quinta-feira, 29 de novembro de 2012

"Delta Time" - Hans Theessink & Terry Evans - 2012


Hans Theessink nasceu na cidade de Enschede na Holanda. Já Terry Evans chegou ao mundo em Vicksburg no estado do Mississipi nos EUA. Ambos percorreram seus caminhos tendo a música - mas especificamente o blues - como sustento e força motriz. Foi essa música que em 2008 uniu os dois em um bonito disco chamado “Visions”. E foi essa mesma música que em 2012 reativou esse pacto para a gravação de mais um álbum, dessa vez intitulado “Delta Time”. Isso e a admiração por Ry Cooder.

Ry Cooder foi uma espécie de motivador para esse novo trabalho, ainda que indiretamente. Seus discos nos anos 70 serviram de inspiração básica, o que levou a dupla a convidá-lo para participar de “Delta Time” em três faixas. Terry Evans, que já havia trabalhado com Ry Cooder em alguns discos mais antigos, assiste novamente a classe dele destilada em acordes inspirados, como aqueles que elaboram o solo de slide em “Blue Stay Away From Me”, composição dos irmãos Delmore.

Primordialmente em formato acústico, o blues demonstrado por Theessink e Evans é forjado a partir de elementos da melhor safra do estilo. Com bandolins e banjos no meio dos violões, guitarras e harmônicas, a dupla principal ainda conta com o auxílio de Arnold McCuller e Willie Green Jr. nos vocais de fundo. Esses vocais, aliás, são tão importantes quanto os instrumentos em si. São vários os momentos em que se sobressaem, como em “Build Myself a Home” e a clássica “Honest I Do” de Jimmy Reed.

Das 13 canções que perfilam os poucos mais de 58 minutos do registro, algumas merecem um destaque especial, como a faixa-título (composição de Hans Theessink) e “The Birds And The Bees”, uma releitura para o primeiro sucesso de Terry Evans quando ainda fazia parte dos Turnarounds nos anos 60. Some-se também o petardo lamurioso e dramático de “Down In Mississippi” de J. B. Lenoir e a homenagem de mais de 10 minutos que “Mississipi” (mais uma composição do holandês) insere no final.

Com lançamento pela Blue Groove Records, “Delta Time” é um trabalho garboso e elegante, trazendo para os dias atuais um pouco da magia do velho blues, ainda envolto em nuances com tônicas acústicas. Hans Theessink com seu vocal forte e acentuado combina com requinte esse estilo com o jeito brando e mais espiritual de Terry Evans. O resultado é um disco que envolve o ouvinte na própria atmosfera e mostra que para a música não existem barreiras presunçosas como fronteiras, cores e raças.

Nota: 8,0

Site oficial de Hans Theessink: http://www.theessink.com
Site oficial de Terry Evans: http://www.terryevansmusic.com

Assista a uma bela execução de “Delta Time”, a música que dá nome ao disco:

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

"Completamente Idiota" - Tommy Jaud


O mundo está cheio de idiotas. Não tem para onde correr. Em alguma esquina de uma cidade qualquer você pode se deparar com um dos diversos tipos que existem. Longe de querer aqui enumerar tipos dessa criatura ou elaborar um estudo profundo sobre esse tema tão fundamental para a humanidade. Podemos apenas dizer que existem os idiotas realmente idiotas e aqueles que por algum distúrbio mental desconhecido pela ciência não param de fazer besteiras e tomar atitudes burras.

Usando esse tipo de “idiota do bem”, por assim dizer, o escritor e roteirista de tevê alemão Tommy Jaud lançou em 2004 o primeiro livro intitulado “Vollidiot”. Foi um êxito absoluto no seu país, vendeu mais de um milhão de cópias e virou um filme também de sucesso estrelado por um conhecido comediante nacional. Agora em 2012 a Editora Prumo resolveu lançar a obra em território brazuca com o título de “Completamente Idiota”, 240 páginas e tradução de Camila Werner.

O livro tem uma diretriz cômica declarada e usa um cara de quase 30 anos para servir de personagem principal. Simon Peters trabalha em uma loja de eletrônicos e celulares na cidade de Colônia e tem uns três ou quatro amigos dos quais não gosta muito. Além disso, não goza de muito prestígio com as mulheres. “Completamente Idiota” pega esse personagem em um momento de “crise”, digamos. Um momento onde todas as cagadas que sempre fez na vida se elevam a potência máxima e passam a provocar danos.

Durante o decorrer das páginas, Simon Peters vai aumentando gradativamente, degrau por degrau, a reputação de babaca. Corre atrás da namorada do melhor amigo, faz estripulias com o cartão de crédito do outro, joga cerveja em uma garota no show em que a convidou, invade uma casa para salvar uma burrada que fez no trabalho e em um jogo de futebol faz comentários desajustados (entre outras coisas) para o treinador do Schalke 04 em pleno camarote vip, no qual estava como convidado.

“Completamente Idiota” é um livro que tem bons momentos, apesar de parte das piadas ficarem um pouco deslocadas por causa da data original de publicação e o lançamento por aqui. Tommy Jaud não tem como objetivo tratar superficialmente de nenhum problema embutido no humor que exerce. Busca apenas divertir e consegue isso de modo razoável. Seu humor não é nada que já não foi visto antes, mas serve para tirar alguns sorrisos despretensiosos que serão esquecidos logo em seguida.

Nota: 5,0

Site oficial do autor: http://www.tommyjaud.de   

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

"New Multitudes" - Jay Farrar, Will Johnson, Anders Parker & Yim Yames - 2012


Em 1998, o cantor e compositor inglês Billy Bragg se juntava aos americanos do Wilco para lançar o álbum “Mermaid Avenue”. O registro (excelente, diga-se de passagem) ganhou um segundo volume em 2000 e foi elaborado em cima de letras não musicadas do cantor folk Woody Guthrie, falecido no dia 3 de outubro de 1967. Guthrie se tornou um ícone nos EUA e sua música e postura política influenciaram nomes do porte de Bob Dylan, Bruce Springsteen e Joe Strummer (The Clash).

Porém, antes do projeto ser oferecido a Billy Bragg, foi feito o mesmo convite para Jay Farrar e o seu Son Volt. É bom lembrar que Jay Farrar e Jeff Tweedy do Wilco faziam parte da mesma banda, a ótima Uncle Tupelo, que durou até 1994. Depois do fim é que seus atuais grupos tiveram início. O projeto “Mermaid Avenue” foi um sucesso (e ganha até reedição caprichada esse ano, com mais um disco), então quando Jay Farrar teve novamente a chance de visitar o baú do ídolo, dessa vez não vacilou.

Convidado por Nora Lee Guthrie, filha de Woody e irmã do também cantor e compositor Arlo Guthrie, Jay Farrar se pôs a fuçar os arquivos para organizar esse projeto, com o intuito de comemorar o centenário de nascimento do homenageado. Assim começou a nascer o álbum “New Multitudes”, lançado pela Rounder Records no começo do ano e feito em parceira com os velhos amigos Will Johnson (Centro-matic), Anders Parker (Varnaline e Gob Iron) e Yim Yames (My Morning Jacket e Monsters Of Folk).

“New Multitudes” oferece 12 canções na sua versão comum (existe também a deluxe, com outro disco), forjadas tanto individualmente quanto em conjunto pelos envolvidos. O material utilizado para servir de inspiração foi de cadernos até revistas, desenhos e pinturas. Com produção de John Agnello (Sonic Youth, Dinosaur Jr.), temos um álbum que trilha estradas bem distantes do que poderia ser oportunismo e se consolida além da homenagem como um registro particular e independente.

Jay Farrar abre com “Hoping Machine”, uma canção sobre ser convicto e forte nos seus desejos e que tem o belo verso: “a música é a linguagem da mente que viaja”. Em “My Revolutionary Mind”, Jim James evoca os protestos de Guthrie e correlaciona isso com o desejo por uma “mulher progressista”. “No Fear” traz Will Johnson cantando sobre medo e morte, enquanto “Angel’s Blues” vem pesada, com guitarras densas e Anders Parker misturando saudade, orgulho e promessas.

O segundo disco que aparece na versão deluxe mostra 11 composições, dessa vez somente de Jay Farrar e Anders Parker, e mantém o nível elevado, se mostrando tão obrigatório quanto o primeiro. Nele, os temas explorados vão de guerra nuclear em “Word’s On Fire” até prostituição em “San Antone Meat House”. A sonoridade das faixas habita o mesmo universo explorado pelos criadores, indo do folk ao alt-country, com um pé no blues e no rock e sem medo de soar pop aqui ou acolá.

“New Multitudes” é o tipo de álbum que prende a atenção do ouvinte por completo. Seja pelo encanto das melodias ou pelas letras bem construídas. Uma elegante homenagem a Woody Guthrie que está no mesmo nível da já citada série “Mermaid Avenue”, só que com lados um pouco mais escuros. Com isso, o legado fundamental daquele que dizia que seu violão era “uma máquina de matar fascistas”, se prolonga e também se amplia para novos públicos, novas terras prometidas, novas multidões.

Nota: 9,5


Assista “Careless Reckless Love” executada ao vivo no estúdio:

terça-feira, 6 de novembro de 2012

"Tatá Aeroplano" - Tatá Aeroplano - 2012


Existem determinados momentos da vida em que se faz necessário caminhar por fora daquelas ruas que estamos habituados a seguir. Essa mudança pode significar tanto um ensaio para andar realmente por novos caminhos, quanto simplesmente um flerte com algo diferente, uma leve aliviada da vida casual preenchida com outros aromas e cores. Esse momento chegou para o inquieto Tatá Aeroplano, que desde 2004 junto com a banda Cérebro Eletrônico fez parte de pelo menos dois álbuns interessantíssimos.

Tatá é uma das cabeças por trás da nova cena paulistana ao lado de nomes como Tulipa Ruiz, Tiê, Bárbara Eugênia, Leo Cavalcanti e Thiago Petit, entre outros. Também toca projetos diversos como o dançante Jumbo Elektro ou ataca de disc jockey pelas noites da cidade. A cidade de São Paulo, aliás, é uma das mais fortes presenças nessa estreia solo de nome homônimo. Ela está retratada em diversos versos nos seus exageros e idiossincrasias, naquilo que consegue provocar para o bem e para o mal.

Financiado em boa parte através do processo de crowfunding (via Embolacha), o álbum traz canções antigas e novas, sendo que algumas ganharam seu primeiro esboço nos idos de 2008, por exemplo. Produzido pela dupla Dustan Gallas e Junior Boca, o registro ostenta uma sonoridade mais simples, com guitarra, baixo, bateria e teclado fazendo poucas invencionices e renegando quaisquer modernidades. Essa sonoridade traz o rock dos anos 70 flertando com vários estilos, entre eles o brega da mesma época.

Essa junção coloca no jogo uma participação muito particular de teclados comuns e mellotron, dando um ar retrô e dramático nas músicas. Já logo na abertura em “Sartriana” (com participação de Leo Cavalcanti), Tatá expõe uma letra baseada em falsidade, ao mesmo tempo em que insere no contexto drogas e admiração pelo filosófo francês Jean-Paul Sartre. A balada “Um Tempo Pra Nós Dois” é outra amplificada pelo drama, desconfortável em um relacionamento desgastado que vai embora pouco a pouco.

Esse tom triste e por vezes trágico, também aparece na bonita “Uma Janela Aberta” (com vocal dividido com Bárbara Eugênia), expondo uma saudade do mundo, de si mesmo e daquilo que se foi anteriormente. “Te Desejo...Mas Te Refuto” tem como foco arrependimento, culpas e orgulho, mas mantém a mesma intensidade consternada. Assim como “Cão Sem Dono”, inspirada no filme de mesmo nome do Beto Brant (que por sua vez é adaptado de um livro do Daniel Galera), que é outra com esse ar desesperado.

O álbum ainda tem a circense tropicália de “Perigas Correr” e a lisergia crítica de “Tudo Parado na City”, porém o melhor fica com os 10 minutos de “Par de Tapas que Doeu em Mim”, uma odisseia noturna embalada como um brega dos anos 70 com guitarras embutidas. Um caso complicado, com bebida, porrada e sexo com uma mulher conquistada na famosa Rua Augusta “em meio as freaks da night”, que serve para ratificar o talento de Tatá Aeroplano e mostrar que a carreira solo tem gás de sobra para ir mais longe.

Nota: 8,5

Site oficial onde o disco está disponível gratuitamente para download: http://www.tataaeroplano.com/site

Textos relacionados no blog:
- Literatura: “Até o Dia em que o CãoMorreu” – Daniel Galera
- Música: “Pareço Moderno (2008)” – Cerébro Eletrônico

Assista “Par de Tapas que Doeu em Mim” ao vivo no estúdio Showlivre:

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

"007 - Operação Skyfall" - 2012


O ano era 1962 e estreava nos cinemas “007 Contra o Satânico Dr. No”, com Sean Connery no papel do agente britânico idealizado por Ian Fleming nos livros. De lá para cá, nos 50 anos que passaram, a franquia de espionagem mais charmosa do planeta gerou 22 filmes, com direito a 6 atores usando as vestes do personagem. Em 2012, “007 – Operação Skyfall” chega com a missão de comemorar o cinquentenário dessa história, como também afirmar de vez alguns nomes e moldar os caminhos para o futuro.

Um desses nomes que precisam de afirmação é Daniel Craig. Sua passagem como 007 desembarca agora no terceiro filme, sendo que nos anteriores ele ainda não havia convencido plenamente como James Bond, apesar dos números de bilheteria apontarem outra análise. O diretor Sam Mendes, vencedor do Oscar por “Beleza Americana” em 1999, é outro que ganha uma chance de aparecer novamente, além da MGM, empresa que detém os direitos e que passou por um processo de falência recentemente.

“007 – Operação Skyfall” abre com uma sequência matadora de ação (e que remete muito ao recente “O Legado Bourne” do diretor Tony Gilroy), que culmina em Bond atingido por um tiro equivocado da sua companheira de MI6, Eve (Naomi Harris). Logo em seguida, o agente secreto é dado como morto e o filme nos leva até ele em uma ilha bebendo tudo o que é possível, enquanto sucumbe à própria preguiça e desgosto. Até que ele vê na televisão que o antigo órgão onde trabalhava sofreu um atentado.

Com a vida de M (Judi Dench, sempre excelente) em jogo, o 007 não vê outra saída senão voltar e resolver tudo. Dobra-se ao chamado quase inevitável de bancar o herói novamente. Para achar o responsável por trás do ataque, Bond precisa se sujeitar a uma série de testes físicos e psicológicos para mostrar que ainda está apto para a missão, principalmente aos olhos do novo chefão da agência, Gareth Mallory (Ralph Fiennes). Essa necessidade de se mostrar útil ainda, vira na verdade, a sua grande motivação.

É nesse momento que “007 – Operação Skyfall” apresenta todas as apostas. Mantendo a opção em fazer filmes cada vez mais realistas, insere um vilão (Javier Bardem) que não quer destruir o mundo, mas apenas saciar desejos de enriquecer e de conseguir vingança. O Q (espécie de cientista maluco do bem) do MI6 agora é um nerd com paixão por computadores (Ben Whishaw) e não inventa engenhocas mirabolantes. E para dar um último realce, envolve um dramalhão sobre carências maternas e traições de confiança.

O diretor Sam Mendes, apoiado no roteiro de John Logan, brinca de modo constante com o presente e o passado na tentativa de deixar as coisas mais viáveis. No entanto, parece esquecer que nos filmes do agente, a figura principal sempre tem que ser Bond. Daniel Craig, mesmo melhorando desde a estreia em “Casino Royale”, ainda não demonstra o charme, o humor e a vaidade que cunharam a marca 007. Assim, o filme é um prato vistoso e elaborado com bons ingredientes, mas ainda insípido ao paladar.

P.S: A música tema é da Adele. Ouça aqui.

Nota: 5,5

Textos relacionados no blog:

Assista ao trailer legendado:

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

"Cama" - David Whitehouse


Nascer e crescer. Ser um bom menino, estudar para conseguir boas notas, entrar na universidade, se formar, arrumar um emprego, casar, comprar um carro e uma casa, ter filhos, trabalhar para sustentar a família, ver os filhos crescerem e lhe ofertarem netos, ter uma aposentadoria tranquila e depois de tudo, morrer e tentar - depois desse percurso exaustivo - deixar alguma marca no mundo. Com algumas variações, esse é o roteiro básico prometido e almejado por um inúmero contingente de pessoas.

Não para Malcom Ede, o personagem principal do livro “Cama”, a estreia do inglês David Whitehouse. Lançado na gringa no ano passado chega ao país por culpa da Editora Rocco, com 256 páginas e tradução de Ryta Vinagre. O autor, agora com 31 anos, antes da estreia escreveu artigos para publicações diversas como The Observer e Esquire, e provocou uma razoável expectativa para o primeiro trabalho. Expectativa que se provou frustrada, embora os conceitos iniciais apontassem para o lado oposto.

“Cama” gira em torno de uma família basicamente comum em uma analisada breve e ligeira. Um casal com dois filhos e poucos anos de diferença entre si. Porém, no fundo disso, está um pai que carrega uma culpa consigo e uma mãe protetora ao extremo, que atende a todos os desejos dos filhos, pois é a única maneira que compreende o amor. Os filhos, bem diferentes entre si, vivem uma troca constante de amor é ódio, principalmente do mais novo em relação ao primogênito, que é esperto, mas cheio de manias.

Durante a infância esse irmão mais velho coloca a família em saias justas muitas vezes, mas acaba seguindo parcialmente o roteiro descrito no primeiro parágrafo e arruma uma mulher e sai de casa para construir um novo lar apoiado em um emprego comum qualquer. Isso não o faz tão feliz como deveria e ele vive criticando o sentido das suas ações, até que em um dia aparentemente normal resolve não sair mais da cama e estica isso por 20 anos até chegar aos 600 quilos. É nesse ponto que o romance se inicia.

O autor alterna presente e passado, e concentra o foco nos motivos que levaram Malcom Ede a tomar sua decisão e o efeito que isso faz com as pessoas ao redor. David Whitehouse tenta tratar o tema na linha do fantástico e força uma carga de ironia e humor negro que quase nunca acerta o alvo. Com uma narrativa atrapalhada por um nível elevadíssimo de comparações e analogias para justificar as ações dos personagens, acaba travando as boas ideias e as faz habitar imediatamente na casa da chatice e da monotonia.

Nota: 4,5