingadores, assim como da sequência prevista para 2015), seu irmão Jed Whedon e Maurissa Anne Tancharoen (de “Dollhouse”). Aqui no Brasil ela é transmitida pelo canal da Sony toda quinta feira, às 21hs.

Centrada no renascido agente Phil Coulson (Clark Gregg, que repete o papel feito nos filmes vinculados), o seriado tem como objetivo a resolução de casos estranhos e desconhecidos que aparecem em uma quantidade mais elevada depois da invasão alienígena vista no longa dos heróis mais poderosos da Terra. Para tanto, ele junta um time que conta com os braços e pernas de Melinda May (Ming-Na Wen) e Grant Ward (Brett Dalton), com a mente da dupla de jovens gênios Fitz (Ian de Caestecker) e Simmons (a bela Elizabeth Henstridge) e com as habilidades da hacker Skye (Chloe Bennet de “Nashville”).

É justo afirmar que em um primeiro momento a temática prometia, afinal a presença da S.H.I.E.L.D. nos quadrinhos proporcionou em momentos distintos boas histórias de traição, espionagem e heroísmo. Todavia, essa promessa inicial não dura muito e cai logo nos capítulos de abertura. O tom com que as tramas são desenvolvidas trafega entre as produções para a tevê com super-heróis dos anos 60, os filmes da trilogia “Homens de Preto”, dramas novelescos e muita obviedade. Nem as ligações com os filmes da franquia e as piadas internas sobre esses assuntos conseguem redimir os episódios.

Essa ligação com as películas, aliás, é que podia ser melhor explorada devido ao grande filão de oportunidades a ser preenchido. Quando são aproveitados esses ensejos, isso é feito de modo muito raso, pois a maior preocupação parece ser deixar a trama leve e agradável para o maior público da televisão. Nomes de personagens (vilões e agentes) dos quadrinhos até empolgam vez ou outra (como a Victoria Hand da atriz Saffra Burrows), mas ainda assim surgem transformados e com outras correlações que não as originais.

O que se vê em “Marvel’s Agents of S.H.I.E.L.D.”, na realidade, é que o objetivo maior é manter o selo “Vingadores” na mídia (mesmo indiretamente) e obviamente lucrar com o sucesso obtido. A qualidade, bom, a qualidade é algo secundário. Esse objetivo, ao que parece, vem sendo alcançado devido aos bons índices atuais de audiência, mesmo levando em consideração a constante queda. Porém, o que a série deixa mesmo de legado é o desapontamento de pegar um produto que poderia render absurdamente mais e não conseguir (ou querer) fazer isso.

Nota: 4,0

Textos relacionados no blog:
- Cinema: “Os Vingadores” – 2012
- Cinema: “Thor: O Mundo Sombrio” - 2013


Assista a um trailer legendado:


quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

"Treme" - Uma série que você precisa assistir

Era final de agosto de 2005 quando um furacão de alto nível (o maior das últimas quatro décadas) oriundo de uma tempestade tropical, arrasou a cidade de New Orleans, no estado da Louisiana nos Estados Unidos. Outras cidades de estados como o Mississipi, o Alabama e a Flórida também foram afetadas, mas em nível menor se comparadas a New Orleans. O Katrina (como foi chamado) foi devastador e carregou além de vidas e bens, a autoestima dos habitantes da região.

Durante a tempestade e os dias que seguiram, o que se viu foi uma sequência de erros inacreditáveis das administrações públicas (principalmente do Presidente Bush), com abusos ocorrendo tanto por parte da polícia quanto das gangues que se aproveitaram da desgraça. Na reconstrução da cidade, mais absurdos na retomada das casas, nas relações com as empresas de seguros e com a “Indústria do Desastre”, sempre atuante no país com seus acordos e negociatas.

Focada nessa reconstrução é que foi arquitetada “Treme”, série da HBO que começou a ser exibida em 11 de abril de 2010 e foi finalizada agora em 29 de dezembro de 2013, depois de quatro temporadas e 36 capítulos. Idealizada por David Simon (da ótima “The Wire”), com a parceria de Eric Overmyer (roteirista de várias séries como a própria “The Wire’”), “Treme” historicamente se inicia alguns meses depois da passagem do furacão e termina no Mardi Gras de 2009.

Um dos grandes berços do jazz e reconhecida por sua música em geral e gastronomia, “Treme” aborda o drama de se erguer novamente sem esquecer esses pontos e em todos os episódios a música exerce um papel fundamental, já atracada no próprio nome, que representa um dos bairros mais musicais e festeiros (e pobres) da cidade. Não obstante, alguns dos personagens principais são músicos como os trompetistas Delmond Lambreaux (Rob Brown) e Antoine Batiste (Wendell Pierce) e a violinista e cantora Annie Tee (Lucia Micarelli).

A culinária, outra característica da região, é representada pela chef Janette Desautel (Kim Dickens de “Obrigado Por Fumar”). Entre os vários polos de apresentação que ainda podemos recortar temos a briga em manter as tradições culturais de Albert Lambreaux (Clarke Peters de “Person Of Interest”), a busca pelos direitos civis contra a corrupção policial da advogada Toni Bernette (Melissa Leo de “O Vencedor”) e do detetive Terry Coulson (David Morse de “Guerra Ao Terror”) ou os negócios obscuros de empreiteiros como Nelson Hidalgo (Jon Seda).

Amarrando despretensiosamente todas essas pontas (ou a maioria delas) está o DJ Davis McAlary, personagem interpretado por Steve Zahn de “Roubos e Trapaças”, um idealista, sonhador e apaixonado pela cidade. John Goodman (de “Argo”), como um professor e marido de Toni Bernette também é um grande papel, mas infelizmente só participa da primeira temporada, o que é válido por outro lado pois abriu novas possibilidades narrativas envolvendo tanto o crescimento pessoal quanto revoltas próprias.

Além de todos esses fatores, quase sempre os episódios exibidos são exímios, tecnicamente falando. Diretores como Tim Robbins (“Os Últimos Passos de Um Homem” de 1995), Agnieszka Holland (“Filhos da Guerra” de 1990 e “O Jardim Secreto” de 1993) e Brad Anderson (“O Operário” de 2004), são alguns dos nomes responsáveis. E a parte musical, bom, a parte musical é puro deleite, pura satisfação. Trafegam nos capítulos artistas como Elvis Costello, Allen Toussaint, Dr. John, Kermitt Ruffins, Trombone Shorty, John Boutté, Steve Earle e Irma Thomas, entre tantos outros.

“Treme” alcança algo extremamente complicado que é unir bem várias vertentes e muitos personagens fortes com real participação na trama, de modo equilibrado. O drama junto com a comédia, a pesada crítica social com a corrupção política, a música com o cotidiano, a dúvida com o entusiasmo, o aprendizado com fracasso. E no meio disso tudo, como talvez a grande protagonista de todo o enredo, a cidade em si, a terra de um povo, o chão de sonhos e decepções que é New Orleans.

Mesmo com a quarta e última temporada tendo apenas cinco episódios e acabando antes do idealizado, o final não deixa muito a desejar e preserva o gabarito de qualidade visto durante as temporadas. Poucas vezes uma série exibiu esse nível de qualidade de modo tão constante. Depois de assisti-la é impossível não se apaixonar por New Orleans, pelo seu povo, sua comida e sua música. É uma pena que “Treme” tenha chegado ao fim, mas assim como seus personagens cansaram de mostrar, é preciso seguir em frente.

P.S: Também é uma pena que “Treme” não tenha sido tão alardeada aqui no Brasil. Das quatro temporadas só a primeira está disponível em DVD. Quem quiser assistir, ou acompanha pela HBO os capítulos soltos em reprises (a espera de uma maratona) ou vai ao serviço online “HBO GO”, onde tudo está disponível. Ou ainda, importa as temporadas. Acredite, vale o esforço. Completamente.

Nota: 10,0

Abaixo, alguns momentos musicais de “Treme”:

DJ Davis com “Shame, Shame, Shame”:


Irma Thomas, Allen Toussaint e Antoine Batiste com “Time Is On My Side”:


Vários em “Will The Circle Be Unbroken”:

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

"Piteco - Ingá" - Shiko

Em novembro do ano passado a primeira safra do projeto Graphic MSP chegou ao fim com “Piteco – Ingá”. A última empreitada dessa temporada inicial (seis outros álbuns estão previstos para 2014) teve aventuras da turminha, do Astronauta e do Chico Bento sob a responsabilidade dos irmãos Vitor e Lu Cafaggi, Danilo Beyruth e Gustavo Duarte, respectivamente. O resultado quase sempre foi satisfatório e usando um clichezão, “Piteco – Ingá” fecha esse ciclo com a famosa chave de ouro.

A incumbência de visitar o personagem pré-histórico de Mauricio de Sousa ficou com o paraibano Shiko, hoje residente na Itália. O autor de “Blue Note” que também é ilustrador e artista plástico deu à luz um trabalho visual não menos que majestoso. E conseguiu juntar a isso uma aventura, que mesmo partindo de um ponto de partida comum, rende muito bem. Sem contar o fato que foi o autor que mais foi além no quesito de liberdade criativa, aproximando a obra do público adulto.

Esse ponto de partida passa pela migração que o povo de Piteco se vê forçado a fazer, pois o rio que lhes dava sustento acaba de secar, um incremento bem utilizado ressaltando a importância da água. No entanto, quando isso está para acontecer, o caçador percebe que sua amiga Thuga foi seqüestrada. Não pensando duas vezes, ele segue no encalço para recuperar a curandeira do seu povo junto com o amigo inventor Beleléu e a guerreira Ogra. Essa busca representa o objetivo que guia a trama em suas 80 páginas.

Uma das coisas mais positivas do álbum é como Shiko transformou os personagens e suas relações. A ligação entre Thuga e Piteco, que originalmente consiste nela apaixonada correndo atrás dele, enquanto ele foge de todas as maneiras, aqui ganha contornos de respeito e amizade, por mais que a relação amorosa ainda esteja lá. A amizade com Beleléu fica mais forte e a disputa entre os povos existentes na região mais intensa e acirrada, ao contrário da leveza com que é regularmente tratada.

Outro ponto positivo é a aproximação que o autor faz com o nordeste e com o folclore tupiniquim. Além de usar a Pedra do Ingá na trama (monumento arqueológico da Paraíba), inclui lendas como o Curupira (o Arapó-Paco) e o Boitatá (o M-Buantan). E essas coisas, aliadas com a arte dos desenhos coloridos em aquarela e a já citada ascensão para um nível mais maduro transformam “Piteco – Ingá” em, se não no melhor dos projetos até agora (esse posto ainda fica com “Laços”), no mais interessante como um todo.

P.S: Como de costume, existem duas opções de capas com preços distintos (R$ 19,90 e R$ 29,90) em livrarias e bancas de revistas.

Nota: 8,5

Textos relacionados no blog:
- Quadrinhos: “Astronauta Magnetar” – Danilo Beyruth
- Quadrinhos: “Laços” – Vitor Cafaggi e Lu Cafaggi
- Quadrinhos: “Pavor Espaciar” – Gustavo Duarte

sábado, 11 de janeiro de 2014

"O Verão da Minha Vida" - 2013

Crescer é uma tarefa complicada, mesmo levando em consideração as alegrias que a adolescência pode proporcionar. Não é fácil. Ainda mais se você tem 14 anos, é introspectivo e calado, seus pais se separaram e o namorado da sua mãe é um completo idiota. Identificar um lugar próprio no mundo se torna uma incumbência árdua. “O Verão da Minha Vida” (“The Way Way Back” é o título original) trata justamente desse período e marca a estreia da dupla de atores Jim Rash e Nat Faxon na direção.

A dupla que atuou no filme “Os Descendentes” de Alexander Payne e ajudou o diretor a construir o roteiro dessa obra, resolve se aventurar pela direção e também assina a criação da história (e aparecem em papeis secundários) que versa sobre desenvolvimento, descobertas e as agruras da juventude. O tema, meio gasto, mas nunca batido, aparece regularmente em produções pelo mundo, então sair do marasmo e da obviedade talvez seja o principal desafio quando se escolhe abordá-lo.

No longa, Liam James (“2012”) interpreta Duncan, o garoto exposto no primeiro parágrafo. Toni Collette (“Pequena Miss Sunshine”) vive Pam, a mãe dele, e Steve Carell é o namorado e pretenso padrasto, surpreendendo ao fugir dos papéis engraçados e de bom moço que costuma fazer, como em “O Virgem de 40 Anos”. Aqui ele é um cara também separado, com uma filha adolescente, e repleto de concepções certeiras sobre a vida que se enrola para levar, com espasmos que transitam entre a estupidez e o mau caratismo.

Quando essa nova família resolve passar o verão em um litoral, é que Duncan realmente se vê perdido. Não consegue se sobressair e acaba sucumbido a uma situação completamente abjeta. A mãe tenta fazer com que as coisas funcionem, mas o resultado final é pífio. A fuga dessa situação (praxe, nesse tipo de enredo) vem através então de dois pólos. Com a jovem vizinha Susanna (AnnaSophia Robb de “Ponte Para Terabítia”) e o descontraído Owen (Sam Rockwell de “Lunar” e “O Guia do Mochileiro das Galáxias”).

O Owen de Sam Rockwell é gerente de um parque aquático local e se consolida como um dos destaques do trabalho ao lado de Steve Carell. O ator cria um personagem que flerta com a loucura descompromissada, ao mesmo tempo em que serve de contraponto paternal para Duncan, exibindo alguns conselhos e funcionando como o amigo que o garoto não tem. O bom elenco ainda tem nomes como Maya Rundolph e Amanda Peet, todos bem conduzidos pelos diretores e o roteiro simples, porém eficiente.

Em “O Verão da Minha Vida”, Jim Rash e Nat Faxon fogem quase que totalmente da obviedade em um filme singelo e homogêneo, mesclando bem as porções de humor e drama sobre a adolescência, esse tempo de privações e anseios, de sonhos e agonias pessoais. Um tempo de crescimento e consolidação de personalidade que é mais ou menos como frisou Kevin Arnold, personagem principal da clássica série “Anos Incríveis”: “Crescer acontece muito depressa. Um dia você está de fraldas e no outro, já está indo embora”.

P.S: O filme está disponível em DVD e em plataformas online como o Netflix.

Nota: 7,5

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quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

"Rush - No Limite da Emoção" - 2013

Houve uma época em que a Fórmula 1 exalava charme, magnetismo e fascínio. Bem diferente dos anos de domínio de Michael Schumacher ou agora de Sebastian Vettel. Até a metade dos anos 90 isso foi quase uma constante, com emoção abundante e duelos sensacionais. Tempos de Jack Brabham x Jim Clark, Nelson Piquet x Nigel Mansell, Ayrton Senna x Alain Prost e James Hunt x Niki Lauda. Esta última rivalidade, entre um britânico e um austríaco, é o tema de “Rush” do diretor Ron Howard.

O filme lançado aqui ano passado ganhou o adendo “No Limite da Emoção” no título e é baseado no antagonismo entre os pilotos desde os tempos de Fórmula 3. Ambos, com histórias de vida e obstinação parecidas, mas imensamente distintos em personalidade. James Hunt (interpretado por Chris Hemsworth, o Thor dos recentes filmes da Marvel) fazia o estilo playboy, talentoso e inconsequente, e Niki Lauda (Daniel Brühl de “Adeus, Lenin!”) era o inverso disso. Caseiro, concentrado e extremamente profissional.

O diretor Ron Howard, vencedor do Oscar com “Uma Mente Brilhante” de 2001, conta com o roteiro de Peter Morgan e reedita a parceira do ótimo “Frost/Nixon” de 2008. Um grande acerto, pois o roteiro e o modo que os personagens são divididos com seus dramas pessoais, fica apenas um pouco abaixo do maior destaque do longa, que são as cenas das corridas. Extremamente bem filmadas repassam ao espectador a carga necessária de adrenalina, sem se estender por longos minutos.

“Rush – No Limite da Emoção” foca nessa hostilidade dos anos 70, mas principalmente nos anos de 1975 e 1976. O campeão em 1974 havia sido o brasileiro Emerson Fittipaldi e no ano seguinte Niki Lauda venceria pela Ferrari o primeiro dos seus três títulos mundiais. No ano seguinte, por conta da saída de Fittipaldi da McLaren para a escuderia brasileira Coopersucar (história que renderia um ótimo filme), James Hunt vai para essa vaga aberta e passa a disputar o campeonato de 1976 em igualdade de condições.

Essa temporada de 1976, não por acaso comentada até hoje pelos amantes da categoria, é pautada por corridas incríveis dos dois pilotos, além de acidentes pesados como o que o próprio Lauda sofreu e carregou as marcas durante toda a vida. É nesse período específico do filme que Ron Howard exibe vários acertos e inclusive consegue conter (mas sem nunca deixar de apresentar) a característica intrínseca de transformar demais seus personagens em heróis, distanciando a película da realidade.

“Rush – No Limite da Emoção” foca no romantismo perdido da Fórmula 1, romantismo que ficou para trás devido a vários quesitos como a maior segurança dos pilotos (o que evidentemente, era necessário), a influência marcante da tecnologia e o aumento da disparidade do poderio financeiro das equipes. E é focando nessa época que se configura em uma estupenda narrativa de superação de limites tracejada por ação, conquistas e dramas e construída por duas personalidades possantes e decididas.

Nota: 9,0

Textos relacionados no blog:
- Cinema: “Frost/Nixon”.

Assista a um trailer legendado: