quinta-feira, 31 de março de 2011

"Incêndios" - 2011

O escritor português Eça de Queiroz disse certa vez que “a todo viver corresponde um sofrer”. Essa frase pode ser diretamente remetida ao longa canadense “Incêndios”, que concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro desse ano. Nele a dor e o sofrimento estão ali presentes e vivos a todo o momento, optando por aparecer de modo mais calado, sem muitos gritos ou exageros dramáticos.
O experiente diretor Denis Villeneuve (pouco conhecido por aqui) nos mostra um filme em que as correlações entre passado e presente não são de modo algum gratuitas e bate na porta da estupidez humana. Para ambientar ainda mais o clima utiliza músicas do Radiohead como “You And Whose Army?” e “Like Spinning Plates” na trilha sonora. Os versos de Thom Yorke se encaixam perfeitamente.
“Incêndios” inicialmente é a história dos gêmeos Simon Marwan (Maxim Gaudette) e Jeanne Marwan (Mélissa Désormeaux-Poulin), mas logo se estende para a vida da mãe deles, Nawal Marwan (Lubna Azabal). Ao falecer a mãe deixa um testamento no qual imprime tarefas a seus rebentos que podem escancarar um passado desconhecido. Inicia-se uma viagem que não tem bilhete de retorno.
Com o tom do suspense se espalhando pela película, Denis Villeneuve entrecorta passagens da busca dos gêmeos pelo irmão e pai desconhecidos com flashbacks que narram a vida da mãe na juventude no Líbano, antes da eclosão da guerra civil dos anos 70. Entre costumes de um povo e absurdos de violência da guerra em si, adicionam-se fatos que vão surpreendendo os rumos de toda a trama.
O tema desenvolvido poderia levar para o campo do dramalhão sensacionalista, mas opta por uma estrada mais límpida, porém não menos angustiante e dolorosa. A atuação dos atores corrobora esse clima e são monocromáticas. O sofrimento e a provação que se visualiza ganha uma carga ainda mais dura pela forma que esses personagens lidam com o assunto, incomodando a cada momento.
“Incêndios” é um grande filme com direção e elenco trabalhando em alto nível. Seu único pecado é tentar explicar demais o final dos acontecimentos quando ele já aparece de maneira subliminar. No entanto, isso não retira o brilho do filme de Denis Villeneuve, que mesmo sendo pesado acaba transparecendo isso de maneira consistente sem ir pelo caminho mais fácil da exposição gratuita da dor.

terça-feira, 29 de março de 2011

"Rango" - 2011

A busca em achar o verdadeiro caminho é uma situação que se apresenta pelo menos uma vez na vida de qualquer um. Quando isso ocorre quando já se tem alguns anos na costa toma contornos mais dramáticos, pois o tempo para reação é cada vez menor. Rango, o camaleão que inspira o filme de mesmo nome passa por isso. Cheio de sonhos na cabeça e medo dentro do coração, não consegue realmente saber ao certo que tipo de vida deve levar.
“Rango” é um longa de animação que trata de um tema um pouco mais denso para crianças e tendo em vista as diversas homenagens que são feitas no seu percurso, não está lá muito interessado em atingir esse público, pelo menos não somente ele. O trabalho é o primeiro projeto animado do diretor Gore Verbinski (da série “Piratas do Caribe”) e foi escrito por ele, John Logan (de filmes como “Gladiador” e “O Aviador”) e o novato James Byrkit.
O camaleão meio leso e com desejo de ser ator exibe uma barriga indefectível e usa uma camisa florida digna de um surfista. Dublado pelo astro Johnny Deep é literalmente arremessado da traseira de um carro em pleno deserto. Na busca da sobrevivência encontra uma cidade em decadência, que está sofrendo uma grave crise por conta da falta de água e sem saber muito ao certo o que está fazendo acaba se tornando um herói para esse povoado.
Gore Verbinski adiciona várias homenagens em “Rango”. De Hunter Thompson e seu “Medo e Delírio em Las Vegas” a Sérgio Leone e o clássico homem sem nome vivido por Clint Eastwood nos seus filmes. No entanto, todas essas citações não conseguem funcionar do jeito que deveriam e não inserem quase nada ao apelo inicial que o personagem propõe. Esse apelo inicial inclusive vai diminuindo no decorrer do filme de modo bem acelerado.
“Rango” é mais uma daquelas idéias que a primeira vista tem tudo para dar certo, mas que acabam ficando no meio do caminho entre seus anseios. Não consegue emocionar o suficiente com a crise de identidade proposta e nem convence plenamente através do ritmo de aventura que é obrigado a possuir. Infelizmente fica naquela indesejada área do mediano e quando a sessão acaba a única certeza que fica é que tudo será esquecido em algumas horas.

domingo, 27 de março de 2011

“Eu Sou do Tempo em Que a Gente Se Telefonava” - Blubell - 2011

Quantas cantoras foram classificadas como a próxima musa da música brasileira nos últimos anos? Várias já carregaram essa promessa e pouquíssimas conseguiram realmente se firmar. Uma nova geração vem surgindo e novamente a imprensa começa a eleger e glorificar demasiadamente suas virtudes antes do tempo. Principalmente em cima da chamada nova vanguarda paulista há um excesso em cima de artistas que ainda tem muito o que mostrar.
Isabel Garcia, mais conhecida como Blubell, é um desses exemplos. Por mais que ao que tudo indique ela não esteja muito interessada nesse hype (no clipe de uma das suas canções aparece um cartaz escrito “Diva é a Mãe!”), boa parte dos formadores de opinião mais uma vez vem exagerando e cravando virtudes e depoimentos definitivos como se troca um disco, o que mais prejudica do que ajuda na grande maioria dos casos. Infelizmente é assim que funciona.
“Eu Sou do Tempo em Que a Gente Se Telefonava”, no entanto, se analisado sem os superlativos que tentam lhe adicionar é um disco bem interessante. Desde o ótimo título (ainda mais para pessoas acima de 30 anos que na juventude usavam somente o telefone como comunicação), passando pela bela capa e pelo clima retrô e jazzístico que dá o tom do trabalho. São 12 canções que mostram um caminho bacana a ser seguido e que soa espontâneo.
Blubell assina quase todas as letras e músicas (em três faixas é responsável somente pela segunda parte) e por mais que o seu tom de voz incomode em algumas passagens, exerce domínio sobre todo o álbum. A cama em que as canções são executadas é um grande destaque. Daniel Müller (piano), Rui Barossi (baixo), Beto Sporleder (sax e flauta) e Guilherme Marques (bateria) do grupo de jazz À Deriva são os responsáveis para que isso ocorra.
"Eu Sou do Tempo em Que a Gente Se Telefonava” é agradável e traz boas canções como “Chalala” (que fez parte do seriado “Aline” da Globo), “My Best”, “Mão e Luva” e a ótima “Good Hearted Woman” com participação de Tulipa Ruiz, outra musa da cena paulistana (e que a Rolling Stone tascou um “nasce uma estrela” na última edição). Não é espetacular como tentam que seja e não promete nenhuma salvação, apenas um futuro promissor. Vamos com calma.
Twitter: http://twitter.com/lablubell

sexta-feira, 25 de março de 2011

"This Is Only A Test" - Smoking Popes - 2011

Olhar para os tempos de adolescência quando se está chegando aos 40 anos pode ser derivado de uma crise existencial ou mesmo de um “Complexo de Peter Pan” sem data de validade. Não para Josh Caterer, o vocalista e guitarrista da banda Smoking Popes de Chicago (USA). Ele utilizou essa revisitação do tempo para criar “This Is Only A Test”, o novo trabalho que chega às lojas esse ano e é uma obra conceitual sobre um jovem nessa época da vida.
O Smoking Popes está na ativa desde o começo dos anos 90 e mesmo tendo se separado em 1998 promoveu o retorno em 2005. “This Is Only A Test” é o segundo disco desse retorno (o primeiro foi “Stay Down” lançado em 2008) e traz a estréia do baterista Neil Henessy (do Lawrence Arms) em estúdio. Ao lado de Josh Caterer estão o restante do núcleo do grupo desde o início, os irmãos Eli Dixon Caterer (guitarra) e Matt Caterer (baixo).
A música do Smoking Popes ainda é influenciada por Ramones e Buzzcoks, mas recebe uma voltagem maior do rock alternativo americano, ainda que não demasiadamente. São 10 faixas que tratam do universo de um jovem na sua escola. São amores não correspondidos (“Wish We Were”), desejos de montar uma banda (“Punk Band”), relação com os demais alunos (nos ecos de Nirvana de “Freakin' Out”) e o dia a dia com os professores (“Excuse Me, Coach”).
“Excuse Me, Coach”, aliás, é a maior surpresa do álbum. Baladinha conduzida por teclado e com programação eletrônica que não se correlaciona com nada feito anteriormente, por mais que se lembre de faixas mais lentas como “On The Shoulder” de “Born To Quit” (1995) ou na cover de “Bewitched, Bothered and Bewildered” de “The Party's Over” (2001). A simples melodia é encharcada de tristeza pelo vocal de Josh Caterer e funciona muito bem.
Outros destaques também são desacelerados. Faixas como a bonita e desesperada “College” que trata do medo do futuro e a espécie de despedida conduzida pelos violões de “Letter To Emily”. Essas canções mais calmas servem para ajudar a traduzir o espírito que as letras do disco tratam e mesmo que o apelo e energia do punk-pop do Smoking Popes permaneça intacto, acabam sendo o ponto alto de um dos bons discos do ano até agora.
Site Oficial: http://www.smokingpopes.net Twitter: http://twitter.com/smokingpopes

quarta-feira, 23 de março de 2011

“Several Shades of Why” - J Mascis - 2011

J Mascis é um ícone do rock alternativo norte americano. Por mais que chamar alguém de ícone tenha se tornado um imenso lugar comum, isso pode ser plenamente aceitável no caso dele. A frente do Dinosaur Jr. distribuiu distorção e melodia como poucos, criando obras primas como “Bug” de 1988 e “Where You Been” de 1993. Mesmo quando a banda voltou depois de um longo hiato, continuou cunhando ótimos trabalhos como “Beyond” (2007) e “Farm” (2009).
Em 2011 ele resolveu embarcar em um disco solo e para tanto chamou alguns amigos para ajudá-lo na missão. Gente como Kevin Drew (Broken Social Scene), Ben Bridwell (Band Of Horses) e Suzanne Thorpe (Ex-Mercury Rev) tocaram no álbum. A produção ficou como o velho amigo John Agnello, que além do Dinosaur Jr. já trabalhou com nomes como Patti Smith e The Hold Steady. Até Kim Gordon (baixista do Sonic Youth) ajudou e riscou as letras da capa.
“Several Shades of Why” traz onze canções e por ser essencialmente acústico pode ser confundido com um disco doce e suave, quando é exatamente o oposto disso tudo. A temática das canções versa sobre amores perdidos, dúvidas sobre o caminho a ser tomado e um cansaço sobre a vida em geral. A tonalidade do instrumental se inspira bastante nos trabalhos acústicos da carreira de Neil Young (de quem J Mascis é fã confesso) e tem um clima triste e melancólico.
Falar sobre os assuntos descritos acima não chega a ser uma novidade para o músico, que já no trabalho da sua banda sempre os incorporou a onipresente camada de guitarras. Em “Bulbs of Passion” de “Dinosaur” de 1985, por exemplo, cantava que “as lágrimas estão fluindo do amor em seus olhos”. Já em “Plans”, do mais recente trabalho de 2009, as dúvidas também estão presentes em versos como: “eu não tenho nada para ser, você tem alguns planos para mim?”.
“Listen To Me” é a responsável para abrir esse disco solo e enquanto um violão segura o ritmo com pequenas mudanças ao fundo, J Mascis canta que não pode esperar mais por nada, pois é só dor o que consegue produzir. Na canção que dá nome ao trabalho um dedilhado encobre uma vida onde “não há paz, o conforto é pouco e sem ombro de ninguém”. “Not Enough” traz um tom mais forte de voz e uma pequena percussão, além de refrão levado por um coral.
“Very Nervous and Love” traz uma progressão de notas dedilhadas que crescem e acabam sem aviso. O tom é novamente melancólico e trata de um amor quebrado. “Is It Done” é sobre “a alma espancada” com o vocal em busca de paz, enquanto uma guitarra distorce no final e insere uma dramaticiade que se completa com um dos solos característicos de Mascis. Já “Make It Right” é uma mas melhores faixas e exibe uma flauta muito bonita tocada por Suzanne Thorpe.
“Where Are You” é simples e traz novas dúvidas, culpas e vergonhas. Vocal dobrado, climão de balada de estrada e mais um bonito solo de guitarra de J Mascis. “Too Deep” é só voz e violão e tem a única dose de esperança do trabalho, mesmo que esta se acabe em “Can I”, canção caótica e densa que canta “novamente eu estou solitário, solitário o tempo todo”. “What Happened” fecha muito bem o álbum e sai um pouco dos temas anteriores para olhar para a família.
“Several Shades of Why” pode ser entendido sobre diversos ângulos, mais nenhum pode ser descrito como leve ou feliz. Seu criador que tratava suas crises nas letras do Dinosaur Jr. sobre uma base mais suja e pesada, agora se despe para falar sobre isso apoiado em violões. Michelangelo, um dos maiores artistas da história, certa vez escreveu “a minha alegria é a melancolia”. J Mascis comunga desse pensamento e o usa novamente para fazer um ótimo disco.
Site Oficial: http://jmascis.com Twitter: http://twitter.com/jmascis

segunda-feira, 21 de março de 2011

"Reino Animal" - 2010

Um jovem está sentado no sofá assistindo um programa de auditório qualquer. Sua feição é compenetrada, quase não pisca. Ao seu lado uma senhora está jogada como se tivesse capotado no sono. Pouco tempo depois chegam dois paramédicos e o espectador descobre que na verdade, a senhora não está capotada por conta do sono e sim de uma boa quantidade de heroína correndo no corpo. O jovem alterna sua visão entre ela e o programa de tevê.
Os primeiros minutos de “Reino Animal” são de uma intensidade que impressiona. A frieza do jovem que espera a chegada dos paramédicos enquanto sua mãe definha ao lado no sofá e a maneira como ele conduz seus atos posteriormente, impressiona bastante. O filme australiano do diretor David Michôd (disponível em DVD) deixa em toda sua duração uma sensação de incômodo e de mal estar pela naturalidade e frieza embutida nos seus personagens.
A cidade é Melbourne na Austrália e o jovem em questão se chama Joshua “J” Cody (o estreante James Frecheville). Devido ao rumo dos acontecimentos citados acima ele passa a viver com a avó Janine Cody, em interpretação poderosa de Jacki Weaver que a levou a ser indicada ao Oscar desse ano como Atriz Coadjuvante (e que talvez merecesse mais que Melissa Leo de “O Vencedor”). E nessa nova casa, “J” precisa se ambientar com os demais parentes.
A família tem atividades criminosas como ramo de trabalho e está no foco principal de um grupo da polícia totalmente voltado a exterminar os envolvidos da forma que for necessária. Todos os seus tios são meio psicopatas, principalmente Andrew “Pope” Cody (Ben Mendelsohn de “Presságio) e Craig Cody (Sullivan Stapleton). “J” que não chega a ser nenhum santo é engolido pelas ações dessa família e arremessado em um caminho sem muito retorno.
Em “Reino Animal” David Michôd fez um baita filme, onde roteiro (escrito por ele) e direção convergem para um resultado forte, mostrando atos de uma natureza cruel sendo executados como se abre uma garrafa de refrigerante. Nele não há perdão e o único envolvimento humano positivo é do detetive Nathan Leckie (Guy Pearce) em uma missão suicida para salvar o jovem Cody do futuro que lhe apresenta, mesmo sabendo que só os fortes sobrevivem no fim.
P.S: O filme ganhou o prêmio do júri no Festival de Sundance em 2010.

sábado, 19 de março de 2011

"Odiosa Natureza Humana" - Matanza - 2011

Ande até a porta do último bar antes da fronteira com o inferno. Lá dê um chute na porta com a força que tiver e se direcione para uma mesa qualquer. Peça uma cerveja escura e mais alguma dose de bebida destilada. Chame uma ou duas mulheres para sentar junto e comece a desfilar os papos mais macabros e sacanas possíveis, enquanto os idiotas das outras mesas olham com a idéia de começar uma briga. Envergue mais uma cerveja e mande aumentar o som.
É em algum cenário parecido com esse, que Jimmy London (vocal), Donida (guitarra), China (baixo) e Jonas (bateria) teriam muito prazer em tocar o repertório do mais recente trabalho do Matanza. “Odiosa Natureza Humana” é o 6º álbum da banda (contando aí o “To Hell With Johnny Cash” de 2005 e o “MTV Apresenta” de 2008) e continua trazendo o punk-country-hardcore nervoso, mal humorado e muito bem servido de ironia e humor negro do grupo.
São 13 faixas que não chegam a 40 minutos no total e tratam dos assuntos que a banda sempre mostrou afeição. Saco cheio para a humanidade em geral, bebidas em demasia, mulheres em profusão, brigas em bares e uma aproximação com qualquer história que fuja de algum sentido religioso. É porrada sonora do início ao fim para escutar em volume alto e lembrar daquela face mais podreira e enérgica do rock, sem ser encoberta por efeitos ou produções.
Em “Remédios Demais” que abre o disco, Jimmy canta que saiu atropelando um monte de gente porque estava repleto de “remédios” no organismo (déjà vu dos fatos de Porto Alegre?). Em “Escárnio” escancara a vida boa de um cara entre amigos falsos, mas avisa que “no fim vem a conta” e “que o garçom tem um tridente e vai ter a eternidade pra cobrar”. Em “Tudo Errado”, detona um cidadão que sabe que está fazendo merda, mas tem preguiça de mudar.
E “Odiosa Natureza Humana” segue com suas cacetadas. Enfileira faixas como “Saco Cheio e Mau-Humor”, “Amigo Nenhum” e “Bebum Acabado”, sem piedade alguma. A pegada mantém o hardcore como uma das bases e traz as velhas e boas influências de Motörhead e Slayer. Se você de vez em quando precisa ouvir bem alto um rock sem muita frescura, esse disco é completamente indicado. Sem hype ou surpresas, apenas um disco de rock sujo e feroz.
Site oficial: http://www.matanza.com.br My Space: http://www.myspace.com/matanzacountrycore

quinta-feira, 17 de março de 2011

"Micmacs - Um Plano Complicado" - 2010

Bazil teve pouca sorte no decorrer da vida. Quando criança teve sua feliz vida em família destroçada pela morte do pai por causa da explosão de uma mina terrestre. A mãe enlouqueceu e ele foi mandado para um internato religioso. De lá fugiu e foi se virar sozinho. Depois de trinta anos da morte do pai, enquanto trabalhava em uma pequena locadora levou uma bala perdida na cabeça e não pode tirar de lá pelo risco de morrer. Para completar perdeu casa e emprego depois de sair do hospital.
Essa tragédia toda é contada logo nos 10 minutos iniciais de “Micmacs - Um Plano Complicado”, o mais recente trabalho cinematográfico do diretor francês Jean-Pierre Jeunet. Jeunet traz no currículo filmes como “Delicatessen” de 1991, “Ladrão de Sonhos” de 1995 (esses dois em parceria com Marc Caro) e “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” de 2001. Essa sua nova empreitada que chega em DVD é uma comédia que ambiciona criticar a indústria armamentícia, enquanto desfila seu estilo.
Em “Micmacs”, Bazil (Dany Bonn de “A Riviera Não é Aqui”) depois de sofrer as desgraças contadas acima encontra um grupo de desajustados que vivem de reciclar lixo. Nessa nova família, se sente cada vez mais a vontade quando dirigindo pela cidade se depara com os dois símbolos que mais odeia. O da empresa fabricante da mina que lhe tirou o pai e o daquela que lhe alojou uma bala na mente. Com o intuito de vingança e com a ajuda da nova trupe, ele trama um plano para acabar com as duas.
O estilo de Jean-Pierre Jeunet continua deslumbrante no visual e na estética. Faz homenagens ao cinema mudo e para as comédias dos anos 60/70, caprichando no desenvolvimento de situações mirabolantes e pouco viáveis de maneira engraçada. O visual como nas suas obras anteriores (e principalmente em “Ladrão de Sonhos”) é meticuloso e transita entre a sujeira que sempre lhe atraiu e as invenções fantásticas, com aspectos técnicos como direção de arte, fotografia, figurino e som parados na perfeição.
No entanto, isso não é suficiente para salvar o filme como um todo. Ao levar em frente o plano de Bazil e seus companheiros desajustados e com “poderes especiais”, o roteiro (desenvolvido com o velho parceiro Guillaume Laurant) caminha para não chegar a lugar nenhum. Fica na maior parte do tempo preocupado em mostrar as improváveis artimanhas usadas para derrubar as empresas de armas e acaba por fazer um inusitado crossover entre os desenhos antigos da Warner Bros com os filmes dos Trapalhões.
“Micmacs - Um Plano Complicado” tem boas sacadas (como a camisa de Thierry Henry autografada de forma errada servindo como moeda) e faz rir em várias passagens, mas depois a piada meio que cansa e o final se aproxima sem tanta expectativa. Mesmo carregando a conhecida maestria na direção, aliando visual e quesitos técnicos como poucos, Jean-Pierre Jeunet acaba se perdendo nesse direcionamento e deixa a história em si enfraquecida, o que diminui o brilho de um filme que podia ser maior.
Sobre “Ladrões de Sonhos”, passe aqui.

quarta-feira, 16 de março de 2011

"2º Cine Zen Convida" - Ao Café (Santos/SP) - 02.04.2011

O site Cine Zen Cultural (http://cinezencultural.com.br) do André Azenha está comemorando 2 anos. Para comemorar esse aniversário, promove no próximo dia 02 de abril no Ao Café em Santos-SP, a 2ª edição do “Cine Zen Convida”, um bate papo beneficiente com o intuito de abordar a produção e os eventos de cinema na região.
A mesa será formada por Junior Brassalotti, diretor de produção do Curta Santos, Eduardo Ricci, coordenador do CINEME-SE e do Cineclube Lanterna Mágica da Unisanta, Carlos Oliveira, cineasta e coordenador do Grupo Contramão, e Waldemar Lopes, cinéfilo e palestrante. O André será o mediador do bate-papo.
Para quem estiver pela região, vale a pena dar uma passada por lá.
Serviço:
2º CineZen Convida – Produção e eventos de cinema em Santos Quando: 02 de abril de 2011, sábado, 20h
Onde: Ao Café, Avenida Siqueira Campos, 462, Boqueirão, Santos (telefone: 13 3224-5744)* Pede-se a gentileza de um quilo de alimento não perecível ou uma lata tradicional de Mucilon para ajudar a Casa Vó Benedita
Mais informações sobre o evento: 13 9744-3726 e editor.cinezencultural@gmail. com
Paz Sempre!!

segunda-feira, 14 de março de 2011

"Some Kind Of Cure" - David Berkeley - 2011

A Córsega é uma ilha de posse da França que fica situada no coração do mar mediterrâneo conhecida pela sua beleza e tranquilidade. Foi nesse local que o cantor e compositor norte americano David Berkeley se isolou em uma pequena aldeia para refletir sobre a vida e construir o seu quarto trabalho. Os dias de paz e solidão parece que fizeram muito bem e resultaram em “Some Kind Of Cure”, um disco bonito e bem executado.
Quando retornou aos Estados Unidos, o músico convocou Will Robertson para a produção e formou uma banda bacana para executar as canções concebidas lá longe. Peter Bradley Adams ficou no piano, Jordan Katz (De La Soul) nos teclados e banjo, Lex Price no bandolim e guitarras, Kim Taylor nos vocais de apoio e Kevin O’Donnel na bateria. Assim as 13 faixas de “Some Kind Of Cure” foram registradas e reinventadas.
David Berkeley, que reside agora em São Francisco (USA), é conhecido pelo cuidado que tem com as letras das suas composições e a primeira vista se insere naquela área de cantores/trovadores, mas sem carregar os malefícios que a maioria traz consigo. Esse cuidado é tão evidente que lá fora, em conjunto com o disco, será vendido um pequeno livro de contos, alongando a história que está refletida em cada canção.
A sonoridade de “Some Kind Of Cure” é ambientada dentro do universo do folk com pitadas de indie rock aqui e acolá. Na grande maioria é o folk que toma conta, mas existem bons momentos mais acelerados como “Parachute” (“seu coração é como um pára-quedas/e só abre quando você cai”, diz a letra), “Hope For Better Days’ (que lembra Snow Patrol) e a mais clássica “Soldier’s Song" que mostra até distorção lá pelo meio.
O tom da voz de David Berkeley é forte e as músicas são cantadas bem pausadamente (parece a Tracy Chapman em alguns momentos, lembra dela?), o que realça ainda mais o clima intimista das histórias que ouvimos. Escolha “George Square”, “Marie” ou “Winter Winds”. Qualquer uma dessas faixas tem o dom de acalmar um dia agitado e servir de trilha sonora para a desintoxicação diária (e sempre necessária) do mundo em geral.
Site Oficial:
http://davidberkeley.com My Space: http://www.myspace.com/davidberkeley

domingo, 13 de março de 2011

"Mais Escuro Que a Meia-Noite" - Salvo Sottile

A máfia italiana já serviu de palco ou inspiração para dezenas de bons livros sobre o tema, tanto na esfera da descrição de fatos reais quanto na ficção. O maior deles muito provavelmente seja “O Poderoso Chefão” de Mario Puzo (até por conta de toda dimensão que tomou), mas outros ótimos exemplos também podem ser citados como “Cosa Nostra - História da Máfia Siciliana” de John Dickie ou mais recentemente “Gomorra” de Roberto Saviano.
Salvo Sottile é um jornalista italiano que alcançou sucesso no seu país graças ao primeiro romance “Maqeda” (não lançado por aqui), que inclusive está sendo adaptado para o cinema. Para o segundo trabalho optou em criar uma história de dois jovens mafiosos que acabam se tornando líderes dos Corleones, uma das grandes famílias da máfia. Para tanto, passeia por vários pontos distintos no tempo, narrando todo o universo em torno dos seus personagens.
“Mais Escuro Que a Meia-Noite” (uma expressão italiana) foi lançado em 2009 lá fora e chega agora aqui no Brasil pela Editora Bertrand Brasil, com 378 páginas e tradução de Ana Resende. Se analisarmos o livro pela questão da relevância que terá perante as obras citadas no primeiro parágrafo, o resultado não será dos melhores, pois se trata de um trabalho bem menor. No entanto, é uma boa história que traz picos de ação e de drama embutidos no seu corpo.
Os personagens principais são Nino Giaconia e seu cunhado Gaspare Occhiuzzo, que construíram as suas carreiras praticando atos de extrema violência contra quem pensava em lhes cortar o caminho. Depois de velhos e consolidados, eles são ameaçados por “pentitos” (integrantes da máfia que se transformam em testemunhas da polícia) e percebem o mundo a sua volta ruir perante as disputas normais de territórios, como também o ímpeto dos agentes da lei.
Baseado na cidade de Palermo, “Mais Escuro Que a Meia-Noite” é uma leitura agradável, apesar de comum e mesmo com os defeitos que carrega. Em certas passagens parece direcionada demais para o cinema, o que acaba deixando o ritmo um pouco prejudicado, como também não tem o poder de esconder seu final, revelando este bem antes do desejado. Não é o “romance sobre a Cosa Nostra que todos devem ler” como diz a contracapa, mas vale a leitura.
Site do autor: http://www.salvosottile.com

sexta-feira, 11 de março de 2011

"Minhas Mães e Meu Pai" - 2010

“Minhas Mães e Meu Pai” (“The Kids Are All Right”, no original) recebeu indicações honrosas para o Oscar desse ano em categorias como Filme, Atriz (Annette Benning), Ator Coadjuvante (Mark Ruffalo) e Roteiro Original. Acompanhado de uma boa sinopse, o filme da diretora Lisa Cholodenko se torna uma evidente boa pedida quando do seu lançamento agora em DVD. No entanto, quando os créditos finais começam a aparecer o pensamento é que a pedida não era tão boa assim.
Lisa Cholodenko fez carreira na tevê e trabalhou em seriados como “A Sete Palmos” e “The L Word”, onde o componente dramático é bastante acentuado, por mais que exista um certo humor para aliviar a carga. Em “Minhas Mães e Meu Pai” isso não é diferente. Ela olha para uma família que se vê desestabilizada quando um fato novo e inusitado acontece e que precisa reencontrar seu caminho enquanto falhas pessoais são intensificadas e rotinas são quebradas e mudadas.
O grande chamariz do trabalho, no entanto, não reside nos conflitos internos dessa família e sim na forma em que ela é constituída. Annette Benning e Juliane Moore formam um casal de lésbicas (tema abordado em “The L Word”) que por conta de uma inseminação artificial tiveram dois filhos do mesmo pai. Quando Joni (a bela Mia Wasikowska), a filha mais velha faz 18 anos, resolve a partir de um pedido do irmão Laser (Josh Hutcherson) buscar o doador que lhes trouxe a vida.
Esse doador (Mark Ruffalo) é o fato inusitado que entra no jogo e acaba indiretamente gostando da família, o que no final acaba por se revelar mais em carência afetiva do que outra coisa. Com as cartas na mesa, o roteiro feito pela diretora em parceira com Stuart Blumberg desenvolve o drama que indicava. Mesmo que as atuações dos atores sejam convincentes (mas longe de valer indicação para o Oscar), o filme derrapa demais na intenção de ser “alternativo”.
O casal formado por Benning e Moore é desde o início evidenciado com diferenças, forçando muito a barra nas analogias com casais formados por heterossexuais. O doador mantém uma linha de alimentos orgânicos, o que é fora dos padrões, além de outras pequenas coisas com essa mesma intenção. A única coisa realmente boa do longa é a trilha sonora que traz Vampire Weekend, Leon Russell, Tame Impala e David Bowie. No resto, muita pretensão e pouquíssimo conteúdo.

quarta-feira, 9 de março de 2011

"Fracasso de Público" - Alex Robinson

Filmes ou seriados que mostram o cotidiano de amigos lidando com seus problemas e relacionamento pessoal resultaram em bons trabalhos, como por exemplo, em “Friends”, um mega sucesso de público e crítica. Alex Robinson nasceu em Nova York (USA) em 1969 e logo se tornou um aficionado pela cultura pop e pelos quadrinhos em especial. Não demorou em usar as duas idéias para fazer um trabalho bastante elogiado por onde foi publicado.
“Fracasso de Público” foi escrito e ilustrado em preto e branco por ele e traz consigo o subtítulo “Heróis Mascarados e Amigos Encrencados”. Lançado na gringa em 2001 foi publicado aqui pela Gal Editora no ano de 2009 com 240 páginas. A editora paulista optou por lançar em volumes (o segundo saiu no final do ano passado) e o que comento aqui traz o primeiro bloco da história de jovens brigando para ser alguém enquanto tratam de seus “demônios”.
Mesmo tendo algumas voltas no tempo, a grande parte desse primeiro volume se passa na primeira metade dos anos 90, onde Sherman Davies um pretenso escritor que ganha a vida trabalhando em uma livraria e Ed Velasquez, que sonha em ser quadrinista, mas por enquanto trabalha na casa de ferragens do pai, tentam ganhar a vida. Entre amores e decepções, outros personagens vão sendo inclusos e montados em cima dessa dupla principal.
Em “Fracasso de Público” o autor consegue a proeza de tratar os seus personagens com a devida atenção, sem precisar ser chato alongando explicações ou navegando na superficialidade. A inserção de elementos da cultura pop, tão característico nesse tipo de obra, é feito de maneira saudável e bem dosada, sem soar pretensiosa ou enjoar demais. Vez ou outra no deparamos com o rosto de alguém conhecido retratado como um figurante qualquer.
O tom bem humorado e cínico esconde dramas que qualquer pessoa já deve ter passado um dia, além de ser uma crítica contundente sobre o mercado das histórias em quadrinhos e das empresas que ditam suas regras. Não é difícil se imaginar em algum ponto da vida, tendo basicamente o mesmo enredo de história, por mais que pintado em outras cores e tons. “Fracasso de Público” é mais uma ótima demonstração de qualidade nos quadrinhos atuais. Vale muito.
Site do autor: http://www.comicbookalex.com Site da Gal Editora: http://www.galeditora.com.br

segunda-feira, 7 de março de 2011

"Sentimento de Culpa" - 2010

Kate (Catherine Keener) e seu esposo Alex (Oliver Platt) ganham a vida em Nova York revendendo móveis e utensílios antigos que adquirem de famílias cujo algum parente tenha falecido recentemente. Eles adentram os apartamentos e casas dessas pessoas para analisar o que pode ser aproveitado, comprando por uma quantia bem inferior daquela que posteriormente a venda vai gerar. É um negócio lucrativo, mas Kate não está muito bem com isso.
Kate se acha uma aproveitadora e vive recheada de culpa. Para amenizar esse sentimento distribui gorjetas a todos os mendigos que encontra na rua, para desespero de sua filha Abby (Sarah Steele), que aos 15 anos está na fase da preocupação máxima com a aparência e com os novos jeans que pode comprar. O relacionamento com o marido também não é lá essas coisas e acaba se estabelecendo mais como uma sociedade entre amigos, onde o desejo não tem vez.
No caminho de Kate também passa a transitar com maior freqüência a vida da rabugenta Andra (Ann Morgan Guilbert), sua vizinha que está para falecer no auge dos seus 90 e poucos anos. Kate quer o apartamento dela para ampliar o seu e não esconde isso nem mesmo das netas de Andra, Rebecca (Rebecca Hall) e Mary (Amanda Peet), que também de uma maneira ou outra torcem para que a avó passe a habitar outras localidades menos conhecidas.
A diretora Nicole Holofcener (de “Amigas Por Dinheiro”) espalha a culpa por todos os personagens do seu filme em maior ou em menor escala. Todos, sem exceção, carregam com si o sentimento. Ele pode ser visto com maior freqüência em Kate e no seu problema com o dinheiro do trabalho, mas também é visto na traição de Alex, no comportamento da filha Abby, na velhice de Andra, na bondade de Rebecca ou mais ainda na concepção de vida de Mary.
“Sentimento de Culpa” (“Please Give”, no original) está disponível em DVD e trata sobre um assunto que é explorado desde que o mundo é mundo. O filosófo Sêneca lá no Império Romano já afirmava que “a principal punição para quem tem culpa é sentir-se culpado.” Nicole Holofcener explora bem isso e por mais que cometa alguns deslizes na direção (como em passagens sem função alguma), conduz um bom elenco para um filme bastante interessante.

sábado, 5 de março de 2011

"Bando de Dois" - Danilo Beyruth

Inicialmente a idéia de “Bando de Dois” é bem interessante: Fazer uma história nacional em quadrinhos tendendo para o lado da aventura, sem necessariamente revisitar ou criar temas de super heróis. Para tanto, a ambientação se dá no sertão nordestino em plena época do Cangaço e traz vingança, honra, violência e ganhos pessoais misturados para servirem de prato principal na pequena refeição que se apresenta.
O Cangaço ocorreu entre o final do século XIX e começo do século XX no nordeste brasileiro e notabilizou como personagens principais Lampião e Maria Bonita. Sua história é bastante fértil para desenvolver obras de ficção que se utilize de seus preceitos e foi sobre isso que Danilo Beyruth se guiou para criar “Bando de Dois” que a Zarabatana Books lançou no ano passado com 96 páginas e bonito acabamento.
Abonado pelo ProAC (um programa de ação cultural do governo estadual de São Paulo), a obra de Danilo Beyruth parte dessa premissa do cangaço para mostrar dois integrantes de um bando que foi dizimado pela polícia (os “macacos’) e parte em busca de recuperar as cabeças de seus amigos e outros motivos que envolvem tanto sobrenatural quanto ganhos pessoais. Por essa jornada existem explosões, tiroteios e perseguições.
Danilo Beyruth expande sua história para uma gama de outras vertentes, principalmente dos filmes antigos de faroeste e é nessa junção que residem os maiores problemas de “Bando de Dois”. A obra acaba se preocupando demasiadamente com o estilo e vê seus objetivos caminharem sem chegar a lugar algum. Os traços dos personagens não fazem jus às feições nordestinas e o vocabulário se alterna entre erros e acertos.
“Bando de Dois” traz bons momentos como na ação que se apresenta no fim, mas fica aquém de onde poderia chegar, caso se preocupasse menos com o estilo e mais com a trama e os personagens. A obra ganhou alguns prêmios de melhor HQ nacional em 2010, no entanto, é menor que outras como “Cachalote” (Daniel Galera e Rafael Coutinho) e “Memória de Elefante” (Caeto). Para ler e tirar as próprias conclusões.
Site do autor: http://evilking.net

quinta-feira, 3 de março de 2011

“Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme" - 2010

Em 1987 quando “Wall Street – Poder e Cobiça” passava nos cinemas mostrando a história de Gordon Gekko (Michael Douglas), definitivamente o mundo era outro. Os resquícios da Guerra Fria ainda eram poderosos e o mercado de ações e capitais trabalhava por outro prisma, onde a globalização ainda não era tão eminente. Mais de 20 anos depois quando o diretor Oliver Stone opta por fazer uma continuação, o mundo mudou, mas os alicerces básicos desse mercado permanecem os mesmos.
“Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme” é esta continuação, disponível agora em DVD e Blu-Ray (neste último, inclusive em um Pack com os dois filmes). Oliver Stone inicia o novo trabalho com Gordon Gekko saindo da prisão em 2001, sem ninguém a sua espera e com celular imenso em mãos, um retrato de outra época aproveitado para dar um toque especial na cena. Impossibilitado legalmente de atuar no mundo em que era mestre, busca novas fontes de renda para sobreviver.
Depois dessa cena o longa corta para meados de 2008, com Gekko levando a vida com palestras e colhendo os frutos de um livro no qual critica o universo do mercado de ações. Na outra ponta da trama está Jacob Moore (Shia LaBeouf de “Transformers”), um jovem audacioso que faz carreira no mesmo universo de trabalho que transformou Gekko em mito e mora junto com a filha deste. Não é difícil que essas duas pontas sejam amarradas e faça-se a junção da vida dos personagens.
O roteiro desenvolvido por Allan Loeb consegue segurar as pontas em boa parte do longa e atualiza bem os mercados de ações para os dias atuais, com “bolhas” estourando a todo momento, globalização irrestrita ditando as regras e novos conceitos se espalhando mundo afora. Aproveita também de modo inteligente a crise imobiliária recente para dar uma pincelada a mais e promove bons momentos como a breve aparição de Charlie Sheen (uma peça fundamental do primeiro filme).
“Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme” é um bom filme até que se chegue ao final, onde todos os conceitos demonstrados por Oliver Stone são demolidos em prol da velha felicidade hollywoodiana. Michael Douglas está novamente à vontade no papel de Gordon Gekko, que lhe rendeu o Oscar anteriormente, mas não salva totalmente a obra. No mais, por mais que o mundo mude, a ganância, que é o alicerce básico dos mercados de ações, permanece inalterável e só troca suas vestes.

quarta-feira, 2 de março de 2011

A política no rock de hoje

Desde que o rock surgiu nos anos 50, inúmeros artistas o usaram para expressar opiniões políticas e críticas sociais contra desmandos do seu tempo ou fatos isolados que agrediam a forma comum da sociedade em termos gerais. Depois que esse ser meio estranho chamado rock entrou no gosto de milhares de pessoas, o pop em geral também passou a se utilizar mais desses temas em suas canções.
Dá para se fazer uma extensa lista de nomes consagrados que em algum momento da carreira usaram desse artifício para servir de fundo nas suas músicas. Bob Dylan, John Lennon, Neil Young, U2, R.E.M. Um movimento de importância fundamental para o estilo foi calcado nessas premissas. O punk de The Clash e Sex Pistols, entre tantos outros, rezava por essa doutrinada cartilha.
O Brasil não ficou para trás e em um momento complicadíssimo onde generais mandavam e desmandavam, viu nascer obras políticas de Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, para ficar só em alguns nomes. O Rock BR dos anos 80 também vestiu essa roupa e Lobão, Legião Urbana, Engenheiros do Hawaii, Cazuza, Plebe Rude, etc. exploraram essa temática de maneira intensa e bem feita.
Nos últimos 8 ou 10 anos, é coerente afirmar que passamos por outro momento, com governos se firmando e promovendo melhorias de uma maneira geral para a população. No entanto, ainda estamos longe de ser um grande país, onde todos tenham o mesmo acesso as necessidades básicas e onde os políticos sejam mais honestos e responsáveis. Porém, quase ninguém mais fala disso.
Experimente em um dia como qualquer outro, andar um pouco pela cidade que mora e será fácil perceber a quantidade de pessoas vivendo na margem do que temos. Ao ver um bom telejornal ou ler as notícias gerais pela internet, será igualmente fácil se deparar com absurdos constantes da política nacional, como também casos histriônicos de falta de segurança e condição de vida para tantos.
E então, hoje quem canta isso? Não sejamos ingênuos ao ponto de afirmar que uma canção pode mudar o mundo, a época de pensar assim hoje reside em um quadro na parede. Mas uma canção ainda tem sim o poder de pelo menos instigar e assim tornar o discurso mais interessante ou pelo menos constantemente ávido nas cabeças das pessoas, aqui onde tudo é esquecido rápido demais.
Basta olhar a lista de melhores discos nacionais dos últimos 5 ou 6 anos, por exemplo. São na esmagadora maioria artistas que produzem um grande trabalho, mas que tratam em suas letras de assuntos do cotidiano ou de críticas comportamentais, por mais que estas também tragam certo cunho social. E olha que estamos falando de uma das melhores gerações musicais que esse país já teve.
É certo dizer que em determinados segmentos como o do punk/hardcore e do rap, o pessoal continua deixando seu recado de maneira constante, mas não conseguem atingir a grande massa. É justo dizer também, que por mais que deixem esse recado os trabalhos atuais ainda não podem ser comparados em relevância com obras de nomes como Ratos de Porão e Racionais MC’s, por exemplo.
Não muito tempo atrás, nos anos 90 e começo dos 2000, algumas bandas entoavam suas canções atingindo uma grande escala de pessoas como O Rappa e o Planet Hemp, isso sem analisar o efeito do marketing envolvido e até mesmo a qualidade das canções, que não é o caso aqui. Até o Charile Brown Jr. (argh!) fazia algo nesse sentido. Hoje nem isso conseguimos ouvir, com raras exceções.
Essa toada também é um reflexo direto da música pop internacional, que talvez tenha tido seu último grande movimento nesse sentido quando Bush e o Iraque eram a bola da vez e artistas como R.E. M, Tom Waits, Neil Young e Bruce Springsteen se envolveram. Porém, repare que praticamente nenhum novo nome faz disso o seu estilo, pois optam mais por apontar para essa crítica comportamental.
Por mais que o país tenha mudado para melhor nos últimos anos, sinceramente não vejo assim tanta diferença dos tempos de “O Eleito” do Lobão ou de “Que País é Esse?” da Legião Urbana. Será que por conta de tanta notícia despertada na nossa cabeça diariamente, quando Kadhafis, Kandafs ou Gandalfs tornam-se um problema quase pessoal, a cabeça não consegue mais olhar os próprios pés?
A música pop em geral, mais pelo rock, sempre teve um espírito político e social embutido nas suas idéias e serviu para implantar vários discursos. A validade desses discursos e suas reais intenções não é o que se discute aqui e sim a falta deles. Se são válidos ou não, é melhor deixar cada um julgar. No final, sem esse espírito, a música nacional de hoje por maior excelência que tenha, ainda deixa a desejar. Ou será que moramos em um país perfeito?