terça-feira, 30 de agosto de 2011

"Keeper" - John Doe - 2011


No final dos anos 70, John Nommensen Duchac andava em Los Angeles na Califórnia em meio ao movimento punk. Junto com o amigo Exene Cervenka fundou o X, banda que até hoje se mantêm na ativa, mesmo que de modo bem tranquilo se comparado ao universo do punk de outrora. John, mais conhecido como John Doe (que na gíria americana representa algo como um Zé Ninguém), evidentemente cresceu e agregou diversos outros gostos musicais, que podem ser ouvidos na carreira solo desde “Meet John Doe” de 1990.

“Keeper” é o mais novo registro dessa carreira (o nono da discografia) e mostra um músico bem consigo mesmo e surpreendentemente feliz, visto o teor das novas canções. Para quem bradava ordens comportamentais e até mesmo políticas na época do punk e lançou discos pesados como “A Year The Wilderness” de 2007, as letras realmente geram um novo sentimento. Um grande exemplo disso é o amor que a bonita balada country-folk “Don't Forget How Much I Love You”, exibe logo na primeira faixa.

Com lançamento novamente pelo selo Yep Roc e produção de Dave Way (Macy Gray e Fiona Apple), “Keeper” traz um grande número de músicos experientes tocando ou cantando nele. Amigos de John Doe como Don Was, Steve Earlin, Patty Griiffin e Cindy Wasserman batem o cartão. O resultado é um disco repleto de canções bem tocadas, que usam o folk, o rock clássico e o country como estilos condutores. Músicas no geral que exibem um clima positivo, mesmo em baladas mais densas como “Little Tiger” e “Lucky Penny”.

É uma balada, aliás, que rende um dos momentos mais interessantes. Em “Moonbeam” de Earl Jackson (a única não assinada por Doe no registro), ele canta com a autoridade que impressionou em canções como a releitura que fez para “Pressing On” de Bob Dylan para a trilha sonora de “I’m Not There” de 2007. Mas nem só de calma vive o trabalho, como pode se atestar pela enérgica e com ecos do punk “Never Enough” ou o country voraz de “Painting The Town Blue”, uma parceria com o amigo Exene Cervenka.

“Keeper” é um bom disco, que não traz no corpo maiores assombros ou faixas excepcionais. É indicado para quem gosta de artistas como Tom Petty, Bruce Springsteen e Jackson Browne. São 12 canções feitas para o cidadão médio, aquele que não se deslumbra com brilhantismos gratuitos e não corre avidamente atrás das novidades estampadas nas capas dos jornais, tocadas por um velho soldado que já lutou algumas batalhas na vida e depois de um bom tempo parece finalmente estar em paz com ela.


Assista “Don't Forget How Much I Love You” em versão somente com voz e violão:

sábado, 27 de agosto de 2011

"Super 8" - 2011


Houve um tempo em que as crianças e adolescentes passavam mais tempo na rua jogando bola ou se divertindo de alguma maneira do que enfurnadas em uma sala pequena na frente de um computador. Um tempo em que filmes que iam ser exibidos na tevê aberta eram ansiosamente aguardados e ir ao cinema era uma verdadeira aventura, ainda mais para quem morasse longe das capitais. Um tempo que filmes em fitas VHS eram alugados e revistos até a exaustão, já que não tinha como baixar ou copiar facilmente como hoje.

Parece saudosismo barato, mas não é. Ou talvez seja, não sei ao certo. O que conta é que cada geração tem um mundo diferente na sua volta enquanto cresce até virar um adulto e a vida ficar praticamente a mesma. Depois de muitos anos como esse adulto, a mochila nas costas carrega cada vez mais cinismo e críticas. Bem longe do garoto que tinha como maior preocupação passar na escola no final do ano para que as férias chegassem em paz. Revisitar esse universo depois de um tempo, serve para dar uma saudável revigorada.

E é essa a principal qualidade que “Super 8”, o novo filme de J. J. Abrams (o famoso criador da série “Lost”) alcança. Fazer com que trintões e quarentões que viveram os anos 80 e uma parte dos 90, se emocionem novamente em uma sala de cinema com uma aventura boba, sozinhos ou junto com seus filhos e sobrinhos. “Super 8” é um resgate desse tempo, tanto é que se passa em 1979, usa a famosa câmera da Kodak como condutora e remete a filmes de Spielberg (produtor do longa) como “E.T” e “Os Goonies”, entre muitos outros.

A história do grupo de jovens amigos que de repente ao fazer um pequeno filme para apresentar em um festival é surpreendido com uma história envolvendo alienígenas é extremamente prazerosa de ser vista. Os amigos comandados por Joe Lamb (Joel Courtney) que recentemente perdeu a mãe em um acidente e tenta viver com o pai, é digna dos melhores momentos dos anos que homenageia. É sincera, frenética, companheira e afetiva. Os amigos como a bela Alice (Elle Fanning) e Martin (Gabriel Passo) são brilhantes.

Por conta desse apelo antigo, “Super 8” espalha milhares de referências que vão desde homenagens a George Romero até a trilha sonora. Ficar depois ali matutando cada uma delas é um pequeno prazer que se arrasta pelas próximas horas. A história que você já viu (e ouviu) milhares de vezes não traz nada de novo ou espetacular, mas consegue emocionar usando basicamente muito pouco. Exibe algumas falhas no roteiro, mas que acabam sendo ignoradas, pois de alguma forma a produção envolve o espectador em uma poderosa teia.

J. J. Abrams não é o gênio que o mundo moderno alardeia. Não, não é. Mas é um cara esperto, muito esperto, que sabe escolher os parceiros certos e fazer trabalhos com focos específicos. Talvez parte da juventude de hoje saia decepcionada da sala depois de “Super 8” e não perceba a singela magia que aparece na tela. Afinal, o mundo como eles conheceram traz coisas mais dinâmicas e com muito mais interatividade do que outrora. É plenamente compreensível. Não os culpo, mas tenho um pouco de pena daquilo que não viveram.

Assista o trailer:

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

"Last Words: The Final Recordings" - Screaming Trees - 2011


O Screaming Trees foi uma daquelas bandas adicionadas ao movimento grunge quando o Nirvana explodiu. Mesmo sem ser de Seattle (são de Ellensburg, cidade próxima) e já estar na estrada desde 1985, a banda dos gorduchos irmãos Conner foi assim considerada pela imprensa. Essa surfada na onda do grunge, analisando hoje, trouxe mais prejuízos que benefícios. Mesmo considerando o relativo sucesso que fez com “Sweet Oblivion” de 1992, a banda acabou sendo muito injustiçada.

Com a sua melhor formação, o grupo lançou uma tríade excelente de discos com “Uncle Anesthesia” de 1991, “Sweet Oblivion” de 1992 e o subestimado “Dust” de 1996, um álbum cheio de virtudes, mas que foi esnobado por público e grande parte da crítica. Na bateria tinha Barrett Martin (que tocou muito com o R.E.M depois), na guitarra e baixo os irmãos Conner nutriam as músicas de peso setentista, com harmonias e distorções, e no vocal o sempre (e ainda) excelente Mark Lanegan.

A banda se separou em 2000 depois de se reunir em 1998 e 1999 no estúdio de Stone Gossard (Pearl Jam) para gravar o sucessor de “Dust”. Com a participação luxuosa de Josh Homme (Queens Of The Stone Age), que na época viajava como segundo guitarrista da banda e também de Peter Buck (R.E.M), foram gravadas faixas que apesar de se espalharem pela internet nos anos seguintes, nunca receberam um registro oficial. “Last Words: The Final Recordings” vem acabar com isso.

Barrett Martin é o responsável por colocar essas gravações no mercado e chamou o mago da podreira Jack Endino para remasterizar tudo. São 10 faixas, algumas conhecidas anteriormente pelos fãs e mais umas novidades, que recebem agora uma roupagem digna. Nos primeiros 30 segundos de “Ash Gray Sunday”, já dá para reconhecer o grupo. Quando o vocal de Mark Lanegan entra então, a sonoridade fica mais costumeira ainda. E essa sensação se espalha por todo o restante das músicas.

“Last Words: The Final Recordings” é a merecida despedida que nunca veio. É um disco que não fica feio na discografia e que se fosse lançado na época serviria plenamente como o último suspiro de vida. Tudo que o Screaming Trees tinha de melhor está lá, mesmo que em um nível de excelência bem menor. Da cozinha densa e cheia de influências dos anos 70, até as melodias fortes despejadas para fora com raiva, doçura e sofrimento por Mark Lanegan como em “Black Rose Way” e “Low Life”.

Algumas faixas podem facilmente ser incluídas futuramente em uma lista de melhores, como a balada “Reflections”, com o acréscimo classudo de Peter Buck no violão ou o rock viajandão de “Door Into Summer”. “Last Words: The Final Recordings”, muito provavelmente não terá nenhuma relevância no cenário atual da música , mas representa uma bonita (e tardia) despedida para uma banda com momentos vigorosos na carreira. Indicado para quem gosta de boas canções e nada mais.


Ouça “Ash Gray Sunday”: 

terça-feira, 23 de agosto de 2011

"Lanterna Verde" - 2011

De todas as adaptações de quadrinhos que tem sido apresentadas no cinema nos últimos anos, uma das mais complicadas para ser feita era a do Lanterna Verde. O policial intergaláctico que é um dos personagens mais conhecidos da DC Comics, traz ao seu redor um universo que para ser capitaneado em todo seu potencial custaria alguns bons milhões de dólares, visto que são muitos os mundos e alienígenas para serem retratados, além do próprio esplendor da arma principal.

Essa arma principal, na verdade, é um anel verde que confere ao portador o poder de construir formas e construtos usando somente a imaginação casada com a vontade. É este anel que cai na mão de Hal Jordan (Ryan Reynolds), um piloto aéreo que tem como maiores virtudes ser impetuoso e corajoso, mas que esconde um drama por trás disso e acaba caminhando de mãos dadas com a irresponsabilidade. Uma irresponsabilidade que também pode ser vista como auto defesa. 

“Lanterna Verde” do diretor Martin Campbell (de trabalhos razoáveis como “A Lenda do Zorro” e “007-Cassino Royale”), busca mostrar a origem do herói e o primeiro grande desafio ao entrar na tropa, que é ajudar a destruir Parallax, uma entidade que usando o medo visa acabar com o próprio universo. Hal Jordan aprende a superar suas limitações e mesmo indo de encontro com a decisão dos imortais guardiões que criaram a tropa, acaba sendo aquele herói que o anel escolheu.

O personagem do Lanterna Verde nos quadrinhos, sempre rendeu os melhores momentos quando aliado a histórias conjuntas da tropa, ou mesmo na parceria com o Arqueiro Verde nos anos 70 e na Liga da Justiça junto Batman, Superman e outros. São raros os momentos em que o personagem foi realmente interessante sozinho. Mesmo quando morreu e renasceu em uma aventura de narrativa brilhante, os coadjuvantes também sobressaiam e serviam para engrandecer o resultado.

O grande erro do longa reside justamente nisso. Mostra Hal Jordan se acostumando com o anel, mas exagera na sua vida na Terra e na relação amorosa com Carol Ferris (Blake Lively), quando deveria se concentrar mais no universo de Oa (o planeta sede da tropa) e em outros nomes como Sinestro (Mark Strong). Quando opta em andar nessa estrada, o trabalho produz os únicos momentos que realmente valem a pena. Mas só isso é pouco, para que um filme possa ser classificado como bom.

No final, fica o tipo de trabalho que só agradará quem é fã extremado, pois “Lanterna Verde” é fraco, não tem ritmo e não consegue envolver o espectador na aventura e principalmente fica sem convencer nas decisões tomadas e nos rumos finais das soluções que o roteiro frustra ao conduzir. O legado do filme será só constar em qualquer listinha de piores adaptações de quadrinhos para o cinema que seja feita no futuro, além de ser um sério candidato ao Framboesa de Ouro.

Assista ao trailer:

domingo, 21 de agosto de 2011

"De Pai Para Filha - Marya Bravo Canta Zé Rodrix" - Marya Bravo - 2011


Zé Rodrix morreu em maio de 2009. Músico prolífico, que construiu carreira solo e fez parte de grupos como o Som Imaginário e o Joelho de Porco, além da eterna e produtiva parceria e amizade com Sá e Guarabyra. Junto com Tavito compôs “Casa no Campo”, que se tornou uma das grandes canções da mpb ao ser regravada por Elis Regina. Depois de abdicar da vida na estrada por um (longo) tempo, acabou voltando alguns anos antes de falecer.

Marya Bravo é filha de Zé Rodrix com Lizzie Bravo e foi atriz antes de encarar definitivamente a carreira de cantora com “Água Demais Por Ti” de 2009. Não que fosse uma iniciante, antes já tinha participado de projetos com Egberto Gismonti, Marisa Monte e Roberto Carlos, entre outros. Em 2011 ela resolve levar para o estúdio o show em homenagem ao pai que vinha executando. O resultado é o ótimo álbum “De Pai Para Filha”.

De todo o repertório existente foram sacadas 12 canções que abrangem quase todas as fases do pai e pesca momentos solos e com os companheiros de jornada. “De Pai Para Filha” tem um pé no rock clássico e mais básico, mas sem se prender a isso flutua entre o blues, a mpb e o pop. É um disco que sobreviveria mesmo se não fosse um tributo justificado, pois a nova roupagem apresentada pelas canções mostra vigor e energia próprias.

O disco tem a produção de Bruno Pederneiras e Pedro Garcia, que também integram a banda diretamente responsável pelo bom resultado do trabalho. Em cima das bases reinventadas, Marya Bravo canta com força e autoridade canções como o blues de “Roupa Prateada” ou a cadenciada “Hoje Ainda é Dia de Rock”. Até nas faixas mais conhecidas como a já citada “Casa no Campo” e “Mestre Jonas”, consegue ultrapassar o óbvio da interpretação.

Em outras como a belíssima “Eu Vou Comprar Esse Disco”, acompanhada inicialmente só pelo piano para depois receber a visita dos demais instrumentos, Marya Bravo resgata da memória um tempo em que a paixão pela música se apresentava de maneiras mais nobres. Lá ela canta “eu vou comprar esse disco que cada vez que eu escuto me dá um nó na garganta, talvez o cara que canta também se sinta sozinho”. Outra época, mesma intensidade.

“De Pai Para Filha” funciona em todas as músicas, coisa muito rara nos nossos dias. Além daquelas já comentadas anteriormente, experimente sacar outras como “Casca de Caracol”, “Primeira Canção da Estrada” ou “Eu Preciso de Você Pra Me Ligar” e teste o resultado. Com esse novo álbum, Marya Bravo além de fazer um trabalho forte e consistente, presta uma comovente homenagem para o seu pai, aquele que era latino americano e nunca se enganava.


Assista “Mestre Jonas” em versão ao vivo:

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

"Em Um Mundo Melhor" - 2011


O filme dinamarquês “Em Um Mundo Melhor” que abocanhou tanto o Globo de Ouro quanto o Oscar desse ano na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, recentemente foi disponibilizado em DVD. Como passou em poucas salas por aqui no começo do ano, reside agora uma boa chance de ver o premiado trabalho da diretora Susanne Bier de “Coisas Que Perdemos Pelo Caminho” e “Brothers”.

O personagem central da trama é Anton (Mikael Persbrandt), um médico que presta serviços em um acampamento localizado em pleno coração africano. Homem de poucas palavras, lida diariamente com as mais diversas atrocidades, como pacientes grávidas que tem a barriga aberta por componentes de uma milícia, que brincam de apostar qual seria o verdadeiro sexo do bebê que estava por vir.

Quando retorna para a sua casa na Dinamarca, o médico precisa lidar com situações não menos complicadas, visto que seu casamento está ruindo e o divórcio é tido como certo. Com dois filhos oriundos da união, vê o mais velho Elias (Markus Ryggard) passar por bullying de modo constante na escola. Quando o jovem Christian (William Johnk Nielsen) aparece para ajudá-lo, a vida toma novos rumos.

Christian é recém chegado ao país e traz consigo dores dilacerantes. Sua mãe morreu de câncer e ele culpa o pai (Ulrich Thomsen, em mais um filme da diretora), que perdido não sabe o rumo certo a tomar. É entrelaçando essas duas famílias distintas e colocando seus problemas em comunhão, que Susanne Bier faz nascer um filme repleto de qualidades e com atuações de muito bom nível.

É um filme que pinta a vida com cores escuras, mas que deixa uma brecha para que a esperança de algo melhor esteja sempre presente. Apresenta inúmeras dificuldades, algumas excêntricas, mas a maioria comum a famílias de todo o mundo. Versa sobre aprender, sobre administrar o passado. Ensina que é preciso seguir em frente e é melhor que isso seja feito sem rancor e sem esquecer a bondade.

A única coisa que incomoda nesse “Em Um Mundo Melhor” é a (leve) guinada que a diretora dá na parte final, onde perdão e arrependimento talvez caminhem por uma estrada tranqüila demais para o que se viu antes. Mas acusar isso como um defeito, é uma rabugice que passa um pouco da conta. É apenas um pequeno risco em uma impactante tela com imensa carga de angústia, beleza e dor.

Assista ao trailer do filme: 

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

"Solar da Fossa - Um Território de Liberdade, Impertinências, Ideias e Ousadias" - Toninho Vaz


Quem está visitando o Rio de Janeiro muito provavelmente já passou pelo Shopping Rio Sul. Um dos mais antigos da cidade maravilhosa (desde 1980) está localizado em uma área nobre do bairro de Botafogo. O que pouca gente sabe é que no lugar onde hoje o consumo carioca bate ponto, antigamente existia uma pensão que abrigou entre 1964 e 1971, uma parte relevante da cultura e jornalismo nacional. A pensão, mais conhecida como Solar da Fossa, agora tem sua história contada em livro. 

“Solar da Fossa - Um Território de Liberdade, Impertinências, Ideias e Ousadias” (256 páginas) é escrito por Toninho Vaz (autor das biografias de Torquato Neto e Paulo Leminski) e depois de algum tempo engavetado por conta de questões judiciais, finalmente ganha a primeira edição em uma parceira da Casa da Palavra com a Editora Leya. O autor que também foi morador da famosa pensão naqueles anos, relata alguns dos fatos cotidianos dos moradores e da época em geral.

No Solar da Fossa (que no começo era só Solar, o Fossa veio depois) moraram em algum momento das vidas, nomes como Caetano Veloso, Paulinho da Viola, Tim Maia, Paulo Coelho, Zé Keti, Cláudio Marzo, Betty Faria, Gal Costa, Maria Gladys, Naná Vasconcelos, Ruy Castro e Darlene Glória, entre tantos e tantos outros. Guardada todas as devidas proporções, foi uma espécie de Chelsea Hotel nacional, onde cantores, músicos, poetas e escritores se tornaram um coletivo efervescente.

Na pensão comandada por Dona Jurema, nasceram músicas como “Alegria, Alegria” do Caetano e se consolidaram parcerias entre personagens que poucos anos depois tomariam de assalto o cenário nacional. Era a época dos festivais e da libertação da juventude que logo foi cerceada pela ditadura militar e todos seus desmandos. Era época em que a música, o cinema e o teatro tentavam se renovar e ir contra movimentos velhos e desgastados. Era época de se encontrar, de achar o próprio lugar.

As histórias do livro se misturam com as dos personagens e são repassadas por Toninho Vaz como se fosse um grande bate papo, constituindo um mérito do trabalho. Para reconstituir esse momento pouco documentado, o autor entrevistou diversos ex-moradores, obtendo quase sempre o testemunho: “tenho ótimas lembranças, foi um tempo maravilhoso”. Assim, reconstruiu os quartos, as alas, a forma de convívio, os arredores, os bares e o ambiente quase lúdico que por lá reinava.

Depois de ler histórias (que são quase contos) divertidas, românticas e festivas, acaba-se inconscientemente fazendo parte daquele instante. Sendo assim, quando o Solar da Fossa teve todos os moradores despejados pela justiça para a demolição, sente-se também um pouco da tristeza dos dias que Toninho Vaz assim definiu: “o vazio cultural deixado como sequela das divergências políticas, que duraram quase uma década, era uma realidade indigesta do país, naquele início de ano.

Um lugar importante para a cultura nacional, onde referências se espalhavam como nos versos de “Panis Et Circenses” (“mandei plantar folhas de sonho no jardim do solar”), ganha um registro detalhado e escrito em tom companheiro. E tem saborosas passagens, como a que diz que quando a polícia chegava lá, os moradores enterravam os livros subversivos (Marx, Engels, etc.) no jardim. Livros que hoje residem embaixo de um centro que vai contra aquilo que pregavam naqueles tempos.

Blog do autor: http://toninhovaz.blogspot.com

Assista a um vídeo de lançamento: 

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

"A Árvore Da Vida" - 2011


Em uma frase bastante conhecida, o cineasta italiano Federico Fellini disse: “O cinema é o modo mais direto de entrar em competição com Deus”. Ao sair da sala depois de assistir “A Árvore da Vida”, essa frase veio direto na cabeça. O norte-americano Terrence Malick é um dos poucos diretores que ainda carrega uma aura especial, por assim dizer. São mais de 40 anos de carreira e apenas cinco filmes, que desde “Badlands” de 1973 são esperados com ansiedade. 

“A Árvore da Vida” recebeu a Palma de Ouro em Cannes e traz no elenco nomes como Brad Pitt e Sean Penn. Com essas credenciais é claro que se adentra a sala com a expectativa em alta. Depois de pouco mais de duas horas de duração, a dúvida reina de modo constante. Será que Malick conseguiu fazer um obra de arte ou simplesmente um testemunho egocêntrico e pretensioso? Será que estamos compreendendo realmente o que se passa?

Por conta da aura que carrega, todo filme de Malick sempre vai mostrar admiradores fervorosos e empolgados. Os detratores também aparecerão em bom número, e nesse caso específico é bom olhar para eles com atenção. Pois o que o diretor tenta colocar de “genial” nas suas montagens, pode facilmente descambar para o monótono. O exercício de paciência que faz o espectador percorrer em seu novo trabalho, é castigante e plenamente exaustivo.

A história de uma família tradicional dos anos 50, onde os filhos são soterrados pela personalidade autoritária do pai, e que muda para pior ainda quando um desses filhos morre, provoca emoções em alguns momentos. No entanto, isso ocorre mais por conta das atuações de Brad Pitt (o pai), Jessica Chastain (a mãe) e Hunter McCraken (o filho mais velho) e do tema explorado, do que necessariamente pela condução das cenas que Malick quebra constantemente.

Logo na primeira parte do filme, depois da morte de um dos filhos do casal, somos arremessados em uma verdadeira epopéia sobre a vida, o universo e tudo mais, como diria o grande Douglas Adams. Terrence Malick volta ao big bang, passa pela evolução das espécies, dá uma volta pela época dos dinossauros e depois de um bom tempo retorna a história principal. Entende-se que queira versar sobre as razões do nascer e morrer, mas não precisava tanto.

Porém, “A Árvore da Vida” não chega a ser um filme ruim. Tem trilha sonora eficiente, alta técnica e um trabalho digno dos atores principais. Como anda em uma tênue linha entre o genial e o enfadonho, merece ser visto para que se tenha conclusões próprias. Pois afinal, mesmo sendo um exercício insano de pretensão de Terrence Malick, Orson Welles já dizia em outra velha frase que “O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho”. 

P.S: Em tempo, "nem sempre se pode ser Deus". Malick deveria saber isso.

Assista o trailer: 

sábado, 13 de agosto de 2011

"Ua:Brari" - Marcelo Rubens Paiva


Amazônia. Lugar de mitos e riquezas, que desde tempos idos provoca gigantesco interesse em estrangeiros, governos e aventureiros de plantão. Marcelo Rubens Paiva decidiu mergulhar nesse cenário no seu terceiro livro “Ua:Brari”, lançado em 1990. Com ironia e extremo senso crítico (mas não menos divertido) criou uma história meio inverossímil, é verdade, mas não menos instigante. Em 2011 a Editora Objetiva reedita a obra em versão de 256 páginas.

“Ua:Brari” sempre foi um dos trabalhos mais intrigantes de Marcelo Rubens Paiva. Ao misturar uma história tradicional de amores entrelaçados, traições e drama familiar com lendas, misticismo e política, elaborou uma trama de tensão e relevância para o que ocorria nos anos 80. O aspecto geral em torno da Amazônia não mudou tanto (ou quase nada) nesses anos, porém, ao reler hoje o livro, percebe-se que o tempo não lhe fez tão bem e o impacto diminui.

A Amazônia hoje continua sendo palco de disputas diversas e não obstante a grande maioria sempre quer levar vantagem. Os planos mirabolantes dos governos em “levar o progresso” para a região tampouco se acabaram, mesmo que tenham diminuído de ritmo, e as disputas com os índios restantes (e agora cada vez mais agregados ao mundo), vez ou outra são destaque nos jornais. Muito menos nossas fronteiras hoje estão livres do comércio ilegal.

Então o que necessariamente faz o tempo diminuir “Ua:Brari”? O tom com que Marcelo Rubens Paiva escreveu. Há de se convir que obras feitas em um determinado período precisam ser compreendidas de acordo com seu tempo. Temos inúmeros casos desse tipo. No entanto, um dos maiores charmes de “Ua:Brari” não era o triângulo amoroso entre Fred, Bia e Júlio, ou a difícil relação do messias Zaldo com a família, mas sim o cenário geral em que se inseria.

O tom com que se retratava o norte do país, mesmo considerando a carga de ironia embutida, era jocoso, mas até condizente, apesar de mostrar em última instância uma grande parte do pensamento “desenvolvido” do sul/sudeste. Ao narrar uma escolha de miss em uma cidade do Pará (São Félix do Xingu), em que o ator Mário Gomes (lembra dele?) era presença certa, mostrava questões que hoje os avanços tecnológicos e culturais reduziram bastante.

A história por trás da história, entretanto, ainda carrega sua força. Nela, Fred, um jornalista envolvido com uma mulher na porta do casamento, é mandado para a Amazônia atrás do irmão do homem que a mulher pela qual está apaixonado vai casar. Lá se depara com o ser humano atrás de qualquer salvação que seja e uma região onde os governos militares tentaram mudar e só conseguiram atiçar a cobiça e criar dores na população que lá morava ou por lá se arriscava.

À procura por Zaldo (o irmão desaparecido que vira uma espécie de Deus) traz uma loucura envolvida que ao mesmo tempo fascina e assusta. O jogo sujo de interesses e a facilidade com que centenas podem se juntar a troco de nada, ainda são relevantes nesse escrito de Marcelo Rubens Paiva. O que hoje deixa a desejar é o tempo em que as situações se desenvolvem e como elas são contadas, retirando aquilo que “Ua:Brari” tinha de extraordinário e lhe transformando em comum.


Outros livros do autor no blog: Feliz Ano Velho e A Segunda Vez que Te Conheci.