sábado, 30 de outubro de 2010

“Write About Love” - Belle and Sebastian - 2010

Foi no final de 1996 ou no começo de 1997 que o Zeca Camargo escreveu na antiga Bizz um belo texto para o segundo disco de uns escoceses chamados Belle and Sebastian. A crítica era tão boa que resolvi importar o referido álbum de nome “If You’re Feelling Sinister” e as palavras do jornalista realmente transportavam bem a atmosfera encontrada. Muitos anos depois, o Belle ainda continua na ativa e mesmo não sendo tão original, continua presenteando seu público com bons trabalhos.
“Write About Love” é o novo exemplo disso. O oitavo disco de estúdio do grupo lançado esse ano talvez seja o que tenha a sonoridade mais triste e melancólica de todos e olha que isso não é tarefa muito fácil. As letras trazem perdas e bastante desesperança. Isso não chega a ser novidade para quem logo no primeiro disco “Tigermilk” de 1996 cantava em “I Don’t Love Anyone” que não amava ninguém e aprendeu a ser sozinho e ter seus esconderijos. Mas aqui o tom é ainda maior.
A formação atual conta com Stuart Murdoch (líder, vocal, guitarra e teclados), Stevie Jackson (vocal e guitarra), Chris Geddes (teclados), Sarah Martin (violiono e vocal), Mick Cooke (trompete e baixo), Bobby Kildea (guitarra e baixo) e Richard Colburn (bateria). Boa parte do núcleo ainda vêm da formação em 1996 e mesmo com os inúmeros projetos que tocam em paralelo conseguem se manter juntos. Em “Write About Love”, mostram que essa convivência faz muito bem musicalmente.
O novo disco tem os seus músicos completamente conscientes do que podem fazer e proporcionar. O ouvinte é fisgado logo na primeira faixa, a quase cruel “I Didn't See It Coming” que no meio da doçura sonora saca frases como: “não temos o dinheiro (o dinheiro faz as rodas do mundo girar)”, atirando no pé do amor pueril. Em “Come On Sister”, mesmo acreditando que “todo mundo ama” os versos perdem a fé em alguém que se tornou maior do que poderia suportar.
Esse tom de decepção e cansaço permeia quase que a totalidade do trabalho. Bons exemplos são faixas como “I Want The World To Stop” e “I'm Not Living In The Real World” que estravasam uma vontade de ir embora, de mandar tudo para o alto. A fé é desafiada em “The Ghost Of Rockschool”, enquanto que na música (com participação de Carey Mulligan) que dá nome ao disco, esse cansaço já citado explode de vez: “eu odeio o meu trabalho, estou trabalhando de forma demasiada”.
“Little Lou, Ugly Jack, Prophet John” traz Norah Jones participando na faixa mais triste do álbum. Canção que fala sobre a perda da amizade e é perfeitamente estendida para a perda do amor. “Desperdício” como cita a letra. Nesse “Write About Love” a banda se mostra mais melancólica que nunca. Por mais que às vezes as canções tenham ritmo alegre, as letras jogam tudo para baixo. O Belle and Sebastian continua dosando magistralmente pop e tristeza na alquimia própria do seu caldeirão.
Site oficial: http://www.belleandsebastian.com

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

"Fabricando Tom Zé" - 2007

“Máquina de novas idéias”. É assim que Rodrigo Pederneiras, diretor do Grupo de dança Corpo define Tom Zé no documentário “Fabricando Tom Zé” de 2007. O filme dirigido por Décio Matos Jr. ganhou diversos prêmios mundo afora e explora com bastante sinceridade e simplicidade a iconoclasta figura desse baiano de Irará, nascido em 11 de outubro de 1936 que de fundador da Tropicália, caiu no ostracismo e ressurgiu pelas mãos de David Byrne.
Com a câmera focando de perto todos os jeitos e trejeitos de Tom Zé, o documentário embarca em uma turnê pela Europa em 2005 em países como Itália, França e Suíça. Nela passa por momentos gratificantes e reconhecimento em shows e entrevistas, como também mostra o artista em momentos poucos inspirados como em uma apresentação na França. Humano e assumindo isso, diferente de alguns parceiros seus da Tropicália, Tom Zé cativa a todo instante.
Com idéias das mais diversas arremessadas na tela, vai opinando sobre assuntos diversos que o envolvem, assim como a sua música, utilizando de um humor bastante peculiar e sagaz envolvido por boas coberturas de acidez e ironia. Perfeccionista até a alma é obstinado na busca da sua sonoridade aparecer como ela a imagina e quando isso não ocorre explode toda sua verborragia para os culpados, como demonstrado na passagem de som em Montreux.
Corroborando o ditado que atrás de um grande homem há sempre uma grande mulher, atrás do artista está sua esposa Neusa, que é definida pelo próprio como a “sombra que fica na frente de tudo”. Ela que conduz o barco e dá um pouco de organização as milhares de idéias e vontades que jorram na cabeça do esposo ao mesmo tempo. Impressionante como os pensamentos são delineados sempre em busca do novo, de novas músicas ou novos arranjos para elas.
“Fabricando Tom Zé” traz também uma espécie de pedido de desculpas dos dois ícones maiores do Tropicalismo (Caetano Veloso e Gilberto Gil) pela ausência do músico em tantos e tantos anos do holofote do movimento. Em certa passagem, Tom Zé se define como um “patinho feio” ou uma espécie de “Galeano” (volante esforçado que fez história no Palmeiras). Para quem já escutou discos como “Estudando o Samba” de 1976, sabe que ele é bem mais que isso.
Site do filme: http://www.fabricandotomze.com.br Site oficial: http://www.tomze.com.br

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

"Kick" - The Splinters - 2010

Diversão. Em certas horas isso é o que nos resta, já dizia o clássico oitentista dos Titãs. Tem certos momentos que dá aquela vontade danada de mandar tudo para bem longe. Normal, afinal a semana não foi boa, o trabalho anda uma merda, os amores não andam amáveis, enfim tudo está parado ou andando para trás. O espírito não suporta coisas muito elaboradas ou teses bem descritas. Precisa de algo seco, meio besta, jovial, simples e...divertido. “Kick”, disco de estréia das norte americanas do The Splinters traz isso a tona. Não tem a mínima intenção de mudar seu dia ou seus humores atuais, mas traz guitarras altas, meio sujas, encharcadas de influência dos anos 60 e 70 em canções condensadas em dois minutos. As letras então é melhor nem dar atenção. São apenas fraseados de desejos e cotidiano que na maioria das vezes não fazem muito sentido. Mas tem gritos no meio e isso ajuda muito. “The Splinters” é formado por Ashley Thomas (baixo e guitarra), Caroline Partamian (guitarra e baixo), Courtney Gray (bateria) e Lauren Stern (vocais e pandeiro). Quatro mulheres que se conheceram na Universidade de Berkeley e decidiram montar uma banda. Nada mais cool, não é mesmo? Para melhorar ainda a história, elas carregam aqueles sobrenomes característicos de bandas de soul e blues, como “Flapjacks”, “Spex”, “Juju” e “Ketchup”. São 12 músicas em parcos 26 minutos. Passa tão rápido que quando você menos percebe já está tocando de novo. E de novo. E de novo. Amanhã talvez nem se lembre que exista uma banda chamada The Splinters no mundo, é bem provável até que isso aconteça, no entanto a mistura de riot grrrls, rock de garagem e punk funciona muito bem em tiros rápidos. Na sacola você pode colocar influências de The Runaways, The Shangri-Las e The Breeders. Certa vez o escritor inglês Gilbert Keith Chesterton disse que “a verdadeira finalidade de toda a vida humana é a diversão”. Pensamento interessante que ao ser diluído nas guitarras de “Mysterious”, “Dark Shades”, “Electricity” e “Splintered Bridges” ganha um pouco mais de força. Quando acaba é evidente que você ainda quer mandar tudo às favas, mas esse sentimento foi atenuado pelas besteiras de uma banda de rock. Melhor deixar o mundo para amanhã. My Space: http://www.myspace.com/thesplintersband

sábado, 23 de outubro de 2010

"Ganeshas" - Ganeshas - 2010

Houve um tempo em que o rock nacional buscava constantemente inspiração na mpb ou em regionalismos para inspirar seus discos. Hoje isso ficou mais diluído, por mais que ainda exista em boa quantidade. Um bom exemplo disso é “Ganeshas”, estréia do grupo carioca de mesmo nome lançado agora em 2010. Fugindo do resultado chato, insosso e prepotente que a união sugere algumas vezes, a banda exibe um resultado com brilho próprio.
O Ganeshas é formado por Brenno Quadros (vocal), Bruno Keleta (guitarra), Felipe Fernandes (guitarra), Marcelo Castilho (baixo) e Felipe Genes (bateria). Na ativa desde 2005, o grupo foi moldando sua sonoridade com paciência no decorrer dos anos, testando esta sempre que possível ao vivo. As influências podem ser as mais díspares como o funk setentista e a música nordestina ou passeios casuais pelos Novos Baianos e por Chico Buarque.
A pluralidade dessa estréia é um de seus maiores atrativos, não sendo um samba do criolo doido que atira para todos os lados sem acertar em lugar algum. “Vai Sem Medo”, a primeira canção, abre com um violão em primeiro plano e depois se vê invadida por guitarras que aparecem e somem freqüentemente. “Botando na Caçamba” envolve boogie-woogie com Kleiton e Kledir e “A Indesejada” é Alceu Valença com doses de psicodelia.
Em “A Máquina”, outro bom exemplo, temos uma entrada digna de um (bom) faroeste antigo abrindo para um pop rock elaborado que trata sobre a humanidade (ou a perda dela) no mundo moderno, regada com esperança juvenil. “Mi Menor” é um blues com ares meio viajantes que lembra algumas coisas que o Cazuza fez na carreira. “Trem” já é um rock mais para o caminho “alternativo”, por assim dizer. Aliás, cabe ressaltar, um ótimo rock.
Conciliar rock e mpb nunca foi tarefa fácil. Por mais que existam trabalhos brilhantes nessa praia, uma quantidade igual ou maior trilharam o caminho oposto. O Ganeshas apesar de apresentar alguns pequenos problemas normais da estréia, fez um registro conciso e bem elaborado, o que é sempre mais importante. Típico disco que sugere um caminho interessante pela frente, orientado pelo Deus hindu que dá nome ao grupo. Por que não?
My space da banda onde o disco está gratuitamente disponível para download: http://www.myspace.com/ganeshas

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

"O Sol do Meio Dia" - 2009

Artur (Luiz Carlos Vasconcelos) sai da cadeia com o olhar perdido, longe de tudo e de todos. Seu crime ainda não foi demonstrado na tela, mas aos poucos descobre que se trata de algo brutal, tanto pela reação das pessoas da cidade para onde retorna, quanto pelos próprios fantasmas pessoais que o circundam. Artur não se faz de coitado, mas dá para perceber que sua vida já era, ele perdeu o combate por causa de erros próprios e precisa seguir mesmo assim.
“O Sol do Meio Dia”, filme da diretora Eliane Caffé (de “Kenoma” e “Narradores de Javé”) demorou um bom tempo para ser concluído, mudou de nome e só ano passado estreou em circuito aberto, sendo que só chegou a cidade onde maior parte da trama se desenvolve agora em outubro. Começando de uma pequena cidade do interior e viajando pelos rios da região até Belém, o filme carrega consigo a dor e a fina esperança do seu trio de personagens.
Quando resolve partir para Belém, Artur pede carona a Matuim (Chico Diaz) no seu barco. Matuim por sua vez está completamente enrolado com criminosos da região e busca a solução em um transporte de contrabando, que não sai como o esperado. Ao chegar em terra, Ciara (Cláudia Assunção) entra e sai da vida dos dois até que seus caminhos se cruzem novamente. O trio amoroso formado, foge do lugar comum e demonstra atuações acima da média.
Artur, Matuim e Ciara carregam em si apenas uma pequena linha de esperança em mudar suas vidas. Os três, cada um a sua maneira, trazem consigo dores que o tempo não pode mais curar. Eles estão só cumprindo tabela, esperando a hora em que tudo vai acabar. O roteiro não destrincha suas emoções, prefere demonstrá-las e assim sendo não nutre explicações, motivos ou causas. Em “O Sol do Meio Dia” a vida apenas existe, por mais combalida que esteja.
Não é um filme fácil em momento algum. O público não chora ou ri facilmente. Mesmo Matuim que explora o lado cômico do longa, está mais para trágico por mais engraçado que seja. Na verdade a maior sensação que temos é de desconforto. Não há cenas espetaculares em “O Sol do Meio Dia”, muito menos obviedades cinematográficas. Há apenas três pessoas sem muito sentido em seguir em frente se agarrando a migalhas de desejo para continuar.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

"A Arte de Ser Desagradável" - Jim Knipfel

“Sempre que ouço a palavra “espiritual”, cato o meu revólver.” É com essa frase seca que o livro “A Arte de Ser Desagradável” começa. Escrito pelo norte americano Jim Knipfel em 2004 e somente agora lançado aqui pela Bertrand Brasil (253 páginas), trata-se de uma espécie de autobiografia de um cidadão que de completo delinqüente juvenil e homem antissocial, vai se transformando devagar e aos poucos em alguém mais tranqüilo e menos anárquico.
Quando escreveu “A Arte de Ser Desagradável” (“Ruining It For Everbody” no original) Jim Knipfel já tinha dois livros anteriores basicamente sobre o mesmo tema: “Slackjaw” e “Quitting The Nairobi Trio” (ambos sem edição nacional). No primeiro tratava sobre a sua decadência física, com os problemas corporais que foi adquirindo com o passar da idade e no segundo direcionava seu humor próprio para as conseqüências da queda de produção mental.
O que a princípio poderia parecer desinteressante e um exemplo de jornada para se tornar um ser humano melhor é arrebentada logo na primeira das diversas crônicas que compõem o livro. Na infância, Jim Knipfel era o tipo de moleque que apanhava de todo mundo e ficava sozinho pelos cantos. Na adolescência essa raiva contida se transformou em vandalismo social e práticas nada aprazíveis para com as outras pessoas. O cara virou um desgraçado.
Ao lado de um parceiro que era muito mais desgraçado que ele, fez ações que por pouco não o levaram para a cadeia, mas serviram para amplificar toda sua aversão as pessoas. Com o passar do tempo e os problemas de saúde, esse sentimento vai diminuindo, mas mesmo menor ainda exibe uma gama impecável de acidez e humor negro. Vítima de uma doença que o deixa cego lentamente e mais um problema no cérebro, o autor não deixa de detonar tudo.
“A Arte de Ser Desagradável” foi escrito quando seu criador já tinha um emprego no jornal New York Press, uma namorada fixa e os rendimentos do primeiro livro começavam a aparecer. Nele é explorado o “Budismo Para Cachaceiros”, filosofia inventada pelo próprio para iluminar a alma (ou algo assim). Apesar do tom exagerado de niilismo às vezes, em sua grande maioria o livro diverte bastante quem gosta de politicamente incorreto. Bem recomendável.

domingo, 17 de outubro de 2010

"As Armas Secretas" - Julio Cortázar

Julio Cortázar nasceu na Bélgica em 1914 por um acaso do destino. Seu pai era diplomata e por conta disso chegou ao mundo longe do seu país, a Argentina. Considerado um dos maiores contistas que a América Latina produziu, se mudou para Paris em 1951 por causa da ditadura é lá viveu até falecer em 1984. Uma das suas obras mais elogiadas é “As Armas Secretas”, coletânea de 5 contos que a Civilização Brasileira reedita esse ano aqui com 191 páginas.
O livro é provavelmente junto com “O Jogo da Amarelinha” de 1963 o trabalho mais reconhecido do autor. “As Armas Secretas” foi lançado em 1959, acabando com três anos sem produção publicada de Julio Cortázar. O conto “As Babas do Diabo” inspirou o grande cineasta italiano Michelangelo Antonioni na composição do filme “Blow-Up” de 1966 e desde então se tornou referência para os outros escritores. Mas não se resume somente a isso.
Ao entrar no universo do livro nos dias do hoje, o leitor se vê obrigado a participar dos jogos praticados pelo autor e que se tornou sua marca registrada. Em histórias que parecem simples e rotineiras, percebe-se que o rumo da trama não era bem aquele que se imaginava. Usando e abusando de parênteses na hora de escrever, as informações da narração são contrapostas quase que instantaneamente e não obstante levam os personagens a devaneios tortos.
Por mais famoso que “As Babas do Diabo” tenha se tornado, o melhor conto é na verdade “O Perseguidor”. Grande fã de jazz, Julio Cortázar se inspirou na figura emblemática do saxofonista Charlie Parker (um dos fundadores do bebop) para moldar Johnny Carter, o músico talentoso que vê sua vida ruir pelos olhos de um jornalista. O jornalista em questão, por mais que seja apaixonado pela obra do artista, nutre sentimentos díspares em relação a ele.
Nesse conto, assim como os demais (“Cartas de Mamãe”, por exemplo), Julio Cortázar traz a ambigüidade andando de mãos dadas pelo parque com a loucura, ainda que essa em estado inicial e quase inofensiva. Ler “As Armas Secretas” é uma tour por uma espécie de outro mundo que parece que ficou para trás há muito mais tempo. Um mundo onde o ser humano caminhava com outras responsabilidades e idéias, mas sempre com algo a inquietar a alma.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

"Destinos Cruzados" - 2010

Em 07 de julho de 2005 atentados terroristas mataram 52 pessoas em Londres. Os ataques atingiram o metrô e um ônibus parando uma das maiores cidades do mundo. Em uma pequena ilha longe da cidade, Elizabeth Sommers (Brenda Blethyn de “O Barato de Grace”) toca a vida pacata dentro do seu sítio até que vê a notícia na televisão. Imediatamente pega o telefone e liga para a sua filha, que se mudou para Londres para estudar.
Como não obtêm sucesso resolve se mandar atrás da filha. Enquanto faz sua busca aparece no seu caminho Osmaine (Sotigui Kouyaté de “Coisas Belas e Sujas”), um africano radicado na França que também procura pelo filho sumido após os atentados e que não vê desde que o mesmo tinha 6 anos. Os caminhos dos dois acabam convergindo e logo percebem que estão atrás da mesma coisa, por mais que carreguem inúmeras diferenças entre si.
Essa é a trama de “Destinos Cruzados” (“London River” no original), filme do diretor Rachid Bouchareb que usa o drama dos atentados para expor seu ponto de vista sobre diversidade e aceitação, expandindo-o também para um pouco de religião e política. O tema de dois estranhos que apesar de diferentes acabam se unindo durante uma tragédia pessoal poderia muito bem escapar para o drama piegas, mas o diretor controla o rumo com austeridade.
O antagonismo entre a dupla de personagens principais é explorado nas mais diversas cores. Ela é cristã, ele é muçulmano. Ela é branca, ele é negro. Ela é mais aberta, ele incrivelmente fechado. Enquanto ela busca a filha diretamente na polícia, ele vai em busca dos religiosos da região. Sotigui Kouyaté que faleceu em 18 de abril desse ano tem uma atuação que provoca até desconforto e mistura impassividade com calma, angústia com humilhação.
“Destinos Cruzados” é um filme que trabalha em tom menor o tempo todo. Nele não espaço para alardes ou grandes reviravoltas e a esperança é tratada como um alicerce frágil e sem sustentação. Rachid Bouchareb consegue adentrar o tema do cotidiano de pessoas comuns alterado por um evento externo com bastante sutileza e dispara disfarçadamente contra a intolerância e a guerra e suas conseqüências. Um filme triste e amordaçado, mas bem bonito.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

"Festival SWU" - Fazenda Maeda (Itu/SP) - 11.10.2010

Terceiro dia de SWU, o festival que prometia ser um dos maiores do mundo. Com direito a transmissão em tv e matérias espalhadas por todos os meios de comunicação, antes do terceiro dia o SWU oferecia tantos medos que a vontade de ver os shows ficava quase que escanteada para o lado. Os dois primeiros dias sofreram com críticas severas que atingiam praticamente toda sua esfera. Da alimentação ao caos do transporte. Do som a desorganização interna.
Nesse antro de incertezas foi que parti junto com amigos para o último dia e passo a passo os monstros não pareciam tão monstruosos assim. A saída do Anhembi foi tranqüila no ônibus em direção a Itu, que nos largou na frente do portão. Entrando ainda às 16:00hs, o festival de cores e pessoas já se apresentava ali. Com a programação na mão e um frio que ainda se encontrava distante nesse momento, nos posicionamos em frente ao palco que tocaria o Yo La Tengo.
Ira Kaplan subiu empunhando uma guitarra detonada e encheu os últimos raios de sol da segunda com distorção. Parecendo um grupo de professores de história ou geografia, o Yo La Tengo fez um show enfezado sem dizer nem “oi’ para o público. Não funcionou como devia funcionar, ainda mais por conta de um bando de adolescentes que entoava músicas do Avenged Sevenfold (quem?) na frente. Mais ouvir canções como “Tom Courtenay” ao vivo, sempre vale. Após o show caminhamos para o palco Oi Novo Som para o esperado show do Josh Rouse. Josh subiu acompanhado de dois outros músicos com baixolão e violão e fez um show bonito, mas que podia ter rendido muito mais. Além do som que entrava vindo dos outros palcos, o músico optou por concentrar o repertório no apenas mediano disco novo “El Turista”. Em faixas como “Streetlights” ou “Love Vibration” era evidente que funcionava melhor.
Depois era a vez de retornar aos palcos principais para ver o Queens Of The Stone Age. Enquanto esperava o insosso show do Incubus acabar e o atraso de quase uma hora para o QOTSA subir, outra parte da trupe via o Cansei de Ser Sexy subir e comandar a festa no palco Oi Novo Som. Nesse momento o frio já reinava na Fazenda Maeda em Itu (beirava os 12,13 graus) e Josh Homme foi fundamental para suportá-lo, sendo responsável por um grande show.
A banda abriu logo com as duas primeiras faixas do disco de estréia, as matadoras “Feel Good Hit of the Summer” e “The Lost Art of Keeping a Secret” e a partir daí engataram um show poderoso. Faixas como “Sick, Sick, Sick” do último álbum, ficam ainda melhores ao vivo e o maior hit da banda “No One Knows” que veio no final, serviu para coroar a apresentação. Josh Homme com seu rock de garagem sujo fez o frio de Itu se aplacar pouco a pouco.
O Pixies era a próxima banda a subir e a expectativa era das maiores. Uma das bandas que mais escutei na vida. Muito se falou sobre a apatia que o show poderia ter, mas há de se convir que não dava para esperar um Frank Black pulando no palco e fazendo jogos com a platéia. Nunca foi assim e não seria depois de velho que iria começar. O que podia se esperar na verdade era uma coleção de grandes músicas e isso veio bem maior do que a encomenda inicial.
A banda sentou a mão. Iniciaram com “Bone Machine” e “Isla de Encanta” para engatar em “Tame”, a primeira de muitas faixas do clássico “Doolittle” que completa 20 anos. O set list teve canções mais “lado b” como “Caribou” e “U-Mass”, resgatou faixas do “Bossanova” como “Velouria”, “Dig For Fire” e “Allison”, distribuiu hits como “Debaser” e “La La Love You” para culminar no bis fantástico de “Planet Sound”, “Where is My Mind?” e “Gigantic”.
Depois do Pixies fomos embora, já que as outras apresentações eram Linkin Park e Tiesto (não dá né?). A saída foi tranqüila por conta do horário e a chegada em São Paulo bastante calma. O SWU passou longe do que almejou ser e pode e deve melhorar muita coisa para a versão do ano que vem. O desrespeito ao público aconteceu, mas sinceramente não vi nada que destoasse do que acontece em outros festivais brazucas que já fui. Infelizmente. Agora é esperar 2011.
***Fotos retiradas do site oficial do evento.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

"Mente Mentira" - Teatro Raul Cortez (SP) - 10.10.2010

Em uma discussão mais forte com a esposa, Jake passa completamente dos limites e a espanca sem piedade. Esse fato distribui toda a gama de acontecimentos que o espetáculo “Mente Mentira” apresentará, mesmo sem aparecer para a platéia. A trama é inserida a partir do momento seguinte, quando o marido desconsolado e visivelmente perturbado entra em contato com seu irmão para comunicar a tragédia provocada por ele e para pedir ajuda.
O exposto no parágrafo acima é o ponto de partida de “Mente Mentira”, a nova peça teatral dirigida por Paulo de Moraes e em cartaz no Teatro Raul Cortez em São Paulo. Trata-se de uma montagem nacional do admirado texto “A Lie of The Mind” de Sam Shepard, obra que foi lançada em 1985 nos Estados Unidos e teve bastantes elogios, ganhando inclusive uma adaptação recente lá fora pelas mãos do ator Ethan Hawke na direção.
Para quem já conhece um pouco do trabalho de Sam Shepard, que além de ator escreveu roteiros para filmes como “Paris, Texas” de Win Wenders, sabe do seu gosto por colocar os ritos e tradições do seu país na berlinda. Nessa peça não é diferente. Quando o marido espanca a mulher, os dois são obrigados a voltar a morar com os respectivos pais, mostrando toda a instabilidade e infelicidade das próprias famílias, assim como suas loucuras.
Jake e Beth são interpretados pelo global Malvino Salvador e por Fernanda Machado. Os dois tem atuações consistentes, no entanto não conseguem em momento algum colocar a intensidade que o texto parece requerer. O grande destaque fica com o elenco de apoio. Não são raras as passagens que os pais de Beth roubam a cena. Roza Grobman e Luti Angelelli (substituindo Zé Carlos Machado nesse dia) aliam drama e humor negro com categoria.
Paulo de Moraes tem trabalhos premiados na sua história como a montagem de “Toda Nudez Será Castigada”, porém erra um pouco a mão nesse “Mente Mentira”. Ao optar por não adequar o texto para o cenário nacional mantendo as referências norte americanas como o beisebol e a distinção entre sul e norte, se perde um pouco e fica no meio do caminho entre as duas coisas. A peça acaba então também parando no meio, sendo apenas razoável.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

"Les Show" - Los Pirata - 2010

O Los Pirata não é uma banda para se levar a sério. Ainda bem. O trio paulistano que vive espalhado entre Brasil e Estados Unidos retorna em mais um disco onde a diversão e a mistura sem frescura de ritmos e idéias é que prevalece. Paco Garcia (guitarra e vocal), Jesus Sanchez (guitarra) e Loco Sosa (bateria) chegam a “Les Show” depois de viajar por algumas semanas dentro de uma van por estados americanos como Texas e Califórnia atrás de inspiração.
“Les Show” foi concebido nas estradas e gravado em Nova York, mas traz o habitual caleidoscópio da banda que reúne punk, surf music, rock, guitarrada, brega e música caribenha na mesma panela. Diferente de seus antecessores, “Les Show” é mais elaborado, mais trabalhado, porém preserva a tosquice costumeira. As letras cantadas em portunhol canhestro e divertido por Paco Garcia ganham também toques de spanglish, como os próprios disseram.
São 13 faixas que começam e terminam praticamente com a mesma pegada. “Les Show” abre com guitarras rockeiras que também aparecem em “Mode On” que fecha o disco. Entre esses dois pólos o recheio é de alegria, perversão musical e uma boa dose de maluquice. Na caliente “Amor Y Libertad”, por exemplo, Paco Garcia canta como um drama mexicano: “Soy um hombre sincero (...) yo quiero amor/y quiero libertad/si no tengo los dois/mi vida és la mitad”.
“Pirata Corazón” é outra que vem repleta de canalhice. Depois de uma introdução mais pesada, ganha tons lentos e versos como: “Qual es el camino mas corto de mi corazón?”. “Caderada” é urgente, apressada e enérgica, assim como “Filipino Weird”. “Norte Y Sur” é tema para alguma ilha do Caribe e traz referências as “chicas” de Belém, ao bar “Mormaço” e ao Carimbó. “Marfa Lights” é quase um punk-pop-new wave. Indicadíssimo para balançar.
“Les Show” ainda traz outros bons momentos como a instrumental “Pirate’s Lullaby” junto seus “na-na-na-na’s” e assovios, como também o nonsense brega sessentista de “Mi Right Number”. O Los Pirata que há alguns anos fez todo mundo dançar e cantar ao som da fantástica “Lospi Gospel” retorna com outro divertido álbum para tocar em pistas Brasil afora. “Les Show” é curto (tem apenas 26 minutos), mas é prazeroso. Assim como uma boa punheta.
Algumas canções podem ser baixadas aqui: http://www.reverbnation.com/lospirata
Site Oficial: http://www.lospirata.com

terça-feira, 5 de outubro de 2010

"Postcards From a Young Man" - Manic Street Preachers - 2010

No ano passado o Manic Street Preachers fazia a homenagem definitiva a Richey James, guitarrista que desapareceu e foi dado como morto. O tom de “Journal For Plague Lovers” não era dos mais alegres. Deixado isso para trás, o grupo volta com força aos seus assuntos habituais em “Postcards From a Young Man” que o baixista Nick Wire definiu como a “última tentativa de comunicação em massa”. Realmente ele traz algumas das canções com ar mais pop da sua carreira.
Logo na abertura com “(It's Not War) Just The End Of Love”, James Dean Bradfield canta sobre o final de um amor iniciando com os versos “Para sentir o perdão, você tem que perdoar”. É, o amor acaba. Simples assim. Na faixa título com orquestrações ao fundo e solo de guitarra entrando no meio da canção, o Manics canta sobre o passar do tempo e olha para a juventude se reincriminando de certas atitudes. Sinais de tudo que banda viveu até chegar a esse décimo disco.
“Some Kind Of Nothingness” é uma canção daquelas que você precisa puxar o ar várias vezes. Com Ian McCulloch do Echo And The Bunnymen nos vocais e um coral gospel encharcando a canção de beleza, uma letra melancólica assume: “O céu está caindo sobre você”. “The Descent (Pages 1 & 2)” é tudo aquilo que o grupo faz com perfeição. Um rock clássico conduzido por violões com Sean Moore quebrando a canção na bateria e James Dean Bradfield cantando com a alma.
“Hazelton Avenue” traz novamente orquestrações e talvez pela presença do seu líder anteriormente, lembra bastante Echo And The Bunnymen. Em “Auto Intoxication” o Manics apresenta a luxuosa participação de John Cale no piano fazendo uma canção sobre perdas e vícios ganhar proporções maiores do que poderia suspeitar. “Golden Platitudes” é uma balada clássica que canta novamente sobre amor e pergunta “Onde é que tudo deu errado? Onde estão os sentimentos?”.
“I Think I've Found It” inicia com uma viola dedilhada para depois assumir o tom pop do álbum. “A Billion Balconies Facing The Sun” traz o ex-Guns And Roses Duff McKagan no baixo e uma visão cínica sobre o posicionamento perante o mundo. “All We Make Is Entertainment” mesmo não sendo o primeiro single do trabalho, tem tudo para ser seu hit. Começa com o tão roqueiro “one, two, tree...” para se espalhar em um rock de arena grudento e com melodia assoviável.
“The Future Has Been Here 4 Ever” com o baixista Nick Wire nos vocais e o baterista Sean Moore no trompete encerra este “Postcards From a Young Man” junto com as guitarras mais altas de “Don't Be Evil”. O Manic Street Preachers explora o caminho já aberto por “Send Away The Tigers” de 2007 e deságua naquele que é provavelmente seu registro mais pop e acessível, o que não significa banalidade em momento algum. Certamente um dos discos do ano. Confira.
Sobre o disco anterior, passe aqui.
My Space: http://www.myspace.com/manics Site Oficial: http://www.manicstreetpreachers.com

sábado, 2 de outubro de 2010

“Our Cubehouse Still Rocks” - Boston Spaceships - 2010

Robert Pollard continua na sua missão implacável de lançar a maior quantidade possível de músicas. Em 2010 o Boston Spaceships, projeto que toca junto com Chris Slusarenko (ex - Guided By Voices) e John Moen (Decemberists) chega ao quarto disco de estúdio depois de aparecer com um Ep bem bacana em março. “Our Cubehouse Still Rocks” surge como se fosse uma coletânea do que o músico mais conhecido pelo Guided By Voices é capaz de produzir.
Depois de um excelente trabalho em 2009 (“Zero to 99”) o Boston Spaceships volta a carga com sua mistura de rock de todas as épocas. Desde a abertura calcada no rock alternativo americano dos anos 90 de “Track Star” até a sujeira que “In The Bathroom (Up 1/2 the Night)” produz e fecha o disco, nenhuma canção deixa de agradar. Mesmo não tendo toda a pluralidade do trabalho anterior, sendo mais seco e cru, o novo registro ainda passeia por esse lado.
Em “I See You Coming”, por exemplo, o ritmo é lento, esperando uma explosão que não chega nunca ao som. Em outras como “Trick Of The Telekinetic Newlyweds” a melodia é atravessada por estranheza e uma condução quebrada a cada momento. Já “Saints Don't Lie” e “Come On Baby Grace” são duas pequenas pérolas pop guitarreiras, que grudam na mente e demoram para sair. “Stunted” é uma homenagem da banda ao rock inglês dos anos 70.
Uma das grandes sacadas ao ouvir o Boston Spaceships é justamente perceber de onde cada acorde puxa sua influência, sua herança genética. “Airwaves” é um bom retrato disso. Uma hora parece uma canção extraída da fase Ziggy Stardust de David Bowie, para mais na frente se aproximar de Marc Bolan e seu T. Rex. “Dunkirk Is Frozen” poderia ser tanto Stiff Little Fingers quanto alguma banda perdida dos anos 90. As guitarras ensurdecem, fazendo bonito.
As letras de “Our Cubehouse Still Rocks” é que não trazem surpresas e continuam habitando o universo fantástico e o cotidiano ácido, comum e pouco lisonjeiro que Robert Pollard gosta de explorar. No mais, entre tantos projetos que o compositor toca seja solo ou com bandas como o Circus Devils, o Boston Spaceships é que exibe hoje as melhores idéias e concepções contando com a ajuda luxuosa, é bom ressaltar, dos seus dois parceiros na empreitada.
Sobre o disco anterior, passe aqui.
Site Oficial: http://www.bostonspaceships.com