terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

"Fade" - Yo La Tengo - 2013


“Às vezes os bandidos saem por cima, às vezes os bons perdem. Nós tentamos não perder nossos corações, para não perder nossas mentes”. Com esse tom de desânimo e um pouco de descrença é que se inicia o novo álbum dos norte-americanos do Yo La Tengo. Lançado em janeiro desse ano, o 13º disco da carreira foi gravado no Soma Studios em Chicago e traz pela primeira vez John McEntire (de Tortoise e Teenage Fanclub) na produção.

Sob a batuta dos velhos amigos do selo Matador Records, o casal Ira Kaplan e Georgia Hubley, junto com James McNew, continuam na ativa sem se entregar e sem ceder ao óbvio e ao fácil. “Fade” é o sucessor de “Popular Songs” de 2009, uma espécie de brincadeira séria onde a banda flertava com vários estilos e que apesar de mostrar bons momentos como “Nothing To Hide” e “More Stars Than There Are In Heaven” era bem inconsistente.

Essa inconsistência não aflige “Fade”. Com 10 faixas é um daqueles raros álbuns que hoje em dia podem ser escutados completamente e depois repetidos. Depois dos quase sete minutos de abertura da quase extraordinária “Ohm”, o disco flui para a doce e amorosa “Is That Enough” onde Ira Kaplan despeja a melodia conversando suavemente com o ouvinte, para depois com direito a orquestrações levar a canção rumo aos anos 60.

As frequentes guitarras sujas da banda aparecem discretamente no registro. Não que elas tenham sumido, pelo contrário, apenas estão em volume reduzido, exceção feita as distorções de “Paddle Forward” que fazem lembrar o trabalho de estreia de 1986 chamado “Ride The Tiger”. Já na dobradinha “Cornelia and Jane” e “Two Trains”, a lembrança recai para outro álbum, dessa vez o calmo “And Then Nothing Turned Itself Inside-Out” de 2000.

Com quase 30 de anos de carreira (a primeira formação é de 1984), o Yo La Tengo não consegue fugir da comparação com registros anteriores, sendo que “Fade” é uma espécie de resumo de todas as fases da banda. Mal comparando, é para eles o que foi o “New Adventures in Hi-Fi” para o R.E.M, uma junção de características antigas forjadas em um caldeirão novo e com canções com poder para entrar no seleto rol de melhores da discografia.

“Fade” ainda exibe, entre outras canções, os leves toques de Sonic Youth na melodia de “Stupid Things” e o medo e fuga de “Before We Run”, que fecha absurdamente bem o registro. Em pleno ano de 2013, o Yo La Tengo apresenta um disco para ficar apenas um degrau abaixo de álbuns como “Electr-O-Pura” de 1995 ou a já citada estreia de 1986 e ao contrário do que o título possa indicar, o trio continua forte e parece longe de enfraquecer.

Nota: 9,0

Site oficial: http://www.yolatengo.com

Assista ao clipe de “I'll Be Around”:

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

"Lincoln" - 2013


A escravidão estava no patamar dos piores crimes possíveis para o 16º Presidente dos Estados Unidos. Para acabar com essa abominação, ele entrou em uma guerra que consumiu quase um milhão de vidas. O buraco era bem mais embaixo e os estados do sul usavam a mão de obra escrava como sustentáculo dos seus ganhos e lucros, assim como fizeram durante tanto tempo. Além da luta armada foi preciso muita conversa, quebra de princípios e jogadas pouco nobres para que a 13ª emenda fosse aprovada e adicionasse na Constituição a proibição da escravatura em todas as suas formas e procedimentos.

“Lincoln” que estreou no Brasil recentemente e está concorrendo a 12 estatuetas no Oscar desse ano é o novo filme do diretor Steven Spielberg. É um testemunho pesado e longo (são duas horas e meia de duração) sobre alguns meses entre o final de 1864 e o começo de 1865, justamente o período de aprovação da referida emenda. Abraham Lincoln havia acabado de se reeleger e os Estados Confederados do Sul começavam a ceder, logo o final da guerra se aproximava. Todavia, isso não era o bastante. Ele queria fechar para sempre as portas que culminavam nesse tipo tão vil de conduta.

Usando muitos e muitos diálogos e com raríssimas cenas de ação ou de aventura, Spielberg provoca um mergulho em um mundo escuro e denso, onde navegam lado a lado outras questões. Questões como a ética, questões como os limites do poder, questões como a crueldade do ser humano para com seus pares. Quem gosta de história e/ou conhece um pouco dessa parte da trajetória dos Estados Unidos, irá se sentir bem mais a vontade, isso é certo, porém, não somente para esse tipo de público “Lincoln” foi idealizado, a questão política tem um fiel endosso de atualidade no seu foco.

Com toda a licença para o uso de clichês, o elenco é estelar. Daniel Day-Lewis está soberbo como Abraham Lincoln, Sally Field une desespero e força para Mary Todd, a esposa do Presidente, David Strathairn aparece como o amigo e braço-direito William Seward, o Secretário de Estado do país, Tommy Lee Jones impressiona como Thaddeus Stevens, um importante político do partido conservador e James Spader coloca no balcão um pouco de riso como o negociante de votos W. N. Bilbo. Isso tudo amarrado com o roteiro categórico de Tony Kusher, responsável pelo estupendo “Angels In America”.

A parte técnica é outra invasão de nomes experientes e habilidosos, conhecedores de suas respectivas searas. Steven Spielberg repete a dobradinha que rendeu estatuetas do Oscar em 1994 e 1999 (com “A Lista de Schindler” e “O Resgate do Soldado Ryan”, respectivamente) e coloca Michael Kahn na montagem e Janusz Kaminiski na fotografia. Preciso nestes dois pilares, a direção se preocupa assim em controlar a vasta gama de personagens com papel de destaque, uma quantidade bem acima dos filmes habituais. E é nos atores que o filme se desenvolve de maneira exemplar.

Contudo, “Lincoln” ainda esbarra em duas situações. A primeira é a impressão que deixa de que os fins justificam os meios. Sim, esses meios sempre foram utilizados e provavelmente sempre serão e os objetivos aqui em questão são mais que nobres, mas pode ter uma extensão de compreensão a ser usada como desculpa para absurdos diversos. Isso já foi visto em inúmeras ocasiões. Uma das falas de Thaddeus Stevens depois da votação resume bem onde o Presidente teve que ir para conseguir seu desejo: “esta é a maior lei do século e foi conseguida à base da corrupção por um dos homens mais puros que eu conheço”.

A outra situação que prejudica um pouco o resultado final é que somente em esparsas passagens o filme realmente apresenta um clímax. Um desses momentos é a defesa que Lincoln (com Daniel Day-Lewis sobrenatural) faz das razões para aprovar a 13ª emenda. Mas, cenas assim são raras e apesar de todo o brilhantismo dos atores e a eficiência da área técnica, as emoções são contidas, comedidas, controladas. Mesmo assim, “Lincoln” é um ótimo trabalho para o diretor depois do fraco “Cavalo de Guerra”, como também para esse importante personagem que vê sua história contada longe de caçadores e de vampiros.

Nota: 8,0

Assista ao trailer legendado:

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

"O Lado Bom Da Vida" - Matthew Quick


Ver a vida mudar radicalmente e não se lembrar dos motivos e ações que fizeram isso acontecer. Complicado, né? Pois é, bota complicado nisso. É nesta situação que Pat Peoples, o personagem principal do livro “O Lado Bom da Vida” se encontra. Depois de um tempo internado em um hospital psiquiátrico, ele retorna ao cotidiano para com 30 e poucos anos morar novamente com os pais e tocar a vida sem a sua esposa Nikki e sem o emprego de professor de história.

“O Lado Bom da Vida” (“The Silver Linings Playbook”, no original) foi escrito pelo norte-americano Matthew Quick. Lançado nos EUA em 2008, tem a primeira edição no país agora em 2013 através da Editora Intrínseca. Com 256 páginas e tradução de Alexandre Raposo, a obra se transformou em um filme de sucesso pelas mãos do diretor David O. Russell (de “O Vencedor”), com Bradley Cooper, Jennifer Lawrence e Robert De Niro, e concorrerá a 8 estatuetas no Oscar desse ano.

É claro que o livro de estreia de Matthew Quick (outros três já foram publicados, mas permanecem inéditos no Brasil) chega na esteira da adaptação cinematográfica, mas nem por isso deixa de ser bem-vindo. De escrita fácil e usando referências da música, literatura, cinema e esportes, “O Lado Bom da Vida” é um trabalho que passa de maneira suave, porém sem ser ausente, por temas espinhosos como perda, raiva, doenças, violência e culpa, sem deixar de divertir o leitor.

Depois de passar alguns anos internado e imaginar que são apenas alguns meses, Pat Peoples sofre para se reajustar ao mundo. Uma das maneiras que encontra para suportar essa nova vida reside na extrema carga de exercícios físicos que se habituou a cumprir, o que resulta em um corpo completamente diferente daquele que ostentava outrora. Além disso, conta com o amor incondicional da mãe e a paixão pelo tradicional time de futebol americano do Philadelphia Eagles.

O Philadelphia Eagles, aliás, é um coadjuvante fundamental para que a trama se desenvolva e produza ótimas passagens. O time do estado da Pensilvânia faz parte da divisão leste, a mais valiosa da NFC (National Football Conference), que é uma das metades da NFL. Com uma torcida apaixonada serve para conduzir Pat de volta a um estado de normalidade, apesar da tristeza que lhe aflige por não lembrar da segunda ida ao Superbowl em 2004 e a construção de um novo estádio em 2003.

É bom ressaltar que o livro se passa nos anos de 2006 e 2007, logo nesse período citado acima o personagem ainda estava no “lugar ruim”, como ele se refere ao hospital. Esse retorno a sociedade, por assim dizer, esbarra na complexa relação com o pai, que é de poucas palavras e de difícil convivência e nas lembranças que vão surgindo pouco a pouco e fazendo o passado doer com muita potência, por mais que o simpático e carinhoso psiquiatra Cliff Patel, tente amenizá-las.

Pat Peoples tem um medo tremendo correndo nas veias, um medo de sair do lugar imaginário que criou e se apega com tanto afinco e dedicação. É quando Tiffany entra na sua vida, uma cunhada do melhor amigo que passou por uma situação tão difícil quanto a dele. De maneira silenciosa e repleta de passagens incomuns, para não dizer estranhas, Matthew Quick realmente forma nesse ponto a dupla de personagens que de modo desajeitado se apoiará mutuamente.

“O Lado Bom Da Vida” usa diversas fontes para criar uma gangorra delirante de emoções. Indo da canção “Songbird” de Kenny G ao livro “Adeus Às Armas” de Ernest Hemingway ou de “Gonna Fly Now” (tema do filme “Rocky”) ao livro “A Redoma de Vidro” de Sylvia Plath, tudo serve para este fim. E Matthew Quick conduz essa peça de amor e dor com desenvoltura e capricho, utilizando a dualidade do seu personagem principal como fonte para um emocionante livro.

Nota: 8,0


Leia uma entrevista com o autor, aqui.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

"Sunken Condos" - Donald Fagen - 2012


Ao buscar por uma definição de sofisticação no dicionário depara-se com termos como complexidade, bom gosto, requinte, excesso de sutileza. Essa definição também poderia apresentar outras correspondências indiretas, como a música de Donald Fagen, nascido em 10 de janeiro de 1948 em Nova Jersey nos Estados Unidos e que desde o começo dos anos 70 esbanja essas qualidades enquanto elabora com calma e esmero as suas canções.

Desde o início da década de 70 sendo uma das partes do Steely Dan (a outra é Walter Becker), Donald Fagen esteve envolvido no processo de criação de primorosas joias como os álbuns “Aja” de 1977 e “Gaucho” de 1980. Em 1982 optou por se aventurar em carreira solo e lançou “The Nightfly”. Posteriormente vieram mais dois discos (“Kamakiriad” de 1998 e “Morph, The Cat” de 2006), que receberam pelo próprio músico a alcunha de “Nightfly Trilogy”.

Ano passado, Donald Fagen rompeu o silêncio de seis anos e a seu modo reapareceu com um novo trabalho. “Sunken Condos” teve lançamento pela Reprise Records e expõe em 9 faixas, a mistura que o músico sabe tão bem fazer com o cuidado e refinamento já conhecidos. A união de rock, jazz, blues, soul, funk, R&B e pop está azeitada como de costume e apesar de não apresentar nada de propriamente novo no horizonte, seduz e atrai totalmente o ouvinte.

O registro abre com “Slinky Thing”, um groove estiloso destacando um belo solo de guitarra. Depois é a vez de “I'm Not The Same Without You”, um pop dançante, com ecos dos anos 80 e bem funkeado. Na sequência aparece “Memorabilia”, uma canção tão perfeita que artistas como Jay Kay do Jamiroquai dariam um dedo para fazer algo parecido. Já “Weather In My Head” é um blues leve, mas bem encardido nas guitarras nos mais de 5 minutos de duração.

“Sunken Condos” ainda tem mais variações sobre a mesma base, como o clima soft com levada jazz ao fundo e metais se alternando de “The New Breed”, além da inusitada (e competente) versão de “Out Of The Ghetto” do Isaac Hayes e a balada com guitarra bluesy e leves toques de soul music de “Miss Marlene”. O som mais funkeado e dançante volta a aparecer em “Good Stuff”, a penúltima faixa, e o álbum termina com o soul charmoso de “Planet D'Rhonda”.

Tocando teclados, piano e órgão, e apresentando uma habilidade vocal ainda de alto nível apesar da idade, Donald Fagen conta com a ajuda de velhos conhecidos como o produtor Michael Leonhart, o guitarrista e baixista Jon Herigton, o baterista Earl Cooke Jr. e o saxofonista e flautista Charlie Pillow. Merecem igual reconhecimento, os backing vocais coordenados na maioria das faixas pelo trio Catherine Russell, Cindy Mizelle e Jamie Leonhart.

Uma das críticas que se podem direcionar a “Sunken Condos” vai ao encontro da sua maior qualidade, que é justamente manifestar a mesma antiga sonoridade do seu criador. Porém, em determinados casos (e aqui é um deles) não inovar se torna o maior mérito. Com bem escreveu o crítico Martin Aston da BBC, criticar Donald Fagen por fazer novamente o mesmo registro é como criticar Van Gogh por seus repetidos autorretratos. É mais ou menos por aí.

Nota: 9,0

Site oficial: http://donaldfagen.com

Assista a uma apresentação ao vivo de “Weather In My Head”: